quarta-feira, maio 29, 2013

Opinião: "Para quê?"

"Os Presidentes da Assembleia e do Governo Regionais da Madeira, principais órgãos de governo próprio da autonomia regional, estarão hoje em Lisboa para audiências institucionais com o Presidente da República e com o primeiro-ministro.
Numa primeira análise, poder-se-ia interrogar sobre o envolvimento nesta deslocação a Lisboa de Miguel Mendonça, quando é sabido que o problema existente, nas suas várias componentes, tem a ver com as relações difíceis entre os dois governos, regional e da República, e não com o parlamento regional.
Contudo, e vistas as coisas com uma outra visão e amplitude, percebe-se que provavelmente a ideia subjacente a estas audiências, tem a ver com a necessidade de envolver o principal órgão de governo próprio, eleito directamente pelos cidadãos e, por causa disso, primeira expressão da vontade da população da região, perante o qual responde politicamente o executivo de João Jardim. Acresce ainda que Miguel Mendonça já se assumiu, no passado recente, como uma "ponte" de proximidade entre Lisboa e Funchal, ao ser recebido em Lisboa por José Sócrates, numa altura em que as relações entre a região e o governo socialista de então, e mais concretamente entre o primeiro-ministro e Alberto João Jardim, estavam praticamente no grau zero ou próximo disso.
Reconhecidamente é sabido que o problema da Madeira é desde logo sobretudo financeiro, agora também económico e social, tudo isto devido à dívida regional e ao impacto do programa de ajustamento financeiro e de todas as medidas e decisões que a reboque dele foram tomadas. Mas é igualmente um problema social, expresso principalmente nos mais de 24 mil desempregados (fonte: IEM) numa região que nunca antes se viu confrontada com tais valores que hoje se registam e que precisa de encontrar rapidamente respostas que atenue o triste impacto desta realidade.
É também uma questão orçamental porque subsistem sistemáticos atrasos nas transferências de verbas com as quais o Estado se comprometeu com a região, quer no quadro do programa de ajustamento financeiro, quer por via de financiamentos incluídos no rectificativo do orçamento de estado de 2012, quer nas transferências previstas pelo OE-2013, atrasos que por vezes parecem esconder uma deliberada intenção de obstaculizar as finanças públicas regionais numas das conjunturas mais difíceis da sua história pós-25 de Abril, senão mesmo a mais difícil de sempre no percurso autonómico iniciado com a revolução de Abril.
É também um problema institucional, de princípios e de lógica pragmática, dado que se prende com a destruição progressiva do Centro Internacional de Negócios da Madeira, processo iniciado pelo anterior governo socialista e continuado durante algum tempo pelo actual governo de coligação, pese uma pretensa disponibilidade recentemente manifestada, para encontrar mecanismos que, dentro do possível, evitem a morte do CINM. O problema é que as hesitações, as desconfianças, as contradições, as mentiras, os atrasos, etc, podem enterrar de vez o CINM. É por isso que acho um tremendo descaramento e uma hipocrisia absolutamente abjecta vermos partidos da oposição, atropelando-se uns aos outros, colarem oportunista e apressadamente ao processo do CINM, fazendo-o por mera conveniência política temporal, não por convicção, quando na realidade foram cúmplices, activos ou passivos, do tal processo de desactivação ou mesmo destruição do CINM. Partidos que não só revelam uma confrangedora memória curta como usam, sempre o fizeram, a demagogia, a mentira e o embuste como instrumentos de propaganda barata, na expectativa de que possam ser catalogados de pretensos defensores do CINM, o que obviamente constitui uma fraude e uma falsidade facilmente demonstrável e desmontável perante os factos e as contradições processuais ao longo dos últimos cinco ou seis anos.
Interrogo-me mesmo, no caso das dificuldades sentidas pelo Centro Internacional de Negócios da Madeira, se para além da desconfiança hipócrita de uma Comissão Europeia, incompetente e desleixada, porventura influenciada pelo fundamentalismo justicialista edificado à volta de um fantasmagórico combate europeu aos chamados paraísos fiscais e a toda a bandalhice corrupta que neles se desenvolve, roubando países e povos, não terá havido uma deliberada intenção de destruir o CINM, por via da obstaculização legislativa, para que a Madeira fosse propositadamente impedida de ter acesso a crescentes receitas fiscais próprias, de acordo com as previsões apresentadas, que aliviariam de forma acentuada o impacto da austeridade imposta aos madeirenses pelo programa de ajustamento financeiro que nos foi imposto por Lisboa.
Provavelmente não será por acaso que, ao contrário do que acontece com o empréstimo da tróica a Portugal, no caso da Madeira, se desconheça, publicamente - posso estar a cometer uma imprecisão, mas a verdade é que nunca vi nada publicado sobre o assunto - quer as taxas de juros aplicadas ao empréstimo contraído pela RAM, quer o valor, só em juros, que a Madeira terá que pagar ao Ministério das Finanças, bem como o calendário com os respectivos prazos, das maturidade e valores. É um facto que se conhecem todos estes pormenores sobre o empréstimo de 78 mil milhões, que entretanto passaram para 81 mil milhões de euros, mas sobre a operação financeira envolvendo a Madeira nada tenha sido dito por Gaspar o que em nome da verdade, da transparência e do direito aos cidadãos aa informação, devia ter sido feito em devido tempo.
O que se passa com o CINM, especificamente a perspectiva de uma deliberada destruição das suas potencialidades - a saída de milhares de empresas constitui a prova dessa postura bandalha e criminosa do poder político lisboeta - faz-me lembrar a decisão tomada pelo regime fascista de Salazar que resolveu penalizar a Madeira e os madeirenses, durante muitas décadas, com uma espécie "imposto anti-revolta", por conta dos alegados custos militares de Lisboa no combate aos revoltosos e demais prejuízos causados ao Estado por ocasião da revolta de Abril de 1931. Ontem como hoje parece-me existir o propósito deliberado de nos manter com a rédea curta, dependentes, financeiramente esmagados e penalizados.
Qual o resultado concreto que se poderá esperar destes encontros em Lisboa? Parece-me óbvio, até pelo percurso iniciado mesmo antes das eleições regionais de Outubro de 2011, onde o actual poder político em Lisboa traçou cenários e fez as suas apostas, que nada indicia a possibilidade de qualquer sucesso nesta demanda regional na antiga capital do império derrubado, mesmo que se possa realçar e admitir ter tido o Presidente da República algum intervencionismo decisivo na viabilização destes encontros, sobretudo ao mais alto nível com o governo claramente fragilizado e muito dependente de Cavaco Silva. O problema é de raiz, de concepção do modelo do estado, de visão do modelo de sociedade, de partilha do poder no quadro desse modelo conservador de estado ultra neoliberal e hipercentralizado. Estamos a falar de um conflito ideológico, de visões divergentes da autonomia, da sua dimensão, das suas competências, do relacionamento entre estado e as regiões, da própria regionalização do território continental nacional, do modelo de descentralização do estado.
O caso da Lei de Finanças regionais, e de tudo o que ela significará a partir de 2014 de maior penalização financeira da Madeira, o vergonhoso processo movido pelo PSD aos quatro deputados madeirenses pelo facto de não terem votado a favor da referida lei, atitude que era a única que deles se esperaria, a marginalização perceptível em várias ocasiões dos 4 deputados regionais social-democratas, o enxovalho insultuoso em reuniões mantidas no ministério das finanças, que contrastam com a abertura de outros ministros que depois esbarram no desprezível Gaspar e nas suas teorias falhadas de austeridade versus divida e desenvolvimento económico, os atrasos nas transferências devidas à Madeira, declaradamente para nos criar dificuldades, o tratamento desigual dado à que contrasta com as negociações do Estado com a tróica para a flexibilização do défice e para a alteração dos prazos das maturidades de Portugal, dilatando no tempo as responsabilidades financeiras do país, etc, são exemplos, apenas alguns, de uma má vontade que, estou em crer, embora seja nestes casos, e por precaução, um pessimista assumido, vão persistir e pouco ou nada resolverão nestes encontros em Lisboa, um dos quais – com Cavaco Silva – será meramente emblemático e informativo, dado que de lá não sairão decisões concretas.
Aguardemos" (LFM-JM)