Leopoldo López é
um dos principais rostos da oposição a Nicolás Maduro. Esteve detido numa
prisão militar, acusado de organizar protestos contra o regime que causaram
dezenas de mortos, depois em prisão domiciliária e, até outubro de 2019,
refugiado na Embaixada de Espanha em Caracas. Em outubro do ano passado,
conseguiu fugir para a Colômbia, de onde voou para Madrid, onde está exilado.
Desde então,
Leopoldo López tem viajado pela Europa para ganhar apoio para a causa da
oposição venezuelana. Numa curta passagem por Portugal, onde se reuniu com os
partidos políticos na Assembleia da República e com o ministro dos Negócios
Estrangeiros, Augusto Santos Silva, o opositor do chavismo deu uma entrevista
ao Observador, em que defendeu a necessidade de a União Europeia, e
particularmente Portugal, assumir um papel mais interventivo.
Nesse sentido,
Leopoldo López pede mais sanções individuais contra figuras do regime de Maduro
e que o bloco europeu participe na criação de um “cronograma eleitoral” que
permita a realização de eleições legislativas e presidenciais, desta vez com
mediação internacional que garanta que são livres e justas.
Sobre Portugal, o opositor político diz que recai uma responsabilidade adicional, devido aos laços que unem os dois países, e, por isso, pede a Portugal uma “posição muito clara, firme e determinada” para que a Venezuela possa sair da “tragédia humanitária” em que se encontra.
Apesar de Juan
Guaidó não se conseguir impor interna e externamente, Leopoldo López recusa
apresentar-se como uma alternativa ao autoproclamado Presidente interino,
defendendo que “esta luta não pode ser de uma só pessoa”. “Somos uma equipa,
trabalhamos em função do mesmo ideal, que é a liberdade e a democracia na
Venezuela”, remata López, que garante querer regressar à Venezuela “o mais
rapidamente possível”.
A Venezuela vive, hoje, múltiplas crises. No âmbito humanitário, social, económico, político, diplomático e de segurança. Mas o pior de todos é o humanitário, o sofrimento das pessoas
O regime
venezuelano solicitou, na terça-feira, a sua extradição. O que pensa disto?
É uma prática
comum da ditadura, a perseguição. Nós, venezuelanos, estamos expostos à
arbitrariedade, a uma justiça injusta, a perseguições, a detenções arbitrárias,
à prisão, à tortura, e à morte. São milhares de vítimas. Não somos nós que o
dizemos, são organizações internacionais. O pedido de extradição é mais uma
prova da manipulação da justiça, e é importante saber que quem o está a pedir,
tanto o procurador-geral [Tarek William Saab,] como o presidente do Tribunal
Supremo [Maikel Moreno], são pessoas sancionadas pela Europa, e como
consequência por Portugal. São ilegítimos aos olhos do mundo e têm,
simplesmente, a intenção de perseguir, de distrair e pôr o foco de atenção fora
do que realmente importa: a tragédia humanitária que hoje ocorre na Venezuela
por causa da ditadura.
Como está a
situação na Venezuela neste momento? A crise política, económica e social
continua a ser enorme.
Lamentavelmente, a
situação na Venezuela só se deteriora todos os dias. Dou alguns exemplos. A
Venezuela passou de um dos países mais prósperos de toda a América Latina para
o país mais pobre da América Latina, acima do Haiti, segundo o Fundo Monetário
Internacional. Lamentavelmente, há uma realidade muito dura, em que 90% da
população está em situação de pobreza, 60% da população está em situação de
pobreza extrema, mais de metade da população não tem acesso a água potável, não
há possibilidade de distribuir, livremente, no país alimentos ou gasolina.
Creio que o melhor termómetro sobre a gravidade do país é que quase sete
milhões de venezuelanos fugiram do país devido à situação trágica. A Venezuela
vive, hoje, múltiplas crises. No âmbito humanitário, social, económico, político,
diplomático e de segurança. Mas o pior de todos é o humanitário, o sofrimento
das pessoas. Não podemos perder de vista que a origem desta crise com muitos
níveis é só uma: é política, é a ditadura. É um modelo de repressão, de
expropriação e de corrupção que deixou a Venezuela na situação trágica em que
estamos.
Milhões de
venezuelanos abandonaram a Venezuela, e Portugal tem uma vasta comunidade de emigrantes
na Venezuela, tendo muitos deles chegado ao país nos últimos anos. Portugal tem
uma responsabilidade adicional para o futuro da Venezuela?
Sem dúvida que
tem. Para a Venezuela, Portugal é um país que significa muito para a nossa
identidade. No século passado, muitos portugueses foram para a Venezuela,
procurando oportunidades, e marcaram a nossa identidade em muitos âmbitos, em
muitos lugares do nosso território. Hoje, os venezuelanos esperam muito de
Portugal e da Europa em geral, particularmente dos países próximos de nós, como
Portugal, Itália e Espanha. O que significa esperar muito? Que se comprometam
coerentemente com o que diz a Constituição, com os tratados internacionais
assinados, com os princípios da União Europeia — promover a democracia,
defender o Estado de direito, garantir a liberdade e os direitos humanos. Nós
esperamos de Portugal uma posição firme e determinada para podermos sair da
tragédia em que hoje está a Venezuela.
Que se mantenha
uma comunicação com a ditadura em temas que têm que ver com os mais de 100 mil
portugueses que vivem na Venezuela, é algo que nós entendemos. Mas também há o
reconhecimento de Guaidó e, mais importante, é preciso olhar para o futuro
imediato — próximas semanas, meses — em que esperamos, e por isso estou aqui em
Portugal, que exista uma posição muito clara e firme
Que espera ouvir
dos partidos políticos portugueses e do ministro dos Negócios Estrangeiros?
Primeiro, que oiçam a nossa posição sobre o que está a ocorrer na Venezuela. E nós esperamos ouvir compromisso. Mas, mais do que compromissos, esperamos ver resultados concretos. Esperamos proatividade de Portugal, disposição para, com o resto dos países europeus, coordenar e apoiar a proposta do Presidente Juan Guaidó em promover um acordo de salvação nacional com a participação dos países democráticos e livres do mundo.
Tenciona falar com
todos os partidos, da esquerda à direita?
Claro. Seria um
erro pensar que o tema de Venezuela é um assunto de esquerda ou de direita. A
ditadura sempre procura dividir e fazer da sua causa um tema ideológico. Mas
isto é um tema real, palpável, em que milhões de pessoas estão a sofrer. Por
isso, esperamos que a causa venezuelana unifique a esquerda, a direita, o
centro. Todos em redor da liberdade, do Estado de direito, da democracia e da
promoção dos direitos humanos. Aí cabe todo o espetro ideológico, desde que
seja democrático.
Como qualifica as
relações entre o Governo português e o regime de Nicolás Maduro? Portugal
reconheceu Juan Guaidó como Presidente interino, mas mantém relações com o
regime.
Portugal é igual
aos 25 países da União Europeia que reconhecem Juan Guaidó como Presidente
legítimo, e esse reconhecimento é muito importante, porque confirma a
legitimidade constitucional da Assembleia Nacional eleita no ano de 2015, em
que Juan Guaidó é Presidente interino porque assim o estabelece a nossa
Constituição. Existe a necessidade de alcançar uma transição para a democracia
e, para isso, é muito importante o reconhecimento da legitimidade. Que se
mantenha uma comunicação com a ditadura em temas que têm que ver com os mais de
100 mil portugueses que vivem na Venezuela, é algo que nós entendemos. Mas
também há o reconhecimento de Guaidó e, mais importante, é preciso olhar para o
futuro imediato — próximas semanas, meses — em que esperamos, e por isso estou
aqui em Portugal, que exista uma posição muito clara e firme.
A Venezuela é um
centro de crime organizado, onde Nicolás Maduro e a sua ditadura se
encarregaram de estabelecer alianças com grupos de crime organizado, tanto
formais como particulares, que fazem da Venezuela uma ameaça para a
estabilidade não só da região, como dos países democráticos do mundo
Em termos
concretos, o que pode fazer Portugal para ajudar os venezuelanos?
Em primeiro lugar,
que faça parte dos países que apoiam uma saída política da tragédia. Uma saída
política significa construir um acordo, como apresentou o Presidente Guaidó, de
salvação nacional, que tenha em conta a emergência humanitária que temos. Em
segundo lugar, que inclua um cronograma eleitoral que nos permita ter de
planear, a curto prazo, eleições legislativas e presidenciais, e que se
comprometa com um processo de acordo político em que nós precisamos de garantias
e apoios. Hoje é uma realidade que há países que ajudam Nicolás Maduro de uma
maneira muito firme, e refiro-me à Rússia, à China, ao Irão, à Turquia e a
Cuba. Países que apoiam de maneiras distintas, através de equipamento e
inteligência militar, branqueamento de capitais — um tema muito importante aqui
em Portugal —, tudo o que tem a ver com a refinação e comércio de ouro, de
sangue, apoio diplomático… Quero dizer que Nicolás Maduro não está sozinho, tem
um apoio das potências autoritárias do mundo, e nós estamos conscientes que
para conseguir uma saída política necessitamos do apoio dos países da Europa,
dos Estados Unidos e dos países da região que possam fazer um contrapeso a este
apoio que recebe a ditadura de Nicolás Maduro.
Portugal tem, atualmente, a presidência rotativa da União Europeia. Acha que o Governo português deveria dar mais importância à Venezuela?
Esperamos que o
faça. Portugal está a assumir a responsabilidade da presidência neste período,
e esperamos que a Venezuela seja um dos temas importantes. Sei que o mundo,
hoje, tem muitos problemas, muitos lugares onde há tensões, contudo a Venezuela
é um lugar muito próximo de Espanha, de Portugal e de Itália. Da Europa. E a
tragédia na Venezuela tem implicações não só para os venezuelanos, tem
implicações na região e também em muitos outros países que foram utilizados
como paraísos fiscais ou para o branqueamento de capitais provenientes da
corrupção, que é algo muito importante a que se deve dar resposta. Porque,
hoje, a Venezuela é um centro de crime organizado, onde Nicolás Maduro e a sua
ditadura se encarregaram de estabelecer alianças com grupos de crime
organizado, tanto formais como particulares, que fazem da Venezuela uma ameaça
para a estabilidade não só da região, como dos países democráticos do mundo.
Como já referiu,
há dezenas de milhares de imigrantes portugueses e lusovenezuelanos a viver na
Venezuela. O Governo português pode pensar que assumir uma postura mais dura
com Nicolás Maduro pode pôr em perigo a segurança destas pessoas.
Se falar com
qualquer um desses portugueses que hoje estão na Venezuela, que são avós,
filhos ou netos, eles dirão que não há pior perigo do que manter a situação tal
como está. Se fizer esse exercício, vai ter depoimentos muito concretos. Estou
mesmo convencido de que ouvirá pessoas a chorar, explicando a situação que hoje
se vive na Venezuela. Não há maior risco para os portugueses do que manter tudo
como está.
Mas reconhecer
Juan Guaidó como Presidente foi decisão muito arriscada também.
Foi a decisão que
correspondeu a uma coerência com o respeito pela legitimidade e apoio à
constitucionalidade na Venezuela, e, também, ao apoio que devem ter as
democracias para defender e promover a democracia. Penso que a democracia como
ideal está a ficar órfã no mundo. Há poucos a defender a ideia de democracia
como o governo ideal, que se deve promover em qualquer sociedade. Porque não há
liberdade ou respeito pelos direitos humanos se não houver democracia.
Portanto, há que assumir os riscos de a defender. Disse que a decisão foi
arriscada, e provavelmente foi, mas mais o perigoso é que se imponham ditaduras
autoritárias que relativizem a democracia e tenham um impacto negativo na vida
de milhões de pessoas.
Durante muito
tempo, negou-se a realidade que se estava a viver na Venezuela. Muitos países,
incluindo Portugal, falavam da Venezuela como uma experiência democrática.
Muitas vezes, inclusive aqui em Portugal e na Europa, falavam da Venezuela com
benevolência
Foi uma decisão
arriscada e também inconsequente, concorda?
Inconsequente?
Porquê?
A verdade é que,
passados dois anos, Guaidó ainda não conseguiu impor-se a nível interno e
externo.
A realidade é que
Maduro continua no poder porque é um ditador, porque é um tirano. Se fizermos
uma revisão sobre a forma como as ditaduras caíram, é sempre um processo muito
complexo e difícil. E, lamentavelmente, durante muito tempo, negou-se a
realidade que se estava a viver na Venezuela. Muitos países, incluindo
Portugal, falavam da Venezuela como uma experiência democrática. Muitas vezes,
inclusive aqui em Portugal e na Europa, falavam da Venezuela com benevolência,
falando de uma experiência democrática caribenha, que havia que compreender nos
seus próprios termos. Durante anos, alertámos para o que se estava a passar, e
hoje estamos a ver as consequências tremendas de uma estrutura de poder que
está aliada com os cartéis do narcotráfico, como o cartel de Sinaloa, com uma
estrutura criminosa de muitos países, como por exemplo o Hezbollah [no Líbano],
ou estruturas do crime organizado que se encarregam de extrair os recursos da
Venezuela para favorecer uns poucos e manter milhões de pessoas na miséria. Há
que ser consequente com essa realidade.
Apesar de contar
com o apoio de dezenas de países, Juan Guaidó não teve o sucesso esperado. A
estratégia revelou-se um fracasso? O que falhou?
Insisto, Maduro
não saiu porque é um ditador. E também porque tem o apoio decisivo dos países
que mencionei anteriormente (China, Rússia, Irão, Turquia e Cuba), um apoio
muito mais decidido e concreto do que aquele que recebemos dos democratas. [O
regime] recebe apoio em equipamento militar, em branqueamento de capitais
proveniente da corrupção, em inteligência militar, do financiamento das suas
estruturas diplomáticas no mundo, e a lista é longa. O tipo de apoio que
recebemos é um apoio declarativo, um apoio diplomático. À pergunta sobre o
porquê de Nicolás Maduro não ter saído, tem de haver também uma resposta por
parte dos países que nos apoiam. Não basta o reconhecimento de Juan Guaidó.
Esse é um passo diplomático que agradecemos, que nos parece importante, mas sem
dúvida que não é suficiente. Tem de haver uma determinação das democracias do
mundo em entender que a Venezuela é um tabuleiro que afeta a sustentabilidade
das democracias no resto do mundo. Por isso, insistimos que tem de haver mais
apoio. A responsabilidade não é só dos setores democráticos que estão na
Venezuela e que são perseguidos. Hoje, fazer política na Venezuela é um risco
enorme. Há o risco de ser preso, morto, sequestrado, estropiado, que persigam a
tua família. É uma realidade, e esperamos que haja essa clareza sobre o
problema que representa a Venezuela, para que tenhamos uma equivalência nos
apoios das democracias, como Portugal.
A União Europeia
mudou a postura em relação a Juan Guaidó? Já não se fala em “Presidente
interino”, mas sim em “interlocutor privilegiado”.
É uma maneira de
criar uma relação com os setores democráticos. Mas quero deixar bem claro o
seguinte: a União Europeia nunca reconheceu Juan Guaidó. São 27 países e dois
países (Chipre e Itália) não reconheceram Guaidó. Por isso, a União Europeia,
como bloco, nunca reconheceu Guaidó. Portanto, a realidade é que a posição que
assumiram os 25 países mantém-se a mesma.
Não foi dado um
passo atrás?
Creio que pode haver
uma subtileza na linguagem que se está a utilizar, mas mantém-se o
reconhecimento claro no âmbito político e na interlocução de quem lidera os
setores democráticos na Venezuela.
Esta luta não pode
ser de uma só pessoa nem de um partido, nem tão pouco de um âmbito ideológico.
Noutros países, vejo que a discussão sobre a Venezuela entra no campo da
discussão sobre esquerda e direita, e creio que isso é um equívoco, porque o
caso venezuelano tem de ser abraçado tanto pela esquerda democrática como pela
direita democrática
Voltando a 2019,
quando Guaidó se autoproclamou Presidente, que faria diferente se fosse hoje?
Guaidó não se
autoproclamou Presidente. A nossa Constituição estabelece que, se não houver um
Presidente no dia do juramento, assume a [presidência] o presidente da
Assembleia Nacional. O que Guaidó fez foi assumir o que estabelece a nossa
própria Constituição, e isso foi apoiado por quase 60 países no mundo. Sem
dúvida alguma há muitos episódios que foram difíceis. Não tem sido fácil
combater uma ditadura e olhar para trás, pensando que alguma coisa poderia ter
sido feita de forma diferente. O que lhe posso dizer é que, no momento,
tomaram-se decisões distintas com base na informação disponível. Sempre se
tomaram decisões pensando que eram as melhores para alcançar a liberdade no
nosso país.
Mas faria algo
diferente?
Penso que se
poderia ter dado maior oportunidade e empenho no processo de negociação que se
deu no ano de 2019. Nesse ano, houve um processo mediado pela Noruega, que,
principalmente por responsabilidade da ditadura, não chegou a um acordo. Mas
creio que aí poderíamos ter feito muito mais, e refiro-me a nós, do setor
democrático de Juan Guaidó e da Assembleia Nacional, mas também me refiro aos
países. Porque naquele momento não houve um apoio determinado por parte dos
países em envolverem-se ativamente nesse processo de negociação. Por isso é que
o Presidente Guaidó, ontem [terça-feira], disse que é necessário um processo
para um grande acordo nacional que inclua os países que nos têm apoiado,
particularmente os Estados Unidos, por serem eles que têm uma das principais
respostas para as preocupações da ditadura, que é o tema da pressão e das
sanções.
Agora que está em
liberdade, sente que a sua presença pode ofuscar Juan Guaidó?
Não, de forma
alguma. Somos uma equipa, trabalhamos em função do mesmo ideal, que é a
liberdade e a democracia na Venezuela, e complementamo-nos, assim como com o
resto da liderança. Esta luta não pode ser de uma só pessoa nem de um partido,
nem tão pouco de um âmbito ideológico. Noutros países, vejo que a discussão
sobre a Venezuela entra no campo da discussão sobre esquerda e direita, e creio
que isso é um equívoco, porque o caso venezuelano tem de ser abraçado tanto
pela esquerda democrática como pela direita democrática. Porque a democracia,
na sua forma e nos seus princípios básicos (eleições, Estado de direito,
promoção e defesa das liberdades e dos direitos humanos), tem de ser algo
comum.
Mas não admite
substituir Guaidó enquanto líder da oposição?
Não. Sou muito
sincero, tenho o sonho de ver a Venezuela livre. E é nisso que estamos a pôr
todo o nosso esforço — em garantir que somos um país livre, que possa ter
eleições, que possamos exercer a soberania do povo venezuelano através do voto
popular. Esse é o nosso compromisso.
Falemos sobre os
Estados Unidos. Como Presidente, Donald Trump teve uma postura muito firme com
Nicolás Maduro. A eleição de Joe Biden foi uma boa notícia para a oposição
venezuelana?
A posição da
Administração Trump em relação ao objetivo estratégico mantém-se. E aqui é
muito importante recordar que se mantém desde [Barack] Obama. Porque foi Obama,
em 2014, que declarou a Venezuela como um risco para a segurança interna dos
Estados Unidos. E isso mudou o enfoque da política externa dos Estados Unidos
em relação à Venezuela. Isso continuou com a Administração Trump e continua com
a Administração Biden. Em segundo lugar, a Administração Biden disse que não
vai retirar as sanções nem a pressão, a não ser que haja uma mudança no
processo de democratização do país. E em terceiro lugar, há um compromisso
claro de entender a realidade venezuelana como ela é, e foi isso que disse a
Administração Biden: [a Venezuela] é uma ditadura com características
criminais. Agora, como qualquer nova administração, muda a táctica, o tom e a
comunicação, e isso é algo que é normal. Mas estamos convencidos de que a
Venezuela continua a ser uma prioridade para os Estados Unidos e para o
continente.
O que mudou ou o
que vai mudar?
A Administração
Biden tem um enfoque multilateral na política externa. Biden e [Antony]
Blinken, o seu secretário de Estado, assumiram a estratégia dos princípios do
multilateralismo, ou seja, que os Estados Unidos tenham de acordar com os seus
parceiros naturais para alcançar processos complexos. É isso que estão a fazer
no combate às alterações climáticas, na Organização Mundial de Saúde, com o
acordo nuclear com o Irão, com a Rússia. E, como consequência, também com a
Venezuela se está a construir uma abordagem multilateral. E creio que isso é
uma boa notícia, que é positivo. Acho que se os Estados Unidos trabalharem em
coordenação com a Europa e com os países da região latino-americana, isso será
muito poderoso.
Vivemos sob
assédio. Perseguem-nos, prendem-nos. Expulsam-nos do país, e muitos perderam a
vida nesta luta. Portanto, com humildade dizemos que para podermos sair desta
tragédia humanitária necessitamos do acompanhamento, das garantias e da pressão
por parte dos países livres do mundo
Juan Guaidó propôs
a Nicolás Maduro um pacto político que tenha a comunidade internacional como
garantia para a realização de eleições presidenciais, legislativas e municipais
livres e justas. Acha que Maduro vai aceitar a proposta?
Creio que há que
fazer tudo para que a tenha de aceitar. Se perguntarem a Maduro o que quer, ele
quer governar até morrer, para depois entregar o poder ao filho [Nicolás
‘Nicolasito’ Maduro Guerra], que também está associado à corrupção e a ligações
com o narcotráfico. Maduro gostaria de manter uma dinastia no poder, como
acontece na Coreia do Norte. Mas a realidade é que nós — os países democráticos,
as individualidades e organizações democráticas — temos a obrigação de exercer
a pressão necessária para que se alcance um processo de negociação que tenha
como resultado um grande acordo nacional. Se não houver pressão, se não houver
participação da comunidade internacional, da Europa e dos Estados Unidos, não
haverá um acordo. Não é possível que isto seja um processo de acordo apenas
entre as partes da Venezuela. Nós, o setor democrático, estamos sequestrados.
Vivemos sob assédio. Perseguem-nos, prendem-nos. Expulsam-nos do país, e muitos
perderam a vida nesta luta. Portanto, com humildade dizemos que para podermos
sair desta tragédia humanitária necessitamos do acompanhamento, das garantias e
da pressão por parte dos países livres do mundo.
Que tipo de
pressão?
Acredito muito nas
sanções individuais. Creio que são uma ferramenta muito poderosa e, do meu
ponto de vista, a Europa ainda não a utilizou com o peso que poderia utilizar.
Sei que é um tema que preocupa muito não só Maduro, mas também aqueles que
estão à sua volta. Portanto, é uma ferramenta que deve ser utilizada
estrategicamente. Os violadores dos direitos humanos, as pessoas envolvidas na
corrupção, as pessoas responsáveis por promover fraude no Estado de direito na
Venezuela, todas elas deveriam ser sancionadas. As sanções europeias devem
estar disponíveis para ser levantadas num cenário em que há uma mudança para a
democracia, por isso creio que é uma ferramenta de pressão muito poderosa.
Não teme que a
imposição de mais sanções possa aumentar o isolamento do regime e, como
consequência, aumentar também o sofrimento de muitos venezuelanos?
Esse é um
argumento totalmente falso. Em nada afeta os venezuelanos que a Europa sancione
corruptos, que estão a utilizar a Europa como paraíso fiscal, um meio para
manter a vida de luxo e riqueza quando o povo venezuelano está a morrer. Não
afeta em nada a estabilidade e o bem-estar do povo venezuelano que a Europa
sancione os violadores de direitos humanos, a pessoas que foram responsáveis
por tortura, que foram denunciadas perante o Tribunal Penal Internacional e
perante a Comissão de Direitos Humanos da ONU. Estas sanções individuais não
afetam em nada o bem-estar do nosso povo, pelo contrário. Esse é um argumento
manipulado que é repetido mil vezes pela ditadura e pelos seus sócios no mundo,
que querem confundir. Por isso insistimos — e fazemo-lo sempre que temos
oportunidade de conversar com os parlamentos e governos da Europa — que as
sanções individuais são uma ferramenta poderosa que deve continuar a ser
utilizada de forma focalizada, coordenada e com uma estratégia clara.
A oposição
venezuelana boicotou as eleições legislativas de dezembro do ano passado. Foi
uma boa estratégia? Maduro acabou por fortalecer o seu poder.
Não concordo. Nós
não boicotámos as eleições, porque não podemos participar. Em primeiro lugar,
os partidos políticos democráticos na Venezuela foram expropriados. A ditadura,
através do Tribunal Supremo, entregou os nossos cartões, as sedes dos partidos
e a representação legal dos nossos partidos aos seus acólitos. Em segundo
lugar, na Venezuela não há condições eleitorais, não há um registo fiável, um
sistema eleitoral fiável. Há dezenas de pessoas incapacitadas para
apresentar-se a eleições. Não há observação internacional. Portanto, não são
eleições livres, são eleições similares às que se fazem em Cuba ou no Iraque no
tempo de Saddam Hussein, quando tinha sempre 75% ou 80% dos votos. Na
Venezuela, foi isso que aconteceu em dezembro: uma fraude eleitoral em que
Maduro sai com 95% dos lugares na Assembleia Nacional. Que tenha uma assembleia
nos seus próprios termos não significa que esteja mais forte, que tenha sido
reconhecido. A Europa não reconheceu essa assembleia. Portugal, Estados Unidos
e os países da região tampouco. Não é certo que Maduro tenha saído fortalecido
deste processo. Pelo contrário, nota-se cada vez mais a arbitrariedade e
ilegitimidade do Estado venezuelano.
As próximas
eleições presidenciais na Venezuela estão previstas para 2024. Qual será a
estratégia da oposição até lá?
Esperamos que as
eleições possam realizar-se antes, por isso propusemos que no acordo de
salvação nacional possa haver claramente um cronograma para eleições
legislativas e presidenciais. Esperamos que isso permita começar com a atenção
ao sofrimento do povo venezuelano. Não há forma de resolver a tragédia que a
Venezuela representa para milhões de pessoas se não houver uma mudança
política. O que esperamos? Prepararmo-nos para estas eleições, ter uma
candidatura única para essas eleições, ter uma plataforma unitária, ter — como
já temos — uma visão clara do que há que fazer nas questões prioritárias
(humanitárias, sociais, económicas e de segurança). Tudo isso faz parte do
trabalho que estamos a fazer, com muita dificuldade, mas também com muita disciplina
também.
Admite ser
candidato contra Nicolás Maduro?
Não. Neste
momento, a candidatura contra Nicolás Maduro é a liberdade. É a liberdade contra
a tirania. É a liberdade de um povo que quer expressar-se, e chegou esse
momento. Nós, no setor democrático, estamos obrigados a definir um mecanismo
que permita ter uma candidatura única e representativa de todos os setores, que
permita uma transição que gere estabilidade política e que, como consequência,
gere estabilidade económica e bem-estar ao nosso povo. Essa é a prioridade.
Com liderança de
Juan Guaidó?
Com a liderança da
liberdade. É um erro personalizar em qualquer pessoa o processo de conquista da
liberdade. Juan Guaidó assumiu responsável e valentemente a sua obrigação
constitucional de ser Presidente interino. Sofreu ataques, desqualificações,
atentados, a sua família foi atacada e perseguido pela ditadura, como aconteceu
com muitas pessoas. E Guaidó continua na Venezuela fazendo o que lhe
corresponde: liderar este processo tão complexo que nos tocou.
Nicolás Maduro
acusou-o de organizar golpes de Estado. Aceita esta acusação?
De forma alguma.
Aqui quem celebra golpes de Estado é precisamente quem está no poder, que nos
anos de 1990 promoveu golpes de Estado em que houve dezenas de pessoas a morrer.
Aqui quem é responsável por golpes de Estado é Nicolás Maduro, que pulverizou o
Estado de direito e converteu a Venezuela numa tirania, numa ditadura
fundamentada na total arbitrariedade. Que destruiu a indústria petrolífera, as
Forças Armadas. Quem deu um golpe à Constituição, aos venezuelanos e ao futuro
do nosso povo foi Nicolás Maduro e a ditadura que o acompanha.
Como foi a sua
fuga da Embaixada de Espanha em Caracas? Parece um filme, um momento de cinema.
Na verdade,
escapei duas vezes. Primeiro saí legitimamente da minha casa em abril de 2019,
e em finais de outubro de 2020 saí da Embaixada de Espanha na Venezuela, que
estava rodeada por grupos de segurança da ditadura de Nicolás Maduro. E tive de
planear, durante um mês, com um grupo muito restrito de pessoas amigas — e
anteriormente já tínhamos retirado outras pessoas da Venezuela e da prisão —,
uma operação que utilizou um encobrimento com indumentárias e veículos com
matrículas oficiais, registados como pertencente ao Estado venezuelano. Assim,
conseguimos passar todas as etapas até chegar à fronteira — são cerca de 20
postos militares e policiais. Obviamente que a Covid-19 ajudou muito, porque eu
tinha a máscara, e uma identidade falsa. Em vários momentos perguntaram-me o
nome, data de nascimento, profissão, mas tudo era falso, claro. Ao chegar ao
último posto militar, já na fronteira com a Colômbia, foi o momento mais
difícil, porque fomos parados e um dos meus companheiros (éramos quatro
pessoas) foi detido e obrigaram-no a tirar toda a roupa. Durante 45 minutos,
estivemos perto de ser descobertos. Mas a mim nunca me pediram para tirar a
máscara, e conseguimos chegar à Colômbia, de onde fomos para Espanha. Foi um
momento de muita tensão.
Teve a colaboração
de alguém do regime?
Do regime, não, foi
tudo feito com colaboradores próximos. Nem a minha mulher sabia. Ninguém sabia
de nada, só as pessoas que estavam envolvidas na operação. Éramos quatro
pessoas.
Como disse
[Miguel] Unamuno na Universidade de Salamanca [em 1936]: "vencer não é
convencer". Quando alguém tem convicções muito profundas, isso dá muita
serenidade. E ao longo destes anos, apesar de episódios muito difíceis, sempre
tivemos muita serenidade e convicção naquilo que fizemos
Desde que foi
preso, em 2014, temeu alguma vez pela sua vida?
Na prisão, muitas
vezes fui ameaçado por parte dos membros do Exército. Estive quatro anos numa
prisão militar, depois tive um ano e meio em prisão domiciliária e depois um
ano e meio na Embaixada de Espanha. Houve muitas ameaças diretas por parte da ditadura.
Dezenas de vezes, durante a madrugada, chegavam os esbirros da ditadura, de
capuz e armas, de forma violenta, simplesmente para me ameaçar e intimidar,
tentando quebrar a nossa vontade de lutar. Mas sou sincero, e com muita
franqueza lhe digo que sempre assumi, tal como o resto dos meus companheiros
presos políticos, com muita dignidade e sem medo dos ataques da ditadura.
Porque no final, como disse [Miguel] Unamuno na Universidade de Salamanca [em
1936]: “Vencer não é convencer”. Quando alguém tem convicções muito profundas,
isso dá muita serenidade. E ao longo destes anos, apesar de episódios muito
difíceis, sempre tivemos muita serenidade e convicção naquilo que fizemos.
E atualmente, teme
pela sua vida e pela vida da sua família?
É sempre um risco.
Lamentavelmente, a minha família também já foi perseguida. Há ordens de captura
para a minha mulher e para o meu pai. Quando saí, meteram um preço nas pessoas
próximas da família e do partido político [Vontade Popular]. Estamos sempre em
risco, e a ditadura provou ser má, repressora, calculista e sempre disposta a
utilizar todas as ferramentas obscuras, ilegais e violentas para poder
enfrentar os seus adversários.
Quer regressar à
Venezuela?
O mais rapidamente
possível.
E quando será esse
momento?
Espero que o mais
rapidamente possível (Observador)
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