sexta-feira, abril 10, 2015

Opinião: "Madeira, França e democracia na Europa"



“Cinco votos justificaram uma recontagem na Madeira, para confirmar a eleição do último deputado regional que garantiu a maioria absoluta a Miguel Albuquerque. Em qualquer dos cenários, uma vitória expressiva do novo líder regional, que consegue sobreviver a um possível efeito de "orfandade" do eleitorado social-democrata, resultante da saída de Alberto João Jardim, ultrapassar o efeito negativo das políticas de austeridade - e os madeirenses sentiram bem o aperto orçamental - e resistir ao que se admitia poder ser um renascimento do PS a nível local, resultante quer do desgaste do PSD nacional quer do clima de luta interna no PSD-M. E esta é, talvez, a parte mais expressiva desta vitória de Albuquerque: afastou Jardim e venceu nas urnas.
O ex-presidente regional declarou aos jornalistas, no dia das eleições, que esperava um grande resultado para o PSD, o último do seu mandato. Em bom rigor, olhando às circunstâncias destas eleições, já não era o seu último resultado - era o de um novo protagonista, Albuquerque, e obtido "apesar" de Jardim. O ex-líder seria, aliás, o primeiro a recordar esse facto se a contagem de votos tivesse sido outra. E tê-lo-ia feito, adivinha-se, com satisfação. Como reconheceu, ao fim de 40 anos como líder, sai da política descontente com o PSD, "principalmente" o do Continente.
Para azar de Jardim, Albuquerque teve (embora sujeita a recontagem) uma maioria absoluta. E para azar também de António Costa, que viu o PS madeirense ficar nos 11%, em coligação com parceiros que, por si sós, deviam "pesar" outro tanto. Nunca é linear tirar conclusões de eleições locais ou regionais para o plano nacional. Mas também não o é tirar a partir de europeias... De todas as formas, a verdade é que só quem conheça mal a Madeira poderia esperar uma derrota do PSD nestas eleições. A dúvida era a maioria absoluta, e essa dúvida tinha, como se vê, razões para existir.
Contas feitas, ganhará sempre, espera-se, a democracia na Madeira. A campanha eleitoral já mostrou outro nível de discussão e de espírito democrático e o vencedor afirmou que quer independentes no governo. Mas o clima continuará difícil. A situação económica e financeira será uma dor de cabeça por muitos anos e Miguel Albuquerque assume a liderança de uma região e de uma população que sempre viveu apoiada em riqueza artificial, em investimento público que já deu tudo o que tinha a dar - e mais alguma coisa.
A Madeira abre uma nova página. É bom que o novo líder regional a aproveite. Tem nos seus ombros uma responsabilidade histórica e uma oportunidade única: a de dar aos madeirenses, e já é mais do que tempo, a possibilidade de saberem o que é viver num ambiente saudável, democrático, plural e tolerante.
Os franceses também fecharam no domingo passado uma página complicada da sua história, travando nas eleições "departamentais" (semelhantes às nossas autárquicas) o que parecia ser uma marcha imparável da Frente Nacional. Sarkozy, que "limpou" cerca de dois terços dos departamentos, ganhou alento para um regresso ao Eliseu, nas presidenciais de 2017, enquanto o Partido Socialista francês, no Governo, teve, como reconheceu o primeiro-ministro Manuel Valls, um "claro revés".
O centro-direita, da aliança UMP, recolheu os benefícios de uma esquerda fragmentada na primeira volta e de um centro-esquerda que preferiu jogar pelo seguro na segunda: cada um engoliu os sapos que tinha de engolir e a UMP, do ex-Presidente Sarkozy, saiu claramente vencedora. O resultado do "sacrifício" das esquerdas é que a FN recuou de 25,7% para 21%, impedindo Marine Le Pen de cantar vitória. Mas apesar de não ter conquistado um único departamento, continua a ser prematuro anunciar uma inversão de ciclo da Frente Nacional. ?A extrema-direita francesa continua a ser uma ameaça bem real, a ter em conta já em dezembro, nas eleições regionais, e pode, a curto prazo, consolidar-se como segunda força política do país.
A ortodoxia liberal que reina na Europa dá cabo do centro moderado, em especial do centro-esquerda, empurrando os descontentes para as franjas radicais e abrindo caminho à bipolarização de extremos. Um jogo no qual a direita liberal tende, hoje, a sair vencedora, como aconteceu em França. Porque, salvo exceções (e algumas contradições, como acontece em Portugal, com a carga fiscal), joga "em casa", com as suas regras de jogo, congregando dessa forma quem partilha da filosofia reinante.
Mas há sempre um dia em que o "jogo" falha, como vimos na Grécia, com o Syriza - e não se sabe ainda bem com que resultados. Ou que falhará, num destes dias, num país como Espanha ou Reino Unido - com resultados seguramente bem diferentes e mais sérios para todos (texto de Pedro Camacho, jornalista da Visão, com a devida vénia)