“O país já tinha chegado a pontos muito baixos. Mas ontem a 'guerra das
condolências' foi algo que ultrapassou o imaginável. A história, com o devido
respeito a todos os que perderam a vida, independentemente do modo como a viam
e da forma como procederam, conta-se assim:
Perante a morte de um amigo e colega, António Borges, o Presidente da
República manda publicar na página oficial da Presidência uma nota de
condolências;
Os bombeiros profissionais e outros cidadãos manifestaram a indignação
pelo facto de o Presidente não ter apresentado semelhantes condolências aos
bombeiros recentemente falecidos;
Na página do Facebook de Cavaco Silva, aqueles que se podem chamar
profissionais da indignação, amplificaram essa indignação. Quando chegaram ao
'impressionante' número de 3000 (três mil, a página do Expresso tem quase 200
vezes esse número de visitantes por dia) a comunicação social começou a dar
nota da profunda revolta de milhares de portugueses (por essa altura, a censura
do turismo australiano à foto de um canguru ou a linguiça portuguesa no
McDonald's do Havai tinham despertado mais interesse entre os leitores).
Cavaco Silva indica que enviou as condolências em privado aos soldados
da paz falecidos tendo pedido, expressamente, para que tais votos não fossem
divulgados publicamente. Responsáveis dos bombeiros confirmam o Presidente.
Apesar do esclarecimento, o protesto que consiste em escrever "as
minhas sinceras condolências aos familiares dos bombeiros falecidos"
continuava como se nada estivesse esclarecido (algumas pessoas protestam duas,
três quatro vezes, repetindo a frase dezenas ou centenas de vezes).
Sinceramente, penso que não são precisas mais palavras sobre o assunto.
Chegámos a um ponto em que tudo - mas tudo, incluindo a morte de seres humanos
- serve para a pequena chicana política. O que se viu nas redes sociais depois
da morte de António Borges chegou a ser chocante e revelador de como algumas
pessoas acham que os outros (e sobretudo os seus familiares e amigos) não têm
direito ao mínimo respeito pela dor. O aproveitamento do trágico falecimento
dos bombeiros para uma campanha política, também mostra como há tanta gente que,
ou não pensa, ou não tem sentimentos.
E neste caso, pelo menos visivelmente, não foram os partidos, nem os
políticos. Foram, provavelmente, muitos daqueles que estão sempre pronto a
criticar tudo e todos. Deus nos livre desta turba desumana!” (texto deHenrique Monteiro, Expresso, com a devida venia)