Esta semana foi
algo deprimente porque ficamos todos a perceber, mais ou menos, que a crise que
ameaça o futuro do grupo de comunicação social português Global Média, é mais
profunda, difícil e complexa do que parece, e poderá ter as suas raízes numa
conjugação de protagonistas, factos, realidades erradamente escamoteadas, e
decisões desajustadas, durante algum tempo desvalorizadas, mas que acabaram por
conduzir o grupo a uma situação que precisa de ser resolvida. Neste momento o
problema parece ser simples: ou a necessidade de tomar medidas, porque a crise
no sector da comunicação social, que não é nova, é hoje uma realidade
incontornável ou, lamentavelmente, podemos ter um desfecho ainda pior do que
aquele que alguns vaticinavam, dada a ramificação deste grupo privado presente,
paradoxalmente, em meios de comunicação social que durante anos, antes da
privatização, estavam na órbita do sector empresarial do Estado, casos da
Lusa, DN e JN.
Aliás, suspeito que foi esse antecedente, independentemente da gravidade e da desumanidade subjacente ao caso e à crise, que garantiu a polémica, o espaço mediático e a atenção política em torno desta instabilidade na GM.
Confesso que
tenho seguido, pesarosamente, a evolução diária do assunto, inquestionavelmente
solidário com os trabalhadores do grupo, cerca de 500 pessoas, a braços com os
salários dramaticamente em atraso. Mas não percebo qual a saída, fazendo fé na
situação da empresa, nem como pode o Estado intervir, possibilidade que nestes
dias foi aventada. Julgo que a política europeia - não tenho a certeza, dada a
existência de excepções ou de situações que podem ser implementadas com um
prazo de validade previamente estabelecido - não facilita esse apoio estatal,
mas entre salvar bancos falidos por corruptos, mentiras, aldrabices,
oportunismos, enganos de clientes, bandidos à solta e roubalheira generalizada
e garantir a sobrevivência de um dos pilares da democracia e da liberdade - uma
comunicação social livre de condicionalismos políticos, empresariais,
económicos, financeiros ou outros - não há dúvidas quanto ao que escolher.
Isto, obviamente, recusando que qualquer decisão a tomar, no caso da GM, possa
premiar o infractor, nomeadamente beneficiar casos de gestão bandalhamente
danosa, o legado de alguns vaidosos incompetentes promovidos a lugares chave no
processo de decisão da empresas, e para os quais não estavam preparados nem
habilitados, ou a caganças que se apoderam de algumas mentes menos preparadas,
quando promovidas a patamares que nunca foram os seus, onde nunca estiveram e
aos quais nunca sonharam ascender. Veremos o que a evolução desta trapalhada,
triste e lamentável, nos reserva, na certeza de que a decisão para uma solução
duradoira passível de resolver o impasse, provavelmente não se compadecerá com
a manutenção de situações que podem estar desajustadas da realidade, por muito
que isso custe reconhecer e aceitar. Recordo, a propósito - até porque deles
ninguém falou tanto como agora, nem o assunto mereceu a atenção mediática agora
associada à GM - outros casos recentes de despedimento colectivo no sector, um dos
quais (porque houve outros) no histórico jornal desportivo A Bola, adquirido
por investidores estrangeiros para os quais a história e outras conversas
interessam pouco ou quase nada, sendo o lucro a prioridade maior. Aliás, a
Global Média foi adquirida por um estranho fundo abutre, mais um, daqueles que
se aproveitam de fragilidade de terceiros, reunindo à sua volta investidores
fantasmas sedentos de lucro fácil, nem que seja à custa da desgraça alheia.
O que me
intriga, nesta misteriosa teia de contradições, de meias-verdades e de
eventuais omissões por conveniência, em torno da situação do grupo Global Média
- e ninguém obriga por decreto as pessoas a comprarem jornais ou a ouvirem
rádios... - é que ninguém ainda explicou porque motivo, apesar do estado
alegadamente "desgraçado" e pretensamente de quase falência do grupo
GM, mesmo assim ainda apareceram investidores apostados na sua compra!
Mistério, mais um...
Pelos vistos,
face a notícias entretanto publicadas, tudo indica que o grupo GM, pela posição
acionista que lá possui, poderá vir a enfrentar problemas também na Lusa, que
temo possa vir a ser o próximo meio de informação a passar por dificuldades,
com consequências ainda piores do que aquelas que afectam os meios de
informação da Global Media.
O problema da
sustentabilidade da comunicação social tem-se agravado há mais de 10 anos, sem
que essas ameaças tenham sido devidamente tidas em consideração e adequadamente
valorizadas. Sei do que falo porque no passado profissional pessoal pelo menos
em dois meios de comunicação social - quando apenas estava no jornalismo activo
- passei por situações de salários em atraso e, no caso de um deles, tive de
ir, com alguma imaginação e total discrição, à procura de soluções que admito
hoje seriam substancialmente impraticáveis. E falamos, na altura, de
um pequeno grupo de profissionais afectados.
O problema da
imprensa, por exemplo, não reside apenas nos "roubos" de edições
nalguns sites, nem sequer na sua partilha em números que julgo insignificantes.
Sem certeza e segurança no que afirmo, correndo por isso o risco de ser
surpreendido com outros cenários. Salvo raras excepções, parece-me que todas as
tiragens têm vindo a sofrer quedas significativas (a pandemia provocou uma
grande machadada e a sobrevivência de muitos meios de informação foi um
autêntico milagre), mas é facto que esse sinal, em muitos casos, não foi
devidamente valorizado, enfrentado em termos de procura de alternativas ou
respostas adequadas, enfim, olhado da forma que devia ser.
Falta de investimentos e desvalorização sistemática e continuada
Tenho para mim que o problema reside na falta de investimento nos meios de comunicação, nos despedimentos indiscriminados e assinaláveis, nas mudanças na gestão dos recursos humanos afectos ao sector, na falta de jornalistas nas redacções, na pressão temporal que condiciona o exercício cuidado da prática jornalística e na relação dos jornalistas com fontes de informação credíveis - canal este que nem sempre funciona com a celeridade que alguns pretendem - na falta de imaginação dos jornais em cativarem o público comprador, na guerra aberta entre o jornalismo especulativo e dito populista, muitas vezes desregulado e refém do primado das redes sociais, em que a publicação da notícia muitas vezes não assenta no rigor desejado e na contenção que, caso a caso, deve ser ou não observada, em respeito pelas pessoas e mesmo pelas instituições, no combate, devidamente balizado, que a comunicação social tem e deve fazer às redes sociais desreguladas, onde vale tudo, desde a especulação ao ataque pessoal indiscriminado. Mas é isso que infelizmente interessa ao mercado consumidor - será mesmo? - não a informação séria, mas a intriga, a fofoca, repito, o ataque pessoal, o enxovalhar de pessoas, etc.
Sem recursos
financeiros, sem publicidade, sem vendas, sem receitas, sem apoios que não
impliquem ingerência, submissão e manipulação da informação, os meios de
comunicação social entraram, provavelmente há mais de 10 anos, numa
espiral de queda, disfarçada aqui ou acolá, mas incapaz de ser travada, face à
ausência de medidas concretas, e de assegurar um futuro com tranquilidade e
qualidade.
Hoje a situação
não sendo irreversível, começa a roçar a ameaça e tende a generalizar-se,
embora de forma não tão acentuada como aconteceu com o jornal A Bola ou agora
com os títulos da Global Média. Outras situações houve, incluindo na
televisão, de dispensa de recursos humanos.
A coragem ou a
falta dela
Ou seja, o
problema - no fundo tal como se passa com o financiamento dos partidos - tem a
ver com a coragem, ou a falta dela, de assumirmos, sem hesitações e sem
complexos, de que lado estamos da barricada: se entrarmos pelo discurso
populista e idiota de agradar as tais "massas", então teremos mais
meios de comunicação social a falir e os partidos políticos cada vez mais
ausentes das ruas e do contacto com as pessoas, porque uns e outros não têm
condições financeiras para terem comportamentos diferenciados.
Enquanto esse
debate, inevitável, descomplexado e corajoso não for feito, enquanto não
percebermos que, de uma forma ou outra, partidos e meios e comunicação social
são, bem ou mal, com os seus defeitos e virtudes, dois dos pilares
de qualquer sistema político livre e democrático, teremos dramas como estes, e
como não se perspectivam soluções avulso que garantam a eficácia das medidas
lançadas para debate, a tendência será para uma degradação paulatina da
realidade.
Lembro-me...
Lembro-me do
meu tempo em que o fecho de uma edição estava sempre condicionado, no caso do
redactor de última hora (ou de fecho), à chegada tardia de participações de
funerais ou outros anúncios que eram entregues tardiamente nas redacções, sem
os condicionalismos horários e processuais que hoje vigoram. E para que essa
publicidade tardia, que significava receita, fosse publicada, as notícias
"menos importantes" eram sacrificadas. O problema residia na nossa
escolha, no que era sacrificado em detrimento da publicidade.
Finalmente,
nunca nos esqueçamos, e repetidamente chamava a atenção para isso, porque acho
que muita gente acha que se trata de um tema pouco importante: os jornais
vendidos na manhã de cada dias, publicam as notícias da véspera! Notícias que
os potenciais compradores de jornais actualizam - quer quando, ainda em casa ou
nos automóveis a caminho dos empregos, acedem a outros meios de comunicação
social, logo pela manhã, ou consultam alguns sites na internet. Porque o lixo
das redes sociais não se pode generalizar. Há sites informativos consultáveis
que fazem um grande esforço em nome da credibilidade, mas que são uma ínfima
minoria, reconheço.
Ainda ontem
ouvi dois experimentados e conhecidos jornalistas conhecidos falar abertamente
do tema. Uma, do DN de Lisboa, Valentina Marcelino, temendo que a receptividade
às propostas de rescisão da Global Média possa depender, em termos de
capacidade de resistência e de recusa da sua aceitação, da decisão de cada um
dos trabalhadores afectados em continuarem reféns de um ambiente de tensão e de
incerteza permanente, numa empresa aparentemente em dificuldades financeiras
graves que ameaçam transportá-la para as margens da insolvência.
O outro, David
Borges, na SIC, reconhecendo que a realidade do jornalismo tem também muita
culpa, do próprio jornalismo, das regras que deixaram de ser observadas, do
rigor condicionado pela pressa, da valorização temerosa da concorrência
desregulada das redes sociais, do primado do jornalismo especulativo
supostamente mais vendável nas bancas ou nas audiências, etc. O problema é que,
tendo ambos razão, o que hoje se exige são soluções que travem a perspectivas
de um desfecho dramático em vários níveis. Na certeza de que nada vai continuar
como antes e que muita gente terá de mudar muita coisa, para que isto não se
repita a curto prazo, quiçá então de forma irreversível. Pensemos nisso. Tal
como espero que o Estado passe a dar mais atenção à urgência de legislar e de
controlar, com rigor, os grupos privados investidores na comunicação social -
obviamente sem generalizar - que pensam apenas no lucro e no património dos
visados e em nada mais.
Mas esta é apenas
a minha opinião que, por isso mesmo, vale o que vale e importa pouco ou quase
nada, neste contexto de incerteza e contradições e pouca transparência. Entendamo-la
como um desabafo pessoal pela tristeza perante tudo o que se está a passar
(LFM)
Nota: e deliberadamente nem puxei para a discussão a ameaça que a Inteligência Artificial representa para este e outros sectores de actividade, a par de eventuais vantagens e benefícios que ainda não descortinei devidamente, "mea culpa". Deixo isso aos especialistas na matéria...
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