“Cinco votos justificaram uma
recontagem na Madeira, para confirmar a eleição do último deputado regional que
garantiu a maioria absoluta a Miguel Albuquerque. Em qualquer dos cenários, uma
vitória expressiva do novo líder regional, que consegue sobreviver a um
possível efeito de "orfandade" do eleitorado social-democrata,
resultante da saída de Alberto João Jardim, ultrapassar o efeito negativo das
políticas de austeridade - e os madeirenses sentiram bem o aperto orçamental -
e resistir ao que se admitia poder ser um renascimento do PS a nível local,
resultante quer do desgaste do PSD nacional quer do clima de luta interna no
PSD-M. E esta é, talvez, a parte mais expressiva desta vitória de Albuquerque:
afastou Jardim e venceu nas urnas.
O ex-presidente regional
declarou aos jornalistas, no dia das eleições, que esperava um grande resultado
para o PSD, o último do seu mandato. Em bom rigor, olhando às circunstâncias
destas eleições, já não era o seu último resultado - era o de um novo protagonista,
Albuquerque, e obtido "apesar" de Jardim. O ex-líder seria, aliás, o
primeiro a recordar esse facto se a contagem de votos tivesse sido outra. E
tê-lo-ia feito, adivinha-se, com satisfação. Como reconheceu, ao fim de 40 anos
como líder, sai da política descontente com o PSD, "principalmente" o
do Continente.
Para azar de Jardim, Albuquerque
teve (embora sujeita a recontagem) uma maioria absoluta. E para azar também de
António Costa, que viu o PS madeirense ficar nos 11%, em coligação com
parceiros que, por si sós, deviam "pesar" outro tanto. Nunca é linear
tirar conclusões de eleições locais ou regionais para o plano nacional. Mas
também não o é tirar a partir de europeias... De todas as formas, a verdade é
que só quem conheça mal a Madeira poderia esperar uma derrota do PSD nestas
eleições. A dúvida era a maioria absoluta, e essa dúvida tinha, como se vê,
razões para existir.
Contas feitas, ganhará sempre,
espera-se, a democracia na Madeira. A campanha eleitoral já mostrou outro nível
de discussão e de espírito democrático e o vencedor afirmou que quer
independentes no governo. Mas o clima continuará difícil. A situação económica
e financeira será uma dor de cabeça por muitos anos e Miguel Albuquerque assume
a liderança de uma região e de uma população que sempre viveu apoiada em
riqueza artificial, em investimento público que já deu tudo o que tinha a dar -
e mais alguma coisa.
A Madeira abre uma nova página.
É bom que o novo líder regional a aproveite. Tem nos seus ombros uma
responsabilidade histórica e uma oportunidade única: a de dar aos madeirenses,
e já é mais do que tempo, a possibilidade de saberem o que é viver num ambiente
saudável, democrático, plural e tolerante.
Os franceses também fecharam no
domingo passado uma página complicada da sua história, travando nas eleições
"departamentais" (semelhantes às nossas autárquicas) o que parecia
ser uma marcha imparável da Frente Nacional. Sarkozy, que "limpou"
cerca de dois terços dos departamentos, ganhou alento para um regresso ao
Eliseu, nas presidenciais de 2017, enquanto o Partido Socialista francês, no
Governo, teve, como reconheceu o primeiro-ministro Manuel Valls, um "claro
revés".
O centro-direita, da aliança
UMP, recolheu os benefícios de uma esquerda fragmentada na primeira volta e de
um centro-esquerda que preferiu jogar pelo seguro na segunda: cada um engoliu
os sapos que tinha de engolir e a UMP, do ex-Presidente Sarkozy, saiu
claramente vencedora. O resultado do "sacrifício" das esquerdas é que
a FN recuou de 25,7% para 21%, impedindo Marine Le Pen de cantar vitória. Mas
apesar de não ter conquistado um único departamento, continua a ser prematuro
anunciar uma inversão de ciclo da Frente Nacional. ?A extrema-direita francesa
continua a ser uma ameaça bem real, a ter em conta já em dezembro, nas eleições
regionais, e pode, a curto prazo, consolidar-se como segunda força política do
país.
A ortodoxia liberal que reina na
Europa dá cabo do centro moderado, em especial do centro-esquerda, empurrando
os descontentes para as franjas radicais e abrindo caminho à bipolarização de
extremos. Um jogo no qual a direita liberal tende, hoje, a sair vencedora, como
aconteceu em França. Porque, salvo exceções (e algumas contradições, como
acontece em Portugal, com a carga fiscal), joga "em casa", com as
suas regras de jogo, congregando dessa forma quem partilha da filosofia
reinante.
Mas há sempre um dia em que o
"jogo" falha, como vimos na Grécia, com o Syriza - e não se sabe
ainda bem com que resultados. Ou que falhará, num destes dias, num país como
Espanha ou Reino Unido - com resultados seguramente bem diferentes e mais
sérios para todos (texto de Pedro Camacho, jornalista da Visão, com a devida
vénia)