As declarações finais descrevem as
conclusões preliminares do corpo técnico do FMI ao término de uma visita
oficial (ou ‘missão’), na maioria dos casos a um país membro. As missões são
realizadas como parte de consultas regulares (em geral anuais) ao abrigo do Artigo
IV do Convénio Constitutivo do FMI, no contexto de uma solicitação de uso dos recursos
(empréstimo) do FMI, como parte das discussões de programas monitorizados pelo corpo
técnico ou de outra forma de acompanhamento da evolução económica pelo corpo técnico. As autoridades consentiram com a publicação
desta declaração. As opiniões expressas nesta declaração são as do corpo
técnico do FMI e não representam necessariamente as opiniões do Conselho de
Administração do FMI. Com base nas conclusões preliminares desta missão, o corpo
técnico elaborará um relatório que, após aprovado pela Direção, será submetido
à apreciação e decisão do Conselho de Administração do FMI. Uma missão do Fundo Monetário Internacional
(FMI) esteve em Lisboa entre os dias 5 e 17 de março para conduzir as
discussões de consulta ao abrigo do Artigo IV referentes a 2015, como parte da
atividade normal de supervisão dos países membros. Ao final da visita, o chefe
da missão do FMI, Subir Lall, expressou os seus agradecimentos às autoridades
pelo diálogo franco e construtivo e fez a seguinte declaração:
Espera-se que a recuperação económica de
Portugal se fortaleça este ano. No âmbito do programa de ajustamento económico,
graves desequilíbrios foram corrigidos, o crescimento foi restaurado e o
desemprego começou a declinar. Contudo, persistem alguns desafios que exigirão
um esforço sustentado de reformas estruturais. Uma confluência de fatores
externos positivos – uma taxa de câmbio mais favorável do euro, um ambiente de
política monetária altamente acomodatício e a descida dos preços do petróleo –
proporciona uma excelente janela de oportunidade para a realização de tais
reformas.
O
processo de ajustamento económico
1. O programa de ajustamento económico de
Portugal estabilizou uma economia profundamente desequilibrada. Antes da
eclosão da crise da dívida soberana no início de 2011, o modelo de crescimento
de Portugal, assente no consumo, havia conduzido a grandes défices da balança
de transações correntes. A competitividade externa declinou, a dívida subiu
para níveis insustentáveis nos sectores público e privado e o crescimento caiu
para um nível bastante inferior ao necessário para a convergência para o padrão
de vida médio da União Europeia. Desde 2011, graças às políticas pautadas pelos
princípios do programa de ajustamento, o défice da balança corrente transformou-se
num excedente, a acumulação anterior de endividamento público e privado foi
interrompida e o acesso pleno aos mercados de dívida soberana foi restaurado. O
produto começou a expandir novamente em 2013, enquanto o desemprego começou a
declinar a partir de níveis historicamente sem precedentes. Para sublinhar o
êxito do processo de ajustamento, e em consequência do ambiente de taxas de
juros extraordinariamente baixas na área do euro, Portugal deu início ao
reembolso antecipado de parte do seu empréstimo com o FMI.
2. Mas os decisores políticos ainda
precisam fazer face a diversos legados difíceis da crise e desequilíbrios de
longa data. Em primeiro lugar, dadas as atuais políticas, a criação de postos
de trabalho nos próximos anos seria insuficiente para reduzir os recursos
ociosos para níveis aceitáveis, especialmente entre os trabalhadores menos
qualificados. Um ritmo mais célere de criação de empregos é também necessário
para reduzir a pobreza e a desigualdade de rendimentos. Em segundo lugar, dadas
as atuais políticas, os níveis excessivos de endividamento de grande parte do
sector empresarial privado continuarão a travar o investimento, perpetuando a
má afetação de recursos a empresas improdutivas e gerando riscos para a estabilidade
financeira. Em terceiro lugar, é preciso dar seguimento à consolidação
orçamental a médio prazo, não só por causa do legado de dívida pública elevada,
mas também para assinalar que os excessos do passado no domínio da política orçamental
não serão repetidos uma vez que se dissipem as pressões imediatas da crise.
3. Os desenvolvimentos recentes fora de
Portugal criam para os decisores políticos do país uma janela de oportunidade
para fazer face a tais legados. Um euro muito mais fraco e taxas de
rendibilidade excecionalmente baixas — um reflexo da política monetária altamente
acomodatícia na área do euro — assim como a acentuada descida dos preços do petróleo,
geraram um forte impulso favorável para a economia. Tal confluência de fatores proporciona
uma oportunidade que deverá ser utilizada com sabedoria para manter o ímpeto das
reformas. Isto significa prosseguir e completar a tarefa de construir uma
economia mais virada para a exportação, que desta vez concretize as promessas
originais da adoção do euro.
O
contexto macroeconómico
4. A recuperação do produto tem sido tépida
até à altura. Uma recuperação liderada pelo consumo privado elevou o
crescimento para cerca de 1% em 2014, um resultado associado ao crescimento de
1,6% no emprego no ano transato. Espera-se que os resultados orçamentais de
2014 estejam em linha com a meta do governo; contudo, a dívida pública ascendeu
a 128,7% do PIB em 2014, em parte em consequência de diversas transações pontuais
de grande envergadura. Projeta-se que o crescimento acelere para cerca de 1,5%
em 2015, beneficiado por uma conjuntura externa muito mais favorável. Nesse
contexto, espera-se que a inflação média anual passe a ser positiva este ano. A
expectativa para o défice orçamental global é que permaneça marginalmente acima
da meta de 3% do PIB segundo o procedimento de défices excessivos, cifrando-se
em 3,2% do PIB.
5. A médio prazo, o ritmo de atividade e
criação de postos de trabalho deve ser vagaroso. Não obstante o forte impulso
cíclico, espera-se que o investimento permaneça baixo demais para manter o
stock de capital da economia, enquanto o envelhecimento da população provocará
uma redução da população ativa. Embora a composição das qualificações da força
de trabalho continuará a registar melhorias aceleradas, acompanhando as
tendências recentes, espera-se que o crescimento do produto a médio prazo não
ultrapasse cerca de 1,25%. A este ritmo moderado, uma parcela significativa dos
atuais recursos ociosos não seria absorvida pela criação de postos de trabalho,
especialmente no segmento dos trabalhadores menos qualificados. Em vez disso, os
trabalhadores provavelmente perderiam o vínculo com o mercado laboral e desistiriam
de procurar emprego, ou migrariam para tentar encontrar trabalho noutros
países.
A
criação de empregos
6. A única saída sustentável para a criação
de postos de trabalho é um crescimento mais rápido do que o projetado nas
exportações e no investimento. A absorção mais célere dos recursos ociosos
através da criação de empregos será possível se as restrições mais graves às
exportações (baixa competitividade externa) e ao investimento privado (excesso de alavancagem das empresas) forem
enfrentadas com maior rigor pelos decisores políticos. O maior crescimento das
exportações facilitaria um aumento sustentado das importações, sobretudo bens
de investimento, criando um círculo virtuoso de crescimento e geração de
empregos, sem abdicar do equilíbrio externo.
7. No caso de Portugal, compete às reformas
estruturais proporcionar o maior impulso à elevação da competitividade. O
programa de ajustamento lançou e executou um grande número de reformas
estruturais. Tal processo de reformas, às vezes levado adiante a despeito da
oposição de lobbies e interesses instalados, desempenhou também um papel
significativo na restauração da credibilidade do país entre os participantes do
mercado e investidores estrangeiros. O desafio para os decisores políticos será
consolidar estas realizações. Para o efeito, será preciso rever as reformas que
não produziram os resultados almejados, concluir a execução das reformas já
iniciadas e abordar os constrangimentos remanescentes por meio de reformas
complementares.
8. A qualidade das políticas e dos serviços
públicos é um elemento crucial para a competitividade das empresas e o
bem-estar dos cidadãos. Talvez seja preciso reexaminar algumas reformas do
sector público. As reformas da administração fiscal e do sistema de saúde já
produziram resultados concretos, mas aquelas destinadas a melhorar a capacidade
de resposta da administração pública às necessidades das sociedades e a fortalecer
a disciplina nos pagamentos às entidades do sector público foram muito menos bem
sucedidas, sobretudo ao nível autárquico. Apenas uma reforma profunda do Estado
poderá produzir resultados tangíveis no que respeita à melhoria do
funcionamento da administração pública.
9. No que toca ao funcionamento do mercado
de produtos, deve-se concluir a implementação das reformas que foram iniciadas.
Algumas medidas centradas na redução dos custos da energia, uso da
infraestrutura de transportes (em especial os custos para os utilizadores dos
portos) e custos dos serviços profissionais, entre outros, ainda estão pendentes.
A Autoridade da Concorrência precisa de contar com os recursos e o apoio necessários
para combater mais energicamente práticas anticoncorrenciais nos sectores protegidos.
Ademais, a maior integração ao mercado europeu aumentará a concorrência e melhorará
a eficiência de mercado. Embora seja difícil reverter totalmente os custos
legados de erros de políticas do passado em áreas como energia e infraestruturas
rodoviárias, será especialmente importante evitar derrapagens nas reformas
nessas áreas.
10. Deve-se considerar novas ideias e
iniciativas na esfera laboral, evitando-se recorrer a políticas que prejudiquem
a criação de empregos. Já foram envidados esforços significativos para utilizar
políticas ativas de promoção do emprego para melhorar as qualificações e a
permanência dos trabalhadores no mercado. Mas a produtividade dos trabalhadores,
sobretudo os menos qualificados, depende também das qualificações dos gestores.
Deve-se, portanto, rever a eficácia e amplitude dos programas para promover as competências
de gestão em Portugal. Manter o vínculo dos trabalhadores desempregados a longo
prazo com o mercado de trabalho continuará a ser um desafio. Considerando que
uma parcela crescente dos trabalhadores são assalariados, aumentar prematuramente
o salário mínimo poderia reduzir ainda mais as possibilidades de os trabalhadores
pouco qualificados fazerem a transição de inativos ou desempregados para ativos.
Embora os salários mínimos possam ser úteis para impedir abusos em detrimento dos
trabalhadores e proporcionar um limite mínimo para o rendimento, conceder
aumentos excessivos pode prejudicar as próprias pessoas que se tenciona
amparar, e o governo dispõe de instrumentos de política mais eficientes para
combater a pobreza. Os parceiros sociais têm também uma responsabilidade especial
em promover a criação de postos de trabalho ao apoiar políticas que reforcem a competitividade
do país. Um diálogo social mais inclusivo e transparente facilitaria a consecução
de soluções de políticas cooperativas que beneficiem todas as partes interessadas.
O
saneamento dos balanços das empresas e da banca
11. O excesso de alavancagem das empresas
ainda é um sério entrave ao investimento privado. Os dados consolidados do
sector indicam que o ritmo de desalavancagem das empresas acelerou em 2014, mas
a dívida agregada continua excessiva. Ao mesmo tempo, não está claro se as
empresas sobre alavancadas estão à frente do processo de desalavancagem. As
autoridades implementaram a quase totalidade da sua estratégia de desalavancagem
das sociedades, a qual abrange um tratamento fiscal menos favorável do financiamento
através da emissão de dívida e a redução do limiar para aprovação dos credores
em planos de reestruturação. No entanto, tais medidas talvez não abordem plenamente
os incentivos que originalmente conduziram à contratação excessiva de créditos,
como a distribuição elevada de lucros aos proprietários. Para além disso, é
possível que os persistentes desincentivos que impedem que proprietários, credores
e novos investidores em potencial cheguem a um acordo sobre a reestruturação da
dívida das empresas ainda viáveis não tenham sido completamente eliminados. De
referir, em especial, que alguns bancos talvez ainda precisem ser persuadidos a
constituir provisões para possíveis imparidades.
12. Esforços mais ambiciosos por parte dos
bancos mitigariam o risco de cair num ciclo de crescimento baixo e
desalavancagem lenta. Num contexto em que o sistema bancário ainda enfrenta custos
operacionais elevados, excesso de capacidade e baixa qualidade dos ativos,
esperar que o crescimento económico aumente a lucratividade pode acabar por ser
autoderrotista. Em vez disso, os bancos devem tirar proveito da atual
conjuntura económica e financeira propícia para abordar com mais vigor a questão
do sobre-endividamento das empresas. Devem mobilizar mais capital, reforçar as
provisões e acelerar o ritmo de reconhecimento de perdas. Isso abriria espaço
para a concessão de novos empréstimos de maior qualidade, que apoiem o
crescimento económico, bem com contribuiria para reduzir os riscos para a
estabilidade financeira ao melhorar a qualidade dos ativos da banca.
Uma
âncora para as políticas orçamentais a médio prazo
13. O objetivo da política orçamental a
médio prazo deve ser reduzir a dívida pública a um nível mais sustentável. A
consolidação das finanças públicas durante o programa de ajustamento foi
considerável, tendo-se obtido um ajustamento estrutural primário da ordem de 8%
do PIB no período 2010-2014. Mas o esforço de consolidação esteve mais
fortemente virado para as medidas do lado da receita do que se previa inicialmente.
Para o futuro, a política orçamental deve ter como âncora um ajustamento
estrutural primário de 0,5% do PIB, o qual deve ser atingido sobretudo através
da racionalização das despesas no contexto da introdução de metas para as
despesas em todas as esferas da administração pública. O cumprimento dessas metas exigirá a
identificação e execução rigorosa de medidas de política específicas,
permanentes e de alta qualidade. Enfrentar as pressões sobre as despesas públicas
exigirá novos esforços assentes nas reformas estruturais nos regimes de
salários e pensões. Por último, as alterações planeadas na Lei de Enquadramento
Orçamental seriam um passo importante para imprimir uma orientação de médio
prazo à gestão financeira pública.
Lisboa, 17 de março de 2015