segunda-feira, novembro 23, 2009

Opinião: "Vem aí o Freeport 2"

"O caso ‘Face Oculta’ nasce quando o Freeport ameaça chegar ao fim. Apesar do caso mais recente ser o mais tentador, vale a pena perder uns minutos a recordar o que se disse e supôs no caso que mais animou 2009. E que vai acabar... em nada. Passaram apenas duas semanas e o processo ‘Face Oculta’, que tão bem arrancou, já está metido na habitual confusão em que a justiça e a investigação criminal gostam de se atolar. Desta vez o espectáculo foi abrilhantado pelo procurador-geral e pelo presidente do Supremo, num exercício que conseguiu aproximar o Direito do Tarot da Maya, embora os astros acertem mais vezes que o nosso Código Penal.A coisa começa sempre da mesma maneira: um caso fantástico, investigado com microfones da Mossad, suspeitos de primeira ordem e leis penais blindadas. Depois, o tempo passa e a realidade cai sobre as nossas cabeças: afinal, não havia microfones na dourada escalada, as leis penais só baralharam, o caso inicial deu origem a certidões sem fim, os processos desdobraram-se, enredaram-se e atrasaram-se. No meio disto sobram as convicções e as suspeitas. Este é o principal problema. Para o melhor e para o pior, os portugueses acham que Armando Vara recebeu dez mil euros do Rei da Sucata. É isso que está escrito no despacho que sustentou as buscas e que os órgãos de comunicação social citaram.
Mas ontem já começaram a surgir as eventuais fragilidades da investigação. Afinal, poderá não existir nenhuma escuta onde Vara pede dinheiro a Godinho. E a releitura do despacho mostra que os investigadores deduzem que houve essa entrega de dinheiro. Mas a convicção dos investigadores pode não estar bem fundamentada! Nas escutas de Vara e do primeiro-ministro também começámos com um pomposo “atentado ao estado de Direito”. Mas podemos acabar com coisa nenhuma. Ou seja, ficamos com suspeitas e não temos o direito à mais elementar das verdades. Meu Deus, vem aí o Freeport 2!
Pelos vistos, a nossa Justiça não aprendeu nada com o Freeport. O caso acabou de ser arquivado em Inglaterra. Em Portugal, aposto, vamos ter uma acusação aos intermediários, com queixas sobre a extraordinária complexidade dos crimes e a falta de cooperação dos ingleses. Vamos ter mais um caso de corrupção sem corrompidos, uma especialidade portuguesa. Lembram-se do primeiro primo do Freeport? E do segundo? Isso já não interessa nada. Da primeira carta anónima? E da segunda? Não interessam grande coisa. Serviram para manter o caso no ar, para nos confundir e criar convicções. Com o tempo, ficamos sem perceber quem é culpado ou inocente, quem é corrupto ou sério, quem tentou condicionar a Justiça e quem é que a Justiça queimou na sua fogueira. Vivemos numa enorme confusão em 2009. Assim viveremos em 2010. E por aí adiante
" (por Ricardo Costa, jornalista, no Expresso)

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