"Os
Presidentes da Assembleia e do Governo Regionais da Madeira, principais órgãos
de governo próprio da autonomia regional, estarão hoje em Lisboa para audiências institucionais com o Presidente da República e com o
primeiro-ministro.
Numa
primeira análise, poder-se-ia interrogar sobre o envolvimento nesta deslocação
a Lisboa de Miguel Mendonça, quando é sabido que o problema existente, nas suas
várias componentes, tem a ver com as relações difíceis entre os dois governos,
regional e da República, e não com o parlamento regional.
Contudo,
e vistas as coisas com uma outra visão e amplitude, percebe-se que
provavelmente a ideia subjacente a estas audiências, tem a ver com a
necessidade de envolver o principal órgão de governo próprio, eleito directamente
pelos cidadãos e, por causa disso, primeira expressão da vontade da população
da região, perante o qual responde politicamente o executivo de João Jardim.
Acresce ainda que Miguel Mendonça já se assumiu, no passado recente, como uma "ponte" de proximidade entre Lisboa e
Funchal, ao ser recebido em Lisboa por José Sócrates, numa altura em que as
relações entre a região e o governo socialista de então, e mais concretamente
entre o primeiro-ministro e Alberto João Jardim, estavam praticamente no grau zero
ou próximo disso.
Reconhecidamente é sabido que o problema da Madeira é desde logo sobretudo
financeiro, agora também económico e social, tudo isto devido à dívida regional e ao impacto do programa de
ajustamento financeiro e de todas as medidas e decisões que a reboque dele
foram tomadas.
Mas é igualmente um problema social, expresso
principalmente nos mais de 24 mil desempregados (fonte: IEM) numa região que nunca antes se viu confrontada com tais valores que hoje
se registam e que precisa de encontrar rapidamente respostas que atenue o triste impacto desta
realidade.
É também uma questão orçamental porque
subsistem sistemáticos atrasos nas transferências de verbas com as quais o
Estado se comprometeu com a região, quer no quadro do programa de ajustamento
financeiro, quer por via de financiamentos incluídos no rectificativo do orçamento
de estado de 2012, quer nas transferências previstas pelo OE-2013, atrasos que
por vezes parecem esconder uma deliberada intenção de obstaculizar as finanças
públicas regionais numas das conjunturas mais difíceis da sua história pós-25
de Abril, senão mesmo a mais difícil de sempre no percurso autonómico iniciado
com a revolução de Abril.
É também um problema institucional, de
princípios e de lógica pragmática, dado que se prende com a destruição progressiva
do Centro Internacional de Negócios da Madeira, processo iniciado pelo anterior
governo socialista e continuado durante algum tempo pelo actual governo de
coligação, pese uma pretensa disponibilidade recentemente manifestada, para
encontrar mecanismos que, dentro do possível, evitem a morte do CINM. O
problema é que as hesitações, as desconfianças, as contradições, as mentiras,
os atrasos, etc, podem enterrar de vez o CINM. É por isso que acho um tremendo
descaramento e uma hipocrisia absolutamente abjecta vermos partidos da
oposição, atropelando-se uns aos outros, colarem oportunista e apressadamente
ao processo do CINM, fazendo-o por mera conveniência política temporal, não por
convicção, quando na realidade foram cúmplices, activos ou passivos, do tal processo
de desactivação ou mesmo destruição do CINM. Partidos que não só revelam uma
confrangedora memória curta como usam, sempre o fizeram, a demagogia, a mentira
e o embuste como instrumentos de propaganda barata, na expectativa de que
possam ser catalogados de pretensos defensores do CINM, o que obviamente
constitui uma fraude e uma falsidade facilmente demonstrável e desmontável
perante os factos e as contradições processuais ao longo dos últimos cinco ou
seis anos.
Interrogo-me mesmo, no caso das
dificuldades sentidas pelo Centro Internacional de Negócios da Madeira, se para
além da desconfiança hipócrita de uma Comissão Europeia, incompetente e desleixada,
porventura influenciada pelo fundamentalismo justicialista edificado à volta de um fantasmagórico combate europeu
aos chamados paraísos fiscais e a toda a bandalhice corrupta que neles se
desenvolve, roubando países e povos, não terá havido uma deliberada intenção de
destruir o CINM, por via da obstaculização legislativa, para que a Madeira
fosse propositadamente impedida de ter acesso a crescentes receitas fiscais
próprias, de acordo com as previsões apresentadas, que aliviariam de forma
acentuada o impacto da austeridade imposta aos madeirenses pelo programa de ajustamento
financeiro que nos foi imposto por Lisboa.
Provavelmente não será por acaso que, ao contrário
do que acontece com o empréstimo da tróica a Portugal, no caso da Madeira, se
desconheça, publicamente - posso estar a cometer uma imprecisão, mas a verdade
é que nunca vi nada publicado sobre o assunto - quer as taxas de juros
aplicadas ao empréstimo contraído pela RAM, quer o valor, só em juros, que a
Madeira terá que pagar ao Ministério das Finanças, bem como o calendário com os
respectivos prazos, das maturidade e valores. É um facto que se conhecem todos
estes pormenores sobre o empréstimo de 78 mil milhões, que entretanto passaram
para 81 mil milhões de euros, mas sobre a operação financeira envolvendo a
Madeira nada tenha sido dito por Gaspar o que em nome da verdade, da transparência
e do direito aos cidadãos aa informação, devia ter sido feito em devido tempo.
O que se passa com o CINM, especificamente a
perspectiva de uma deliberada destruição das suas potencialidades - a saída de
milhares de empresas constitui a prova dessa postura bandalha e criminosa do
poder político lisboeta - faz-me lembrar a decisão tomada pelo regime fascista
de Salazar que resolveu penalizar a Madeira e os madeirenses, durante muitas
décadas, com uma espécie "imposto anti-revolta", por conta dos alegados custos militares de
Lisboa no combate aos revoltosos e demais prejuízos causados ao Estado por
ocasião da revolta de Abril de 1931. Ontem como hoje parece-me existir o
propósito deliberado de nos manter com a rédea curta, dependentes,
financeiramente esmagados e penalizados.
Qual o resultado concreto que se poderá esperar
destes encontros em Lisboa? Parece-me óbvio, até pelo percurso
iniciado mesmo antes das eleições regionais de Outubro de 2011, onde o actual
poder político em Lisboa traçou cenários e fez as suas apostas, que nada
indicia a possibilidade de qualquer sucesso nesta demanda regional na antiga
capital do império derrubado, mesmo que se possa realçar e admitir ter tido o
Presidente da República algum intervencionismo decisivo na viabilização destes
encontros, sobretudo ao mais alto nível com o governo claramente fragilizado e
muito dependente de Cavaco Silva. O problema é de raiz, de concepção do modelo
do estado, de visão do modelo de sociedade, de partilha do poder no quadro
desse modelo conservador de estado ultra neoliberal e hipercentralizado.
Estamos a falar de um conflito ideológico, de visões divergentes da autonomia,
da sua dimensão, das suas competências, do relacionamento entre estado e as regiões,
da própria regionalização do território continental nacional, do modelo de descentralização
do estado.
O
caso da Lei de Finanças regionais, e de tudo o que ela significará a partir de
2014 de maior penalização financeira da Madeira, o vergonhoso processo movido
pelo PSD aos quatro deputados madeirenses pelo facto de não terem votado a
favor da referida lei, atitude que era a única que deles se esperaria, a
marginalização perceptível em várias ocasiões dos 4 deputados regionais
social-democratas, o enxovalho insultuoso em reuniões mantidas no ministério
das finanças, que contrastam com a abertura de outros ministros que depois esbarram
no desprezível Gaspar e nas suas teorias falhadas de austeridade versus divida
e desenvolvimento económico, os atrasos nas transferências devidas à Madeira,
declaradamente para nos criar dificuldades, o tratamento desigual dado à que contrasta
com as negociações do Estado com a tróica para a flexibilização do défice e
para a alteração dos prazos das maturidades de Portugal, dilatando no tempo as
responsabilidades financeiras do país, etc, são exemplos, apenas alguns, de uma
má vontade que, estou em crer, embora seja nestes casos, e por precaução, um
pessimista assumido, vão persistir e pouco ou nada resolverão nestes encontros
em Lisboa, um dos quais – com Cavaco Silva – será meramente emblemático e
informativo, dado que de lá não sairão decisões concretas.
Aguardemos" (LFM-JM)