sábado, julho 16, 2011

Uma opinião para clarificar

Já uma vez recordei Giovanni Papini e o seu "Relatório Sobre os Homens", segundo o qual "o jornal é, de certo modo, o teatro histórico ao domicílio, obrigado a fornecer em cada número a ração de terrível e ridículo necessária para conciliar a digestão ou o sono dos seres aos quais nunca acontece nada. Por conseguinte, o jornalista tem de recorrer continuamente ao exagero, mas sobretudo à hipérbole e, se for caso disso, à invenção. Compete-lhe vencer, à força de fantasia e literatura amplificadoras, a espantosa uniformidade da vida humana. Todos os dias, desde milénios, sucedem uns tantos assassínios, suicídios, roubos e incêndios - os nomes dos protagonistas e lugares mudam, porém as causas e formas são sempre, eternamente, quotidianamente, as mesmas. O jornalista salva-se recorrendo ao exagero. Sob a sua pena, tudo assume um aspecto trágico ou satírico. Todo o terramoto que faça ruir duas casas é um cataclismo de que não há memória outro igual, uma rixa entre bêbados uma «luta na via pública», uma manifestação de mendigos «uma revolta», a assinatura de um tratado «uma data histórica», um orangotango amestrado «um milagre da ciência». Todo o aviador que fractura a coluna vertebral é um «herói da mais elevada estirpe», todo o transbordo de rios a «segunda edição do Dilúvio», toda a prostituta que mata ou se mata a protagonista de um «novo drama de amor”. Os homens, na sua maioria sádicos, querem que o jornal lhes satisfaça o sadismo íntimo, pelo que tem de localizar, de país para país, todo o abrutalhado e malévolo que existe e apresentá-lo ainda mais bruto e mau. Se há uma mulher de permeio, ou é possível fingir que há, junta ao bruto um pouco do porco: o famoso binómio romântico - amor e morte - traduz-se facilmente em sangue e esperma".
É muito importante que os profissionais da comunicação entendam que sempre fui corporativista, e não deixei de o ser. Portanto, quando critico alguns aspectos do jornalismo que se faz - tal como no meu tempo haveria defeitos, certamente - pretende-se sobretudo apelar ao rigor, e à observância de princípios deontológicos elementares, para que o produto final esteja acima de suspeitas, sobretudo para que não se fique na dúvida de que se usam, sim ou não, meios de comunicação social, propriedade de privados, para fins que nada têm a ver com o jornalismo. E por causa de factos que nada têm a ver com a notícia que no fundo é o epicentro do que cobrimos.
Quando abordei a questão ocorrida no Conservatório de Música, não estava sequer a pensar no conteúdo da notícia nem a colocar em dúvida o jornalista, que aliás conheço e ele sabe que o respeito em toda a linha. Aliás, quem sou eu, para andar armado em moralista seja do que for e de quem for, o que nada tem a ver com o direito a uma opinião pessoal, que não insulte, que não entre por aspectos que nada têm a ver com o assunto em apreciação, porque essa devassa não faz, nunca fez o meu género. Estava a falar de um destaque eventualmente especulativo e destinado a vender jornais dado a um assunto não comprovado, que não trazia nenhum facto em concreto que o confirmasse, e que se limitava a reunir um conjunto de eventualidades, de dúvidas, de interrogações, muitas delas constantes de uma carta anónima à qual obviamente alguém teve acesso. Eu não quero negar ou confirmar a eventual existência dos factos relatados, porque não tenho elementos para o fazer, nem sequer a instituição em causa me interessa rigorosamente para nada. Mas admito que, tal como outras pessoas, perante o destaque dado ao tema, as pessoas se interrogaram e foram à procura de alguma coia que confirmasse o que era insinuado, que existisse alguma relação entre título e notícia. Nada mais. E isso não havia. E depois o risco da generalização, em que se lança para a figueira toda a gente, o que convenhamos é perigoso e eticamente reprovável. Se eu dissesse, por exemplo, que numa determinada redacção com 100 jornalistas, havia dois ou três que tinham relações perigosas com a política ou os negócios, não adiantando rigorosamente mais nada, não é legítimo pensar que os 100 jornalistas, incluindo os 97 que não tinha a ver com o assunto, se sentissem incomodados ou mesmo ofendidos com a suspeição lançada qual anátema sobre todos eles? O que dizer dos professores e dos alunos que nada têm a ver com ao assunto, no caso do Conservatório?
Não se trata de criticar os jornalistas, até porque sei como é que o jornalismo se desenvolve na Madeira, nas outras vertentes que nada têm a ver com o poder. Julgo que o jornalismo impresso atingiu uma situação que convidaria a uma reflexão, pois a degradação é de tal modo, influenciada pela "guerra" surda entre duas entidades, que temo pelo futuro.
Agustina Bessa-Luís escreveu um dia (Dicionário Imperfeito) que "para o jornalista, tudo o que é provável é verdade». Trata-se dum axioma estupendo, como tudo o que Balzac inventa. Reflectindo nele, nós percebemos quantas falsidades se explicam e quantas arranhadelas na sensibilidade se resumem a fanfarronices e não a conhecimento dos factos. Em geral, o pequeno jornalista é um profeta da Imprensa no que toca a banalidades, e um imprudente no que se refere a coisas sérias. Quando Balzac refere que a crítica só serve para fazer viver o crítico, isto estende-se a muitas outras tendências do jornalista: o folhetinista, que é o que Camilo fazia nas gazetas do Porto (...). Eu própria não estou isenta duma soma de articulismos, de recursos à blague, de graças adaptáveis, de frequentação do lado mau da imaginação, de ridículos, de fastidiosos conselhos, de discursos convencionais, de condenações fáceis, de birras imbecis, de poesia de barbeiro, de elegâncias chatas, de canibalismo vulgar, de panfletismo «bom cidadão». Quando não sou nada disso, sou assunto para jornais, mas não sou jornalista". É contra isto que acho que devemos estar, esta noção pouco dignificante de que o jornalismo vagueie em função de interesses, de manipulações ou de especulações mais ou menos deliberadas”.
O que se passou recentemente, por exemplo, com as acusações de um político que chegou a candidato do PS local às regionais em circunstâncias que todos conhecemos, mas nenhum jornalista explica o que se passou, político socialista esse que acusou o secretário-geral do PSD, sem provas documentais, sem factos, sem nada, de situações de alegados negócios e vínculos empresariais que pelos vistos nunca existiram, são falsos. Ora essa declaração foi razão suficiente para que um jornal coloque o assunto com o maior destaque que uma primeira página de um periódico reserva às grandes "cáchas". É esclarecedor. Fica-se com a ideia de que pode-se dizer tudo porque tudo ganha foros de acontecimento. Pior do que isso é a dúvida - o grande perigo que persegue o jornalismo - de que o frete ou uma troca de favores, sem ofensa seja para quem for, pode condicionar tudo, incluindo os critérios internos de cobertura de notícias que valem rigorosamente zero mas que ganham uma dimensão graças a factores exógenos estranhos ao jornalismo e ao rigor e distanciamento que se espera. A ida de um político qualquer a Bruxelas é noticiada não sei quantas vezes, não por causa da excursão para uma almoçarada, mas porque houve a promessa de levar não sei a quem (a Edite Estrela?) o que se designa de "caso Jornal da Madeira". Os demais partidos já perceberam, depois do CDS o ter feito primeiro que os demais, que se forem por aí têm, a vida garantida. Isto faz-me lembrar a questão da lei eleitoral, pois todos acham que há deputados a mais e que é preciso reduzir, mas nenhum deles quer abaixo dos 45 porque correm o risco de não eleger ninguém e isso deixa de interessar. Faz-me lembrar o "jackpot" financeiro que todos criticam, mas o qual todos recebem e do qual todos vivem. Sem esse "jackpot" os partidos fechavam. Obviamente que o PND foi logo atrás do tema "JM", estranhando eu que não tenha merecido a primeira página. Não pode ser. As coisas não podem funcionar desta forma.
E podem-me chamar de "escriba do regime", no pressuposto de que me ofendem, porque quem fica mal é quem recorrer a essa adjectivação. Obviamente que as pessoas sabem as minhas opções partidárias, há mitos anos, sabem que o que escrevo é a minha opinião, sabem que escrevo em liberdade e de acordo com aminha consciência, mas serei certamente tão "escriba do regime" como os meus companheiros que escreviam no DN e deixaram de o fazer o seriam. Ou será que também a este nível existe um critério de catalogação das pessoas que tem como referência o escrever ou não no "JM"? Não me sinto minimente ofendido, e embora possa reagir na mesma moeda, tenho que recuar porque recuso enveredar por caminhos que não abonam a favor de nada nem de ninguém.
Poderia recordar outros casos recentes, só para reflexão. Há dias - e é legítimo que o façam - a preocupação, repetida dias depois, tinha a ver com a lista dos deputados do PSD às eleições regionais, com a garantia, dada pelo autor da notícia, de que o PSD elegeria menos deputados - sendo natural que isso aconteça. O problema das eleições regionais reside em saber quem sairá no partido maioritário, quem não será candidato a deputado, e nem uma palavra é dita nem quanto à operação de assalto aos tachos e aos lugares por parte do ainda maior partido da oposição (e convido-os a perceberem quem será contemplado com as escolhas e quais as razões para isso acontecer), assim como ninguém aborda a questão dos demais partidos, quando nenhum deles, repito, nenhum deles, tem a certeza nem da votação que obterá, nem dos lugares (mandatos) que elegerá. Por acaso não serão nos partidos mais pequenos que os lugares disponíveis serão acentuadamente menores o que gerará “guerras” internas nalguns partidos as quais a seu tempo perceberemos?
Outro exemplo: os relatórios do Tribunal de Contas são sempre, e muito nem, alvo de natural tratamento jornalístico. O problema é que tem que haver critérios. Quando alguns relatórios visando instituições, casos de má gestão, irregularidades e outras anomalias, como falta de vistos, procedimentos concursais não devidamente correctos, adjudicações não realizadas de forma correcta, etc, tudo isso é colocado em destaque porque o importante, no fundo, seguindo esta linha de pensamento (que até admito esteja errada) é cravar mais um "ferrão" no poder. Não vou discutir o que está subjacente a isto, nem as motivações que existem ou não. Mas quando aparece um relatório do mesmo TC, dizendo exactamente o mesmo, mas envolvendo empresas privadas, não de pode tolerar nem o branqueamento dessa situação e, mais do que isso, não se percebe como é que demoram 15 dias a publicar uma noticia de três ou quatro parágrafos que espremida nada diz.
Mais. Como é possível que um jornal destaque, retirando das deliberações da ERC, uma resolução visando o jornal concorrente – por causa da não publicação deste de um comunicado de um sindicato qualquer em resposta a uma notícia - e esse mesmo jornal não seja capaz, com a honestidade, a verticalidade e a observância de rigor deontológico, de descobrir, no mesmo dia, nas mesmas deliberações, uma pouco abonatória, porque crítica de um determinado tipo de jornalismo realizado. Um não estou a dar razão a nenhuma das situações, nem sobre elas me pronuncio. O que me parece é que existe uma clara manipulação tendenciosa de factos.
Em Janeiro de 2010, para concluir, o então líder do PS local, numa entrevista ao DN fez acusações graves que misturavam negócios com política e justificaram recusas para certas candidaturas autárquicas. Se fosse no PSD tínhamos um escândalo, com reacções no dia seguinte e a tentativa de desvendar o “mistério” dessas declarações. O que aconteceu neste caso concreto? Nada. As pessoas focaram sem saber o que se passou, sem saber quem acusava e criticava João Carlos Gouveia, que topo de pressões foram feitas sobre JCG, para que finalidade, para não falar de outras questões, igualmente graves, algumas das quais hoje originaram processos que correm nos tribunais, mas tendo presente o rigor de separar entre o que é político e público e as questões privadas. É esta “normalidade” como as coisas são encaradas no caso de uns, contrastando com o que se passa quanto a outros, que fez com que, mesmo parecendo que estou a criticar de forma agressiva, o que não é o caso, me leva apenas a estas chamadas de atenção que nada têm com pregar moralismos nem recamar purezas que não tenho, nunca tive nem alguma vez terei. Cada um é o que é, com os seus defeitos e virtudes. Mas não podemos tolerar que uns se achem donos absolutos da purificação e outros sistematicamente não tenham razão do seu lado, sem eles “escribas” do regime, de interesses provados, de empresas privadas, ou de partidos políticos do “contra”. Entendam isto como um desabafo, clarificador de pensamentos ou de ideias, mas também destinado a evitar especulações, a desmistificar segundas intenções e a recusar que lhe seja dada mais importância do que realmente ele tem. Porque é sempre, apenas e só, uma opinião pessoal. Não mais do que isso. (LFM)

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