sábado, fevereiro 22, 2014

BASTIDORES DE UM CONGRESSO



Esta história dos congressos partidários nacionais, sobretudo esses, porque são maiores - e perceberão que sei do que falo - é muito simples de entender: mais do que preocupados com os militantes e com os simpatizantes, os partidos querem é ganhar em três dias de reunião, algum espaço mediático adicional na comunicação social que no caso de alguns deles, não têm. Depois, porque há que distrair o "povedo" inventam umas tantas manigâncias no local. O PSD escolheu este ano um video de propaganda sobre os 40 anos do partido (o CDS fez o mesmo a par de umas cantorias, o PS de Sócrates, em 2011, foi uma encenação de que não há memória, com jogos de luzes, contrastes cénicos, passadeiras vermelhas, etc, até parecia uma peça musical da Broadway...) - imaginem que esta corja bandalha que tomou o partido de assalto, até se atreveu a falar em Sá Carneiro que se fosse vivo já os tinha expulsado a todos por postura atentatória da ideologia e dos princípios e valores essenciais do partido e da social-democracia. Ao vídeo dos 40 anos, juntou-se uma "time table" com a história do partido desde 1969 (Sá Carneiro na ala liberal) e um jogo de perguntas e respostas. Brincadeirinhas idiotas em tempos graves e que exigem seriedade e elevação. Mas quanto mais para ali forem os delegados, quanto mais se forem distraindo com estas palermices, menos querem eles discursar e menos perigos haverá de porrada! Mas no PSD eles sabem que os eleitores não comem social-democracia nem votam em função de conceitos vagos.

A verdade é que as coisas funcionam assim. Para a organização antes do congresso começar já estão a desejar que ele acabe. Todos sabem que não será por causa aqueles 950 delegados - mesmo que eu não tenha a certeza de que todos eles o façam - que o PSD, ou qualquer outro partido na mesma posição, perderá eleições. Estamos a falar da "nomenclatura" dirigente e eleitos, pelo que os perigos da derrota não se localizam a esse nível. Obviamente que não o partido sabe que também não ganha qualquer eleição, contando apenas com aquele universo de delegados.

O Congresso do PSD que decorre este fim-de-semana em Lisboa tem 950 delegados, incluindo os eleitos das diferentes estruturas do partido, e mais de 300 jornalistas registados. Está tudo dito! O PSD faz a estatística - o mais velho com 86 anos e o mais novo com 20 anos, o que vem de mais longe é originário de Macau e não sei que outras mais tretas. Mas não diz as profissões dos delegados, nem confirma que, segundo as minhas estimativas, cerca de 85% a 90% dos delegados são dirigentes partidários a vários níveis e em diferentes organizações partidárias no universo do PSD e muitos eleitos, ou seja, uma massa militante que é obviamente mobilizável para estas reuniões. Mas como a sala (Coliseu de Lisboa) é grande há que juntar mais umas centenas de convidados e de observadores, duas figuras estatutárias que apenas servem para circularem em determinadas zonas do espaço do congresso, que não podem usar da palavra, não votam, apenas fazem número e ajudam a compor a sala para as televisões e fotógrafos dando uma imagem de pujança de um partido e de uma reunião que é o que interessa vender ao exterior via comunicação social.

Nem falo nos jogos dos barões que disputam entre si os horários das intervenções - lamentavelmente os partidos portugueses continuam de forma primária a dar importância a esta gente, quando muito deles se limitam a usar a política para mais facilmente acederem a determinados lugares apetecíveis ou a alcançarem o estatuto, financeiramente rentável mas politicamente interessante de comentadores de televisões públicas ou privadas - para que coincidam com os telejornais nas televisões. Nem falo nos truques de uma certa "casta" dirigente que encomenda de véspera, aos jornalistas, a atenção para a hora X, Y ou Z que curiosamente coincide com aquela que vão falar. Muitos deles prometem discursos inflamados, de porrada, de denúncia de não sei mais o quê. Há que vender o peixe da melhor maneira possível porque caso contrário a clientela, neste caso a comunicação social, passa sempre e nem perde tempo.

Nestes congressos, que normalmente são reuniões das "nomenclaturas" dirigentes ou eleitos mais alargadas, há sempre o "outro congresso", que se passa nos bastidores desde o primeiro dia e que se prolonga até o anúncio das listas de candidatos que devem ser divulgadas até final do segundo dia. É uma azáfama que as pessoas não imaginam, são dezenas ou centenas os que se fazem ao poleiro, os que querem ir nas listas, os que ameaçam, as estruturas partidárias que exigem, reivindicam, ameaçam e usam os seus galões, sem esquecer as pressões de "nótáveis" da treta, etc. Este ano, no caso do PSD, com um adicional: a lista para as europeias num quadro de desgaste eleitoral que se vai manter e aumentar, de redução dos deputados portugueses e de coligação, com todo o desgaste que isso causa ao partido maior, neste caso ao PSD.

As pessoas não imaginam o que se passa e do que alguns tipos são capazes para aparecerem numa lista. Mas não é só aparecer por aparecer, pelo que há que negociar o lugar na lista, sim porque isto de "encher chouriço" não é para todos. Há quem dê a cara apenas se tiver a garantia de que é eleito e que o seu nome é chamado na sessão de encerramento. Para esses, a ideia de fazer apenas número ou emprestar o seu nome, é impensável. Neste quadro, seguem-se aqueles almoços e jantares de "negociação" onde no fundo tudo acaba por ser discutido e que assumem por isso alguma relevância neste processo de escolha e de decisão complexo onde há muitos jogos e equilíbrios a ter em consideração. Ali estão sentados à mesa delegados que acabam de aplaudir freneticamente o discurso do líder, saltitam vibrantes e histéricos na sala de congresso, tentando dar nas vistas, mas que depois, durante o repasto num restaurante na vizinhança, ouvem na televisão que a austeridade vai continuar, que o governo de coligação cede qual palhaço amedrontado, ao FMI e à Comissão Europeia, que exigem mais cortes na despesa pública, no fundo mais roubos, e compreensivelmente e são os primeiros a enxovalhar o gajo que horas antes aplaudiram. A palhaçada do costume, assente neste primado muito humano, mas muito decadente: o que importa é estar lá, sobreviver, porque tal como a caravana passa e os cachorros ladram, hoje estes estão, amanhã serão outros e a quem assim se comporta, o que realmente importa é estar, ora com uns, ora ou com outros.

E nem falo dos amuos, as irritações, os abandonos extemporâneos daqueles que estavam à espera de um lugar nas listas e não foram escolhidos. E que dizer daquelas listas corporativistas, de um grupo de amigalhaços, dos copos ou antigos colegas de universidade, que elaboram listas de candidatura a alguns órgãos para que falem deles à custa de uns míseros 2 ou 3 lugares alcançados graças ao método de Hondt - que provavelmente questionam quando se trata de eleições oficiais – como se isso trouxesse felicidade a alguém ou importasse a qualquer pessoa, mesmo os que seguem com mais atenção estes fenómenos políticos mediáticos.

No final do segundo dia, com as listas entregues, as escolhas feitas e com os relógios já adiantados, há quem comece a desmobilizar e a regressar às suas terras, porque domingo é dia de família e de futebol. A organização resolve isso com o tal jogo de luzes e com a redução das cadeiras disponíveis na sessão de encerramento Não se pode dar uma imagem de cadeiras vazias porque isso dá uma ideia de fragilidade e de desmotivação e desinteresse que não é recomendável, já que colide com o que na realidade está subjacente a qualquer congresso em termos de propaganda.

No encerramento é mais do mesmo. Convidados, uma lista infindável de convidados que ali vão ajudar a compor a sala, delegações partidárias - e os jornalistas perdem muito tempo a discutir quem foi, quem não foi, por que razão a delegação do partido A, B ou V, é composta por fulano, beltrano e sicrano, etc, as histórias do costume que ajudam a conseguir, ou não, "shares" de audiência quando é sabido que a concorrência está toda a transmitir o mesmo - incluindo, no caso do PSD, a delegação do PS, com quem os social-democratas andam desesperadamente a querer negociar o pós-troika, mas que não deixaram de constituir o alvo preferencial de toda a pancadaria política ouvida nos discursos lidos no dia e meio útil de congresso. No final da reunião, o essencial para a comunicação social, depois do discurso de aclamação do líder eleito, é saber o que pensam essas delegações de partidos, as reações políticas ao que acaba de ser dito pelo líder eleito. O pano desce rapidamente, uma fila infindável de pessoas vai ao humilhante beija-mão de circunstância, a sala vai ficando vazia, os delegados, convidados e observadores que ainda restam, tratar de regressam a casa. Muitos deles já aparecem no último dia de congresso com o "trolley" de viagem. Até dali a dois anos, caso não aconteça nada de especial antes disso. Enquanto isso, os delegados das ilhas, a quem não lhes é pago nada, acabam de estar três dias numa reunião gastando em viagens aéreas, estadia e alimentação 500, 600 ou mais euros, se não mais (quando os congressos de realizam no interior do continente a despesa sobe ainda mais com aluguer de viatura, deslocações, portagens, etc). Por isso "isto" não é para todos, não pode ser para todos, porque há pessoas que não estão dispostas a gastar semelhante verba para tal fim (LFM)