quinta-feira, maio 28, 2009

O episódio do requerimento

Os trabalhos parlamentares registaram hoje mais um episódio envolvendo o deputado do PND, Baltazar Aguiar, e, de novo assentando a sua intervenção ou em suposições, ou em factos mal contados que revelam desconhecimento, que lhe explicaram mal o que estava em causa, o que me parece provável, ou, o que seria grave embora não surpreendente, na manipulação dos factos, embora não queira acreditar que estejamos perante a banalização desta postura. Vamos aos factos, à verdade, até para que as pessoas que realmente visitam este blogue (e insisto na palavra realmente…), fiquem devidamente esclarecidas. No dia 14 de Maio foi entregue na Mesa em papel branco (e já vão perceber porquê…), sem qualquer identificação partidária (logotipo ou timbres), um requerimento para a constituição de uma comissão de inquérito parlamentar ao projecto da Quinta do Lorde.O ofício em questão era subscrito por João Carlos Gouveia, tendo-lhe sido atribuído um número de saída que presumo seja da responsabilidade do PS (o ofício é público e esta descrição pode ser confirmada). Depois de alguns dias de hesitação – e vamos constatar os motivos – a Presidência da Assembleia, no passado dia 25 de Maio, entendeu devolver ao deputado João Carlos Gouveia, “como primeiro subscritor do documento, um requerimento de constituição de uma Comissão de Inquérito – cuja aceitação nos termos regimentais não se questiona – solicitando apenas que os subscritores sejam devidamente identificados, para que a admissibilidade texto em anexo não seja questionada. Solicita-se que o mesmo, logo que seja preenchido este requisito, seja reenviado à Mesa para que esta dê execução aos procedimentos regimentais previstos”. Como é possível que, perante o teor do ofício, alguyém possa acusar, em plenário, a Mesa de ter “recusado” a aceitação do mesmo?
Mas afinal estamos a falar de quê?
De uma iniciativa regimental que nem sequer precisa de ir a plenário, porque a sua execução é imediata. O que o deputado Baltazar Aguiar hoje fez foi confundir tudo. Uma coisa são requerimentos entregues na Mesa, fora do funcionamento dos plenários, e todos eles com identificação partidária própria, quer na numeração de saída, quer na respectiva assinatura, quer no uso de papel timbrado identificando a autoria partidária do documento. Outra coisa são os requerimentos entregues em plenário, durante os trabalhos do plenário. Aliás, bastaria ler o artigo artigo 89º do Regimento (Requerimentos):
“1 - São considerados requerimentos apenas os pedidos dirigidos à Mesa respeitantes ao processo de apresentação, discussão e votação de qualquer assunto ou ao funcionamento de reunião.
2 - Os requerimentos podem ser formulados por escrito ou oralmente.
3 - Os requerimentos escritos são imediatamente anunciados pela Mesa e distribuídos a todos os grupos e representações parlamentares.
4 - Os requerimentos orais, assim como a leitura dos requerimentos escritos, se pedida, não podem exceder dois minutos.
5 - Admitidos os requerimentos, nos termos da alínea c) do artigo 20º, serão imediatamente votados sem discussão.
6 - A votação dos requerimentos é feita pela ordem da sua apresentação
(…)”.
Ou seja, os requerimentos entregues em plenário, são-no directamente na Mesa, pelo respectivo autor e subscritor, não sendo necessários mais procedimentos. A temática sobre Comissões de Inquérito – é disso que estamos a falar, não de requerimentos que até podem ser feitos em plenário oralmente! – é uma matéria totalmente diferente e que tem uma secção a ela dedicada:
"SECÇÃO VII
Inquéritos
Artigo 215º
Objecto
1 - Os inquéritos da Assembleia Legislativa têm por objecto o cumprimento da Constituição, do Estatuto da Região e das leis e a apreciação dos actos do Governo Regional e da administração pública regional autónoma.
2 - Qualquer requerimento ou proposta tendente à realização de um inquérito deve indicar os seus fundamentos e delimitar o seu âmbito, sob pena de rejeição liminar pelo Presidente da Assembleia Legislativa.
Artigo 216º
Iniciativa
1 - A iniciativa de inquéritos compete:
a) A um quinto dos deputados em efectividade de funções;
b) Aos grupos parlamentares;
c) Às comissões especializadas da Assembleia Legislativa;
d) Ao Presidente do Governo.
2 - As comissões parlamentares de inquérito têm os poderes previstos na legislação aplicável e são obrigatoriamente constituídas sempre que tal seja requerido por um quinto dos deputados em efectividade de funções, até ao limite de uma por deputado e por sessão legislativa.
3 - As comissões parlamentares têm a composição e obedecem às mesmas regras de funcionamento das demais comissões.
(…)
Artigo 217º
Apreciação
(…)
Artigo 218º
Deliberação
(…)
Artigo 220º
Relatório da comissão
(…)
Artigo 221º
Apreciação do relatório”.
Recomendo por isso a leitura do nº 2 do artigo 216, para que as pessoas percebam o quão absurda é a acusação de que o Presidente ou a Mesa ou seja lá quem for, recusaram a admissão do requerimento, como hoje insinuou Baltazar Aguiar, inadequadamente. Aliás, desconfio que o deputado do PND, ou pretendia “picar” Jaime Ramos que acabara de entregar, ele próprio, um requerimento na Mesa, nos termos regimentais, ou então, o que seria grave, começa a misturar questões ou divergências pessoais com procedimentos políticos e comportamento parlamentar. Mas, a ser assim – não sei se é – o assunto transcende-me. Estamos a falar de um requerimento para a constituição de uma comissão de inquérito, processo que é imediato, feito em papel branco, não timbrado, e subscrito por 10 ou 11 deputados – é esse número de assinaturas e/ou rubricas ou rabiscos que constam do documento. Para que a oposição obrigue a maioria a confrontar-se com uma comissão de inquérito sem ter que votar requerimentos em plenário, isso implica a congregação de esforços de 1/5 dos deputados, ou seja de 9,4 deputados (10 assinaturas). O PS com 7 deputados não tem o número suficiente de deputados, pelo que necessitou de recorrer ao PCP (2 deputados), Bloco de Esquerda (1) e PND (1 deputado), já que nos parece que nem CDS/PP, nem MP-Partido da Terra subscrevem o documento.
A devolução do requerimento decidida, na minha opinião muito bem pelo Presidente, visou apenas a salvaguarda da lisura de procedimentos para que não fosse depois, e com toda a legitimidade, a maioria social-democrata a questionar a admissão do requerimento e a identificação dos subscritores. Aliás, basta ver as duas últimas folhas do requerimento (diz o povo que uma imagem vale mais que mil, palavras…).
Finalmente uma nota só para agitar: sabendo-se que as comissões de inquérito “têm a composição e obedecem às mesmas regras de funcionamento das demais comissões” (9 deputados, sendo 7 do PSD, 1 do PS e 1 dos demais partidos da oposição), pensava eu que o busílis da questão, tês momento, nem fosse um procedimento inquestionável por parte do Presidente da Assembleia, mas fosse antes saber como será resolvida a atribuição do último lugar disponível e que não é directamente atribuído a nenhum partido. Pelos vistos não. Mas sem que isso seja resolvido, não haverá Comissão de Inquérito devidamente instalada, ou será que não é assim?

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