"O Governo fala na hipótese de
retroatividade no esquema de cálculo das pensões para o setor público e logo
vêm críticas, bem feitas, alertar para a imoralidade e possível
inconstitucionalidade da medida. É certo que não faz sentido dar cabo de um
contrato existente, ainda que ele seja excecional à luz dos contratos
semelhantes feitos na privada; assim como é quase certo que o Tribunal
Constitucional o não deixaria passar.
Tanto
Manuela Ferreira Leite como Jorge Miranda, cada qual na sua especialidade,
deixaram isto claro.
O
presidente do BCP falou da possibilidade legal de baixar salários para
impedir mais desemprego. Logo choveram críticas sobre a proposta, porque,
de facto, num tempo em que todos os trabalhadores já sofrem aumentos brutais de
impostos e têm os seus rendimentos esmagados, é quase desumano baixarem-lhes
os rendimentos.
Tanto
Arménio Carlos, como o novo líder da UGT, Carlos Silva, deixaram isto claro.
Eu
tendo a concordar com tudo. Mas interrogo-me sobre quem defenderá os que não
têm quaisquer direitos. Ou seja, os desempregados, os que não vão ter
quaisquer pensões de reformas. Porque, não nos iludamos, este é o ponto
central.
Podemos
disfarçar e não falar do futuro. Mas se as pessoas da minha geração já não
confiam em ter mais do que uma reforma simbólica, imaginem as das gerações
seguintes. O que digo às minhas filhas? Que lhes gastámos o dinheiro todo,
porque não soubemos prescindir de absolutamente nada? E que diremos aos
desempregados e àqueles que têm empregos a ganhar salários simbólicos - 300 ou
400 euros - ou que têm de trabalhar 10 horas por dia para auferirem 700 ou 800
euros? Posso dizer-lhes que é ilegal, à luz da lei. Mas conseguirão eles
alimentar-se e viver sob um teto apenas se proclamarem que é ilegal? Posso
dizer, também às minhas filhas e à sua geração, que nenhum de nós abdica de
nada? Que lhes resta emigrar?
Eu
sei que alguns dirão: diz-lhes para lutarem por uma sociedade justa. Aos que
responderei: é disso que estou a falar. Como realizar a justiça entre os que
trabalharam e trabalham (declaração de interesses já aceitei há muito tempo
baixar o meu salário), e os que não conseguem trabalho ou não esperam
receber qualquer reforma. Porque uma sociedade tem de estar entrelaçada,
tem de haver um contrato entre gerações.
Os
direitos adquiridos não podem implicar que haja toda uma geração sem direitos.
Haverá alguém com coragem política para propor uma alteração legislativa nesse
sentido?
Ou esperam até tudo implodir?
PS:
para baixar o salário é preciso ficticiamente diminuir o horário de trabalho.
Como se sabe ninguém, na atividade que eu desenvolvo, tem um horário, o que
prova que a nossa lei se compraz com ficções para não ter de admitir a
realidade" (texto de Henrique Monteiro,
Expresso com a devida vénia)