terça-feira, agosto 07, 2012

Sociedade açoriana empobrece apesar das medidas do Governo

"A difícil situação das empresas e o desemprego são o tema do primeiro de uma série de trabalhos que o PÚBLICO editará aos domingos para retratar a região em ano de eleições regionais. Angelina Cruz tem 44 anos e está desempregada desde Outubro de 2010. O seu último trabalho foi a fazer limpezas numa empresa de construção civil. "Não tive direito ao subsídio de desemprego e, por isso, meti os papéis do rendimento mínimo", conta ao PÚBLICO, com um sorriso conformado. Senta-se muito direita na ponta do sofá enquanto conta a sua história. Vive há 22 anos numa casa da Câmara de Lagoa, no Sul da ilha de S. Miguel e a pouca distância do mar, pela qual paga 50 euros de renda mensal. Está casada há 23 anos e tem três filhos, mas o marido não tem ocupação certa ("faz biscates e não consegue segurar um emprego, é um "descabeçado""). A casa está modestamente mobilizada, mas muito asseada. E há ainda uma enorme dignidade no modo como Angelina Cruz fala, sem se queixar de nada. Percebe-se que a sua vida não tem sido fácil, mas orgulha-se de viver com dignidade. "Paguei todas as minhas dívidas e o meu nome está limpo. Sei falar inglês, cozinhar e servir à mesa e faço o que posso para arranjar trabalho. Mas quando digo a minha idade..." Como Angelina, outros 10.232 açorianos estavam inscritos em Junho nos centros de emprego da região (o PSD-Açores fala de um desemprego real na casa das 20 mil pessoas). Comparando com o mesmo mês de 2011, a subida do desemprego foi de 43,9%, embora se tenha registado uma diminuição de 2% relativamente a Maio passado. Segundo números do Instituto Nacional de Estatística (INE), a taxa de desemprego no primeiro trimestre do ano era de 13,9%, mais 4,4% do que no anterior trimestre. O rápido agravamento da situação económica no último ano e a crise social decorrente concentram todas as atenções. "O desemprego baixou agora um pouco, mas isso não é motivo de contentamento", diz Graça Silva, coordenadora regional da CGTP-In. "O Governo avançou com medidas conjunturais, como o prolongamento dos estágios profissionais, mas não há medidas de fundo." Além do desemprego, também os baixos salários praticados na região concorrem para tornar a situação mais difícil. A economia açoriana recuou em 2011 para os níveis de 2002, sustenta Mário Fortuna, presidente da direcção da Câmara de Comércio e Indústria dos Açores (CCIA). Em rigor, não há nada de surpreendente na actual situação, acrescenta: "A nossa realidade é muito feita à imagem do país, não é uma bolha protegida dos efeitos nacionais e internacionais. Para mais, está fortemente condicionada por um sector público que se sobrepõe em grande parte ao sector privado, muito mais do que no resto do país."
Erros regionais
O contexto "não desculpa os erros regionais", diz Mário Fortuna, que fala de "caprichos" e "luxos", investimentos vultuosos em marinas, Scut e outras obras sem "efeito multiplicativo significativo". Por onde começar para sair da crise? "É preciso reformatar muita coisa, introduzir um novo paradigma baseado no sector privado", responde o presidente da CCIA. António Marinho, vice-presidente da bancada parlamentar do PSD, vai mais longe nas críticas à governação socialista: "O Governo dizia em Outubro de 2008 que os Açores estavam a passar ao lado da crise. A partir daí foram só más notícias." O diagnóstico é implacável: a agricultura não se expande por causa das quotas leiteiras; o turismo está em queda há muito tempo; as obras públicas estão a falhar (ver texto ao lado); e o comércio está numa situação catastrófica, com evolução negativa das vendas. Falta acrescentar a situação da dívida pública, que António Marinho diz ser de 3300 milhões de euros (86% do PIB) de "responsabilidades plurianuais", em consonância com o cálculo a que chegou o Tribunal de Contas. "É uma factura para quem governar a seguir", sublinha. Para convencer os açorianos e ganhar as eleições no Outono, o PSD defende um novo modelo de desenvolvimento, baseado no conceito de "região económica", que parte da realidade de cada uma das nove ilhas e as integra num espaço conjunto, uma "verdadeira região". "A ideia é criar um mercado interno forte e, em alguns casos, potenciar a exportação", diz António Marinho. "Não passa de um slogan", comenta Sérgio Ávila, vice-presidente do Governo regional dos Açores. "O PSD-Açores não conseguiu apresentar até hoje uma única proposta concreta e consistente de alternativa de actuação."O mesmo responsável rejeita os números da dívida pública açoriana avançados pelo PSD, que apelida de "exercício criativo": "De acordo com o INE, Banco de Portugal e Eurostat, é de 690 milhões de euros. Não existe qualquer dúvida que o nível de endividamento é substancialmente inferior ao do resto do país." A capacidade do Governo para manter o nível de investimento público e reforçar o apoio às famílias e empresas açorianas é realçada pelo socialista. "Os mecanismos de apoio permitiram minimizar os efeitos desta conjuntura adversa nos Açores", acrescenta. E a criação de emprego é a prioridade das prioridades "do Governo PS na próxima legislatura", diz Sérgio Ávila. A criação de uma Agenda para a Criação de Emprego, já apresentada publicamente, será o instrumento essencial para "reforçar as políticas activas de criação de emprego, assentes no apoio às empresas para reforçar a sua competitividade e à qualificação de emprego
" (texto do jornalista do Público, Carlos Pessoa, com a devida vénia)

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