quarta-feira, janeiro 10, 2024

Guilherme Silva: “Espero que seja o partido mais votado a assumir a liderança do governo

Guilherme Silva, ex-vice-presidente da Assembleia da República e antigo dirigente social-democrata, acredita que  o eleitorado já fez as pazes com o PSD,  mas não esconde o receio de um período  de instabilidade a seguir às legislativas antecipadas. Acredita que será mais fácil vencer as eleições com Pedro Nuno Santos na liderança do PS e aconselha Montenegro a divulgar alguns nomes  de futuros ministros. Não imagina André Ventura no governo, mas defende que “o voto dos eleitores do Chega tem o mesmo valor que o voto dos eleitores de outras forças políticas”

O Conselho Nacional do PSD aprovou esta quinta-feira, por unanimidade, a coligação com o CDS-PP e o PPM. Esta aliança poderá ter vantagens para o PSD?

Sou favorável a esta coligação. Entendo, desde o início, que o líder do PSD precisa de mobilizar o eleitorado do PSD, mas também de conquistar os eleitores da direita democrática em toda a sua extensão. Só desta forma é possível preparar uma alternativa à governação de esquerda, desde a geringonça até à maioria absoluta. Sou um apoiante, desde sempre, de uma solução abrangente com todos os partidos da direita democrática e todos os movimentos da sociedade civil que se identifiquem com esta área política. Poderia haver mais partidos a integrá-la, mas não é por isso que não ganhará a força e a dinâmica que são necessárias para vencer as eleições.

Está a falar da Iniciativa Liberal…

Exatamente. Mas com certeza que se associará a este projeto a seguir às eleições, é essa a posição do partido e temos de a respeitar.

Revê-se na posição assumida pelo presidente do PSD de excluir acordos com o Chega a seguir às eleições?

Compreendo que o momento pré-eleitoral precisava de uma clareza no sentido de passar aos eleitores a noção de que a alternativa aos governos de esquerda exige uma concentração de votos no PSD ou na coligação. Esta posição poderá reforçar a votação na coligação e isso é fundamental, porque o PSD só poderá liderar um governo se esta coligação for a mais votada. Fomos críticos da geringonça, porque António Costa queria ser primeiro-ministro a qualquer preço, e é preciso respeitar o eleitorado. Há um desrespeito pelo eleitorado quando o partido mais votado não integra o governo.

Mas as sondagens apontam para que nenhum partido consiga a maioria absoluta. Tanto o PSD, como o PS, precisarão de ter apoios de outras forças políticas. Existe o risco de uma situação de ingovernabilidade?

Não é impossível que esta coligação consiga uma maioria absoluta, mas é difícil, e existe o risco de instabilidade. Mas é preciso não esquecer que, apesar de tudo, foi possível, no passado, conseguir estabilidade com governos minoritários. O que significa que, respeitando o resultado das eleições, poderíamos retomar essa solução política que funcionou. Há também uma experiência recente de uma maioria absoluta e essa maioria absoluta não foi suficiente para governar com estabilidade. Assistimos a dois anos de instabilidade total. Não vale a pena camuflar as coisas, porque a verdadeira razão da demissão do primeiro-ministro foi a consciência da ingovernabilidade em que ele tinha colocado o país. É evidente que a questão do dinheiro apreendido na residência oficial do primeiro-ministro levaria à demissão, mas a realidade mais profunda apontava para uma situação de ingovernabilidade que, apesar da maioria absoluta, o Partido Socialista e António Costa tinham criado ao país.

Era expectável que o PSD estivesse mais bem posicionado nas sondagens tendo em conta a instabilidade criada pelo governo socialista e a forma como António Costa se demitiu?

As sondagens mostram que há muitos indecisos. Estes últimos oito anos da política portuguesa geraram uma grande desconfiança nos portugueses e essa desconfiança reflete-se no momento do voto. Há muitos portugueses que estão zangados com os políticos. Estão saturados, cansados e desmotivados.  Há muitos portugueses que só vão decidir num momento mais próximo das eleições e, portanto, os partidos devem ter a capacidade de não se deixar influenciar pelas sondagens, sejam otimistas ou menos favoráveis.

A campanha eleitoral poderá ser decisiva?

Vai ser decisiva. Há muitos eleitores que ainda não decidiram.

Voltando à questão das alianças, a seguir às eleições, se a nova AD vencer as eleições, mas ficar dependente do Chega, deve conversar com André Ventura?

É uma questão difícil, mas isso também resulta da própria postura do Chega. O Chega não pode deixar que se crie na opinião pública a ideia de que é um partido xenófobo que atropela valores essenciais à democracia. Isso é uma dificuldade.

Devia moderar-se para permitir alianças como dizia Rui Rio?

Nós somos uma democracia consolidada e não podemos esquecer que o Tribunal Constitucional permitiu que exista um partido como o Chega que concorre às eleições em pé de igualdade com as outras forças políticas. Podemos ter as nossas divergências… O PSD não se identifica com o PCP, não se identifica com o BE e não se identifica com o Chega, mas isso não significa que não exista diálogo. Ninguém disse que o Partido Socialista não podia fazer uma coligação com o PCP ou com o Bloco de Esquerda por causa das opções desses partidos. Ou seja, não podemos ignorar que o voto dos eleitores do Chega tem o mesmo valor que o voto dos eleitores de outras forças políticas. E, portanto, temos de ter algum cuidado.

André Ventura insiste na ideia de que quer entrar para o governo.

É evidente que não estou a imaginar uma solução que permita a integração do Chega num governo liderado pelo PSD, mas só depois das eleições é possível avaliar os valores e as alternativas que estarão em causa. Se o partido mais votado for da área da direita e se não existir uma maioria de esquerda, é muito difícil que o país aceite que não haja um entendimento para formar um governo. Seria um desrespeito pela vontade dos eleitores. Isto é uma opinião pessoal e também penso que é possível governar com um governo minoritário com negociações pontuais. O país já teve governos minoritários que foram eficazes. O governo de António Guterres, por exemplo.

Pedro Nuno Santos já disse que não viabilizará um governo minoritário do PSD.

Isso também revela o sentido democrático dele.

Mas não fecha a porta a acordos com o Chega a nível parlamentar se isso for necessário…

Com todos os partidos. Pode existir um governo minoritário com entendimentos pontuais na votação de instrumentos pontuais que sejam indispensáveis à governação do país.

O PSD está afastado do poder há quase nove anos. Conheceu três líderes durante este período. Julga que o eleitorado ainda está zangado com o partido por causa das medidas de austeridade do tempo da troika?

A grande razão do afastamento do eleitorado, nesta última década, deve-se fundamentalmente a um défice de informação séria, mas persistente, por parte do PSD das políticas que fomos obrigados a implementar no tempo do governo de Passos Coelho. E o Partido Socialista teve a habilidade de aproveitar isso e instalou no país a ideia de que é uma opção de fundo dos governos do PSD reduzir pensões e vencimentos. Isso instalou-se.

Havia forma de contrariar essa ideia?

O PSD devia ter explicado melhor que não conseguiu cumprir o seu programa, porque tinha um programa imposto de fora, negociado pelo Partido Socialista, que foi o memorando da troika. A falta de explicação ao país destas circunstâncias foi o primeiro desastre. Por outro lado, houve uma orientação no PSD, erradíssima, para não se falar no passado. Não se podia dizer que foi o engenheiro Sócrates e o Partido Socialista que atiraram Portugal para a bancarrota e obrigaram o país a passar por aquele período penoso com muitas restrições.  Isto devia ter sido muito bem explicado para não afastar um eleitorado que é decisivo para ganhar eleições. Apesar disso, em 2015, o PSD foi o partido mais votado.

A mudança de liderança no Partido Socialista pode ajudar a coligação de centro-direita a voltar ao poder?

Sim, mas aquilo a que temos assistido é uma vergonha. António Costa transformou o governo na comissão de campanha eleitoral do PS. É uma vergonha e dá-nos um rótulo de país de terceiro mundo com desrespeito pelas regras democráticas. O que está a acontecer é gravíssimo e não acontece num país com profundidade democrática.

Mas acredita que será mais fácil vencer as eleições com Pedro Nuno Santos na liderança?

Não há dúvida nenhuma de que Pedro Nuno Santos não tem o mesmo peso eleitoral na área do Partido Socialista. Parece-me que será mais fácil para o PSD e para a coligação. Por outro lado, Pedro Nuno Santos tem aquela mácula de ser o homem que defende um PS radical, aproximado do Bloco de Esquerda e do Partido Comunista. Agora disfarça, mas julgo que o eleitorado vai penalizá-lo por isso. E, no fundo, foi ele que construiu a aliança com os partidos à esquerda do Partido Socialista e o eleitorado cansou-se dessa solução para governar o país.

O PSD tem obrigação de vencer estas  eleições?

Infelizmente, ainda está muito enraizada no eleitorado a ideia dos sacrifícios. É muito difícil ao eleitorado aceitar uma redução das pensões ou um aumento de impostos. É óbvio que isso criou uma ferida muito grande que é preciso sarar e leva tempo. Estas eleições também serão um teste a esse descontentamento que o eleitorado criou em relação ao PSD. Espero que essa questão já tenha sido ultrapassada. E é fundamental, com a aproximação das eleições, dar um primeiro sinal de que temos pessoas com qualidade e com capacidade para desempenhar cargos políticos relevantes.

O PSD deve apresentar nomes para cargos governativos antes das legislativas?

Sim. Mais próximo do ato eleitoral pode apresentar alguns nomes que, eventualmente, venham a integrar um governo liderado pelo PSD, sejam militantes do partido ou independentes. São elementos que podem ser importantes para o eleitorado fazer as suas opções.

Já está claro para os portugueses que o PSD tem uma alternativa que se diferencia daquilo que tem sido a governação?

É preciso fazer ainda um esforço acrescentado nessa matéria, mas creio que neste momento o eleitorado já assimilou as diferenças entre o Partido Socialista e o PSD. Evidentemente, temos forças, de um lado e de outro, à direita do PSD e à esquerda do PS, que têm muito esse discurso, consoante as circunstâncias, de que são farinha do mesmo saco. O Jerónimo de Sousa usava essa expressão, mas isso não o impediu depois de fazer a geringonça.

Imagina que destas eleições possa sair uma nova geringonça?

Obviamente que seria um desastre. Espero que seja o partido mais votado a assumir a liderança do governo.  É essencial que se retome esta linha que foi quebrada por António Costa.

Como vê o facto de o Ministério Público ter aberto um inquérito relacionado com a construção da casa de Luís Montenegro? Até que ponto este caso pode penalizar o PSD?

Como jurista, posso dizer-lhe que não há nada de errado, nada de aproveitamento, nada de ilegal nas questões que se levantam à volta da construção e da aquisição da casa de Luís Montenegro. Dir-me-á: a verdade é que a Procuradoria-Geral da República (PGR) instaurou uma investigação. O que acontece é que estas instituições, apesar de tudo, são integradas por homens e mulheres e, muitas vezes, não escapam à pressão da opinião pública através da comunicação social. Estas instituições são cada vez menos indiferentes a essa pressão. Se não houvesse eleições, estou convencido de que uma leitura mais atenta dos elementos que dizem respeito ao processo fiscal de Luís Montenegro não daria lugar à abertura de um inquérito. Mas enfim. São os sinais dos tempos e temos de saber viver com eles. Infelizmente, as instituições, hoje, são muito afetadas, influenciadas e não conseguem estar acima desta pressão mediática.

Foi apoiante da solução encontrada por Miguel Albuquerque para governar a Madeira. A coligação com o PAN está a dar bons resultados?

Não tem havido nada de relevante em relação a possíveis divergências. O governo aprovou o seu programa, o seu orçamento, não há incidentes parlamentares de divergências que perturbem a ação do governo. Creio que foi a solução, na circunstância, mais adequada.

Confirmou-se que foi melhor a aliança com o PAN do que seria com a Iniciativa Liberal?

Sim, porque nestas coisas, independentemente da filosofia de cada um dos partidos políticos, as pessoas têm muita importância. A IL na Madeira é liderada por uma pessoa que tem as suas qualidades, mas tem um feitio difícil e, portanto, iria ser um factor de instabilidade que Miguel Albuquerque entendeu, e bem, contornar, e daí a coligação com o PAN.

Exerceu vários cargos a nível nacional, mas decidiu sair da política há alguns anos. Tem tido alguma tentação de regressar ou está bem assim?

Não tenho tido a tentação de regressar, embora me tenham apelado, nalgum sentido, a isso. Mas acho que tudo tem o seu tempo. Como costumo dizer na brincadeira, o criminoso não deve voltar ao local do crime. Fiz um percurso, esse percurso correu da melhor forma que sabia e a idade também conta. Há uma nova geração na política. Se a minha opinião puder ser útil, estou sempre disponível, mesmo sem cargos institucionais.

Tem notado muita diferença na vida política, nomeadamente com o aparecimento das redes sociais?

É evidente que os tempos são outros e há hoje uma pressão mediática muito grande. A pressão é tão grande que os próprios políticos entendem que é preciso estar permanentemente nas televisões, nos jornais ou nas redes sociais Caso contrário são ignorados, não são conhecidos e não têm afirmação relativamente ao seu caminho político (Jornal Novo, texto do jornalista Luís Claro)

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