sábado, abril 25, 2015

Quatro décadas de democracia: 31 mulheres ministras e 467 homens

"O regime democrático já tem 41 anos mas os Governos portugueses continuam a ter gravatas a mais na sua composição. Mesmo sabendo que "muitos homens que participaram mostraram ter tido pouca qualidade e as mulheres terem sido quase sempre governantes de grande qualidade". Quem o diz é o ex-Presidente da República António Ramalho Eanes, que em julho de 1979 indigitou Maria de Lourdes Pintasilgo para chefiar um Governo de iniciativa presidencial. Recorde-se que Pintasilgo foi a única mulher que exerceu o cargo de primeira-ministra no nosso país. Em declarações ao Expresso, Eanes lembra que a "participação das mulheres não só é positiva como é importante". Para o ex-Presidente, o facto de os três primeiros-ministros que chefiaram os seis Governos Provisórios, e os 12 que lideraram os 19 Executivos Constitucionais só terem feito 31 nomeações de mulheres para o cargo de ministra, mostra que o acesso a estas funções "é mais aberto aos homens. E isso facilita o aparecimento de homens com menos qualidade" para o desempenho dos desafios que têm pela frente. Recorde-se que depois de Pintasilgo ter sido ministra nos II e III Governos Provisórios [entre setembro de 1974 e março de 1975], as mulheres que participaram nos Executivos nos dez anos que se seguiram só desempenharam cargos de secretárias ou subsecretárias de Estado [30 nomeações em 12 Governos]. Portugal só voltaria a ter uma mulher ministra quando Cavaco Silva, em 1985, nomeou para a pasta da Saúde Leonor Beleza, cargo que ocupou até 1991 nos X e XI Governos Constitucionais.
Registe-se ainda que, três anos depois da revolução, o II Governo de Mário Soares nomeou exclusivamente representantes do género masculino: 54 homens, entre ministros, secretários e subsecretários de Estado. Antes dele, Vasco Gonçalves também tinha feito uma opção semelhante no IV e V Governos Provisórios, com um peso significativo de militares. Atualmente, em termos internacionais, estamos a meio da tabela de um ranking publicado pelas Nações Unidas em janeiro de 2014, abaixo da Namíbia e ex aequo com o Togo, com uma taxa de participação de 21,4% de mulheres nos governos; este ranking elenca 97 posições, mas contempla bastantes mais estados porque há vários ex aequo. A Nicarágua é o país com maior percentagem de mulheres no Governo com 57,1%. Seguem-se a Suécia, Finlândia e França e, em quinto lugar, Cabo Verde com 47%1 de mulheres no Executivo.
“Em termos numéricos ainda há muito para fazer em Portugal no que toca à participação das mulheres”, diz ao Expresso Michael Baum, professor de Ciência Política e membro do conselho executivo da Fundação Luso-Americana. “Há mais mulheres licenciadas e muitas que têm doutoramento. São pessoas altamente qualificadas, mas a sociedade portuguesa ainda é muito tradicional no que respeita aos papéis familiares”, acrescenta. Quarenta e um anos depois de termos tido uma mulher a ser ministra, Passos Coelho nomeou até agora 12 mulheres e 75 homens para o seu Executivo. Refira-se no entanto que Passos é o primeiro-ministro que, pela primeira vez, indigita mulheres para pastas que sempre foram território masculino: Anabela Rodrigues, que assume a pasta da Administração Interna na sequência da demissão de Miguel Macedo, e Berta Cabral que é nomeada secretária de Estado da Defesa na sequência de uma remodelação do XIX Governo. Com Passos, outras três pastas tradicionalmente masculinas — Finanças, Agricultura e Justiça — são também exercidas por mulheres ministras: Maria Luís Albuquerque, Assunção Cristas e Paula Teixeira da Cruz. Curiosamente, foi outro social-democrata que governou entre abril de 2002 e julho de 2004 quem nomeou mais mulheres para o Executivo: 13 ao todo. Nos 27 meses que durou o consulado governamental de Durão Barroso [antes de trocar o cargo de PM pelo de presidente da Comissão Europeia], o então primeiro-ministro foi o primeiro a nomear mulheres para pastas de grande relevância política: Manuela Ferreira Leite nas Finanças e Teresa Patrício Gouveia nos Negócios Estrangeiros. O recorde de nomeações de mulheres ministras pertence a Sócrates, no seu segundo mandato. Foram cinco em simultâneo: Ana Jorge na pasta da Saúde, Dulce Pássaro no Ambiente e Ordenamento do Território, Gabriela Canavilhas na Cultura, Helena André no Trabalho e Solidariedade Social e Isabel Alçada na Educação.
Na opinião da investigadora Carla Martins é mais exato quantificar as “nomeações para cargos” governativos — ministro, secretário e subsecretários de Estado — do que as pessoas individuais que os exerceram. Em consequência do provável fechamento do mercado de recrutamento para estas funções, existem vários indivíduos que exerceram/exercem cargos diversos em governos diferentes, como já antes mencionámos os casos de Maria de Lourdes Pintasilgo que foi ministra dos Assuntos Sociais nos I e II Governos Provisórios [chefiados por Vasco Gonçalves], e Manuela Ferreira Leite, a quem Cavaco entregou a pasta da Educação no XII Governo, e Durão Barroso a das Finanças no XV. Na sua tese de doutoramento “Mulheres, política e visibilidade mediática. As lideranças de Maria de Lourdes Pintasilgo e de Manuela Ferreira Leite”, Carla Martins quantificou as representações numéricas dos governantes do I Governo Constitucional até à tomada de posse do atual Executivo em junho de 2011; o Expresso atualizou os dados que se referem ao Governo de Passos Coelho e contabilizou os governantes que participaram nos seis Governos Provisórios.
Em fevereiro de 2006, pouco depois de Michelle Bachelet ter sido eleita Presidente do Chile, a reportagem do Expresso “Mulheres: Política&Mérito”, concluía que “éramos o país com menos mulheres ministras no Sul da Europa”, adiantando ainda que “em Portugal — ao contrário do que acontece na vizinha Espanha — os partidos de poder, sejam eles de esquerda ou de direita, nunca tiveram uma estratégia clara de promoção do número de mulheres com cargos governamentais”. Nessa altura, o historiador António Costa Pinto, coautor do livro “Quem Governa a Europa do Sul” [publicado em Londres em 2004], dizia ao Expresso que até ao segundo Governo de Guterres só tínhamos tido “sete mulheres na elite ministerial, o que representa 4% do número total de ministros” até 1999.
Para Costa Pinto, “muitas das mulheres que chegam ao poder fazem-no por mérito da sua competência profissional, não sendo políticas de carreira”. Já para Manuela Ferreira Leite — que foi ministra da Educação de Cavaco e das Finanças de Barroso — o maior acesso das mulheres a cargos políticos é “um problema cultural que acaba por se resolver por si”, estando por isso contra o sistema das quotas em 2006. “Em termos de exercício de cargos públicos, a diferença está mais na forma como nos olham no exercício dessa atividade. E acho muito mal que as pessoas sejam escolhidas pelo facto de serem mulheres. Sempre fui contra o critério das quotas, porque acho que isso é obrigar através de um meio administrativo que as mulheres preencham determinados lugares”.
Leonor Beleza comentava então o facto de ninguém estranhar só haver “duas mulheres ministras”, apesar de Guterres, no seu segundo mandato, ter tido durante um ano um Ministério para a Igualdade atribuído a Maria de Belém. Quinze anos mais tarde, já noutro século e com o euro como moeda do país, no retrato que traçamos dos governos do Portugal democrático, os números valem mais que mil imagens: ao longo de 41 anos e 25 Governos foram nomeados 1609 homens para cargos governamentais e 127 mulheres. Dito de outra forma, 92,7% dos governantes são homens e 7,3% mulheres. Como dizem os historiadores António Costa Pinto e Pedro Tavares de Almeida, “o típico ministro português é homem, a meio da década dos 40, nascido em famílias urbanas da classe média, altamente escolarizado e com um passado de trabalho em funções públicas”. Usa gravata, apesar de Portugal ter uma das taxas mais altas da Europa de mulheres trabalhadoras desde meados da década de 60.
Teresa Lobo. A governante do Estado Novo
Num país onde há muito vivem mais mulheres do que homens, o primeiro sinal de abertura à participação das mulheres em cargos governamentais foi dado por Marcello Caetano em 1970. O último [e segundo] presidente do Conselho de Ministros da ditadura indigitou Maria Teresa Cárcomo Lobo para o cargo de subsecretária de Estado da Saúde e Assistência. A imprensa da época assinalou o facto de pela "primeira vez" uma "senhora" ser "membro do Governo". Nascida em Angola [Malanje] e de origem goesa, a licenciada em Direito com "média de 16 valores" já tinha chefiado o gabinete de Estudos Económicos e Financeiros do Banco Nacional Ultramarino; foi nomeada a 20 de agosto de 1970 e exerceu funções até novembro de 1973, altura em foi empossado o segundo Executivo de Caetano, na sequência do processo eleitoral de 28 de outubro de 1973. Retrospetivamente, este é um dos sinais da chamada primavera marcelista, já que ao longo de quatro décadas Salazar nunca chamou nenhuma mulher a participar no governo da nação. Foi viver para o Brasil depois da Revolução de Abril onde continuou a sua atividade profissional; foi juíza Federal no de Janeiro, e aposentou-se em 1999" (Expresso, texto da jornalista Manuela Goucha Soares, com a devida vénia)