quarta-feira, agosto 23, 2017

Marido de ex-procuradora venezuelana é o primeiro alvo da Constituinte

Aperta-se o cerco às vozes dissidentes na Venezuela. Germán Ferrer, deputado e marido de Luisa Ortega Díaz, a procuradora-geral destituída pela Assembleia Nacional Constituinte, foi acusado de liderar uma rede de extorsão que envolveria responsáveis do Ministério Público. Horas depois, agentes dos serviços de informação revistaram a residência do casal, que se encontra em parte incerta. Na mesma altura, a recém-criada “comissão de verdade” anunciou que vai investigar os candidatos às eleições regionais de Outubro para determinar se há entre eles envolvidos nos protestos violentos dos últimos meses. “É desta forma que o Governo de [Nicolás] Maduro e [Diosdado] Cabello pretende acabar com a nossa luta pela democracia e liberdade dos venezuelanos”, escreveu Díaz na sua conta de Twitter na quarta-feira à tarde, revelando que agentes do Serviço Bolivariano de Inteligência Nacional (Sebin) estavam nesse momento dentro da sua casa no bairro de Florida, uma área de Caracas preferida pela hierarquia chavista, de que a magistrada foi até há poucos meses um dos mais destacados membros.

Foi o culminar de uma rápida sucessão de eventos que começou quando Cabello, número dois do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), liderou um grupo de deputados da Constituinte que foi à sede do Ministério Público entregar o que dizem ser as provas de “um grande centro de chantagem e corrupção” que ali funcionou nos últimos anos do mandato de Díaz. Entre os documentos, alegados comprovativos de que Ferrer e outros responsáveis da procuradoria, incluindo uma assistente de Díaz, abriram contas em paraísos fiscais nas Bahamas, nas quais terão sido depositados mais de seis milhões de dólares.
Segundo Cabello, o dinheiro era fruto da extorsão a empresários para que não fossem constituídos arguidos numa investigação sobre desvio de fundos da petrolífera estatal, ordenada por Maduro. “Havia magistrados que chantageavam os empresários e pediam-lhes 600 mil dólares […] É difícil que isto tivesse funcionado sem o conhecimento da doutora Ortega”, afirmou o dirigente, que disse ter recebido a denúncia de várias vítimas de extorsão.
Logo depois, o novo procurador-geral, Tarek William Saab, pedia o levantamento da imunidade de Ferrer, para que pudesse ser emitido um mandato de captura, acrescentando que quatro ex-funcionários do Ministério Público tinham sido detidos em “flagrante”. Em causa, adiantou, estão crimes de “corrupção, extorsão, associação criminosa e branqueamento de capitais”.
Numa entrevista a uma rádio da oposição, Ferrer garantiu que não são suas as assinaturas nos documentos mostrados por Saab, a quem acusou de ser “uma personagem cínica e imoral” ao serviço da presidência.
Eleito pelo PSUV, em minoria na Assembleia Nacional desde 2015, Ferrer abandonou já este mês a bancada chavista e fundou com outros dois deputados a “fracção parlamentar socialista”, acompanhando a mulher na ruptura contra o governo de Maduro – uma dissidência que se tornou oficial quando o Presidente convocou eleições para a Constituinte, decisão que Diáz considerou ilegal. Mal tomou posse, a nova assembleia demitiu a procuradora-geral, alvo de um processo no Supremo por alegadas irregularidades no exercício das suas funções.
Ainda na quarta-feira, o Supremo Tribunal determinou que cabe à Constituinte decidir sobre o levantamento da imunidade de Ferrer – numa reunião realizada já esta quinta-feira, a Assembleia Nacional repudiou o que diz ser a “escalada da perseguição”, considerando inconstitucional que outro organismo se pronuncie sobre a conduta dos seus membros.
Lei contra ódio e intolerância
Mas não há sinais de que o Governo tenha intenção de aliviar a pressão sobre dissidentes e opositores. Cumprindo um dos desígnios de Maduro, a Constituinte nomeou uma “comissão de verdade, justiça, paz e tranquilidade pública”, que tem como missão “sanar a sociedade venezuelana” depois de quatro meses de protestos e violência que deixaram 120 mortos.
O organismo é encabeçado pela presidente da Constituinte, Delcy Rodriguez, que na primeira reunião anunciou ter pedido à comissão eleitoral as listas de todos os candidatos a governadores nas eleições previstas para Outubro para apurar se há entre eles envolvidos em acções violentas. “Temos de evitar que a sociedade venezuelana sofra as consequências de pessoas a ocupar cargos utilizando-os para desestabilizar o país”, afirmou, citada pelo jornal El Universal, assegurando que a investigação será feita “independentemente da filiação política”.
No entanto, uma outra investigação visará todos os envolvidos em acções violentas realizadas desde 1999, “com intenção de desestabilizar o país e provocar uma intervenção estrangeira” e entre os alvos já identificados estão o presidente e vice-presidente do Parlamento, Julio Borges e Freddy Guevara, ambos eleitos pela oposição, adianta o mesmo jornal.
A isto junta-se uma proposta de lei já a circular entre os membros da Constituinte que prevê penas de até 25 anos para manifestações de “ódio e intolerância” – um diploma, escreve a Reuters, que a oposição teme que venha a ser usado para a silenciar. Maduro defende-se das críticas, insistindo que a Constituinte e a nova Lei Fundamental que ela vier a redigir são a única esperança de regresso à paz e à prosperidade, depois de manifestações que assegura estão a ser orquestradas a partir do estrangeiro. “A questão é se esta é a paz que ele procura: uma lei que lhe dá a ele e ao obediente Supremo Tribunal poderes para deter os dissidentes durante 25 anos”, disse à Reuters Tamara Taraciuk, investigadora-chefe da Human Rights Watch para a Venezuela (Público)

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