quinta-feira, maio 29, 2014

Relatório do BdP: Famílias pagam o preço mais alto do ajustamento

Escreve o Jornal I: "No final do programa de ajustamento económico e financeiro é possível concluir que foram globalmente cumpridos os objectivos originalmente traçados", mas....A conclusão do Banco de Portugal, na análise à evolução da economia no período da assistência, divulgada no relatório anual, não deixa de referir os elevados custos do ajustamento:
"A evolução macroeconómica foi, no entanto, substancialmente mais adversa do que o projectado inicialmente, com destaque para o elevado nível de desemprego". O desaparecimento de 680 mil empregos nos últimos cinco anos, perda de 360 mil postos de trabalho na indústria entre 2011 e 2013 e a saída de 121 mil pessoas do mercado do trabalho (para a emigração ou por desistência) apenas no último ano, são números que ajudam a perceber o preço pago pelas famílias portuguesas durante o período de assistência. O Banco de Portugal fala em "choque de rendimento". Em apenas três anos, entre 2011 e 2013, o rendimento disponível das famílias recuou em três anos para o nível observado em meados da década passada. O principal factor foi a evolução das remunerações médias do trabalho que caiu 10%. Com excepção de 2013, em que o grande golpe no rendimento se dá pela via do aumento do IRS, esta descida resulta da perda de empregos no sector privado e dos cortes salariais no Estado. Não obstante, o banco central até conclui que a queda dos salários reais ficou aquém da verificada em ajustamentos passados, cujo impacto foi disfarçado pela inflação. "Por detrás do véu da ilusão monetária escondem-se efeitos reais que não são imediatamente reconhecidos pelos agentes económicos". Nas famílias de menores rendimentos, os dados apontam para a inversão da tendência de descida da pobreza, muito por força do "aumento significativo do desemprego não subsidiado, bem como pelo aumento do número de desencorajados". Segundo o Banco de Portugal, há mais 250 mil pessoas nestas situações, número que só começou a descer recentemente.
O choque nos rendimentos teve duas consequências nos comportamentos: por um lado o consumo afunda para "o nível observado no início da última década". Ao mesmo tempo a taxa de poupança dispara para valores recorde do euro, o que também foi uma resposta das pessoas com maior rendimento a um clima de grande incerteza. Para o banco central, "estes resultados sugerem que as famílias interpretaram o choque sobre o rendimento disponível como essencialmente permanente". A queda do rendimento e do consumo ampliaram o efeito recessivo da austeridade e complicaram a consolidação orçamental, o que exigiu novas medidas de austeridade. Por outro lado, "o esforço de consolidação orçamental pelo lado da despesa no triénio 2011/13- apontado no programa como objectivo central - apenas foi suficiente para reverter o aumento da estrutural da despesa observado nos três anos anteriores". As famílias foram o único sector da economia que reduziu o nível do endividamento durante o período de assistência, não obstante continuarem a estar entre as mais endividadas nos países do euro onde ocorreram processos comparáveis. As elevadas necessidades de financiamento da economia portuguesa face à riqueza produzida, que desde a criação do euro e até à crise da dívida soberana foram satisfeitas pelos mercados internacionais, é apontada como uma das fragilidades estruturais que empurrou o país para a ajuda externa. Durante o período de assistência, o endividamento total das empresas subiu, apesar do comportamento diferenciado em alguns sectores. A desalavancagem também passou ao lado do Estado com a dívida pública a registar sucessivos recordes, pressionada pelo défice, queda do produto e operações extraordinárias como o apoio aos bancos.
CHOQUE NA PROCURA
Ao nível das empresas, o Banco de Portugal descreve um "choque de procura" para aquelas que dependiam do mercado doméstico. Este fenómeno foi ampliado pela restrição do crédito e a rigidez salarial (apesar da queda de 10% nas remuneração médias). As exportadoras têm a nota mais positiva ao ganharem quota no mercado internacional mesmo sem a ajuda cambial. O destaque vai para as sociedades com menos de dez anos de actividade que foram responsáveis por cerca de um terço do crescimento das exportações. O seu contributo foi travado pela conjuntura económica internacional mais desfavorável que a prevista (ver caixa). No entanto, reconhece o Banco de Portugal, a "experiência das empresas exportadoras não é naturalmente representativa do conjunto da economia portuguesa". 
Os erros e falhas do programa 
Crescimento internacional
•  O programa apontava para forte crescimento na procura externa dirigido à economia portuguesa
•  A projecção infundada teve implicações muito significativas nas previsões para a economia
•  A evolução internacional adversa explica uma parte substancial (três pontos percentuais do PIB e 1,2 pontos no emprego) dos erros de projecção.
Maior esforço orçamental
•  A execução orçamental, excluindo medidas temporárias e factores específicos, esteve sempre aquém dos objectivos inicialmente traçados
•  O esforço, ainda que sem precedentes, foi inferior ao inicialmente considerado
•  A aparente contradição é explicada pelo facto da quantificação das medidas orçamentais e seus impactos se ter revelado “manifestamente imperfeita”
•  As medidas previstas não eram consentâneas com a ambição dos objectivos traçados no défice e na dívida pública.
Empresas
•  O investimento em capital físico e na contratação de trabalhadores atingiu níveis particularmente baixos
•  Estas decisões acentuaram a tendência de queda observada antes do início do programa
•  O emprego registou uma forte queda e o desemprego ascendeu a níveis superiores a 16%, que afectou mais o desemprego de longa duração.
•  O nível historicamente baixo do investimento das empresas dificulta agora o arranque da economia"