quarta-feira, outubro 26, 2016

A Valónia não é eurocéptica mas não quer comprar acordo com o Canadá às cegas

A Valónia não é eurocéptica mas não quer comprar acordo com o Canadá às cegas. A Valónia, a região francófona belga, está a bloquear a ratificação europeia do tratado de livre comércio do Canadá com a União Europeia, mas 90% das trocas comerciais da Bélgica com o Canadá são feitas pela Flandres, a região onde se fala flamengo, e que tem há décadas um forte movimento independentista.
Este finca-pé liderado pelos socialistas valões, que não são eurocépticos, provavelmente incentivado por uma queda nas urnas – com o crescimento de partidos mais à esquerda – vem aprofundar ainda mais as contradições e divisões da política belga. O Governo belga é liderado por um francófono, o primeiro-ministro Charles Michel, do Movimento Reformista (centro-direita) numa coligação com três partidos flamengos. Ele apoia o CETA (Acordo de Comércio Livre União Europeia-Canadá), mas não tem poder para comprometer o seu país com o tratado: “Pediram-nos uma resposta clara. Neste caso, e neste momento, é não”, disse Michel, num comunicado em que dava réplica ao presidente do Conselho Europeu.
Donald Tusk tinha dado (mais um) ultimato à Bélgica, antes da cimeira UE-Canadá, marcada para quinta-feira, em que o primeiro-ministro canadiano, Justin Trudeau, deveria vir a Bruxelas para assinar o tratado de livre comércio com o bloco europeu. Trudeau tem dito que não desiste de vir, e continuam as negociações, até ao último momento, para tentar convencer a irredutível Valónia a dar o “sim” a um tratado que diz respeito a mais de 500 milhões de europeus. Mas porque é que isto acontece na Valónia? Não é um movimento eurocéptico – Paul Magnette, o ministro-presidente da Valónia, é um especialista em política europeia, autor de vários livros sobre as instituições da UE, que entrou na política pela mão do ex-primeiro-ministro socialista Elio di Ruppo, diz a AFP.
A Valónia foi historicamente a região preponderante da Bélgica, a mais rica e mais industrializada – durante décadas, após a revolução industrial, foi a segunda zona com mais indústria. Mas hoje a Valónia é uma zona deprimida, com problemas semelhantes ao Norte de França: fábricas e minas de carvão de encerraram, indústrias que fugiram dali. Na Flandres aconteceu o contrário: é onde a economia belga tem maior pujança. A. Segundo o site Politico Europa, a resistência ao CETA protagonizada pela Valónia – embora tenha sido comunicada já no ano passado à Comissão Europeia – terá sido reforçada pelo facto de o Partido do Trabalho da Bélgica (marxista) estar a subir na Valónia, conquistando eleitores que antes votavam nos socialistas, muito graças à crise económica e social. No mês passado, a Caterpillar, empresa de máquinas de construção anunciou o encerramento da fábrica que tinha na Valónia – algo que custará 2200 empregos directos e muitos milhares de outros empregos noutras empresas. Foi mais uma motivação para montar uma campanha contra os tratados de comércio internacional em negociação pela Comissão Europeia – tanto o CETA, já pronto a ratificar, como a Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento, o TTIP, com os Estados Unidos, cujas negociações estão encalhadas e são alvo de forte contestação.
Os maiores problemas são os tribunais arbitrais especiais, que teriam uma regulamentação própria, independente das leis nacionais, para julgar eventuais desaguisados entre empresas estrangeiras e governos ou outras entidades locais nos países em que invistam. Entre uma empresa americana e uma câmara municipal ou uma organização de moradores, por exemplo. Surgem vozes críticas na UE, tanto na Comissão como no Parlamento Europeu, dizendo que é preciso encontrar forma de reafirmar a autoridade europeia, impedindo governos nacionais e regionais como a Valónia, de travar acordos de comércio internacional – ou até Parlamentos nacionais, que só deveriam poder expressar-se sobre matérias de segundo plano, que tenham a ver com assuntos nacionais, relata o Politico.
“Temos de garantir que a Comissão possa fazer de novo acordos de comércio, aprovados democraticamente pelas instituições da UE. Não precisamos que os 28 Estados ou regiões os renegociem sozinhos para todo o bloco”, comentou Daniel Caspary, coordenador da Comissão de Comércio Internacional do Parlamento Europeu e eurodeputado da CDU alemã (texto da jornalista Clara Barata do Publico)

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