Segundo
o Jornal I, “Seguro retomou debate sobre exclusividade profissional na saúde.
Tema tem mais de 20 anos mas faltam dados. A promessa de António José Seguro de
que, caso venha a governar, profissionais de saúde terão de optar pelo sector
privado ou pelo sector público reacendeu o debate sobre a exclusividade
profissional na saúde. As declarações do líder socialista à TVI, na
terça-feira, foram para já pretexto para o Ministério da Saúde, que em Janeiro
tinha anunciado estudar o tema, revelar avanços no dossiê: não há um
calendário, mas existe uma estratégia: antes de decidir a exclusividade
obrigatória ou apresentar uma proposta junto dos sindicatos, o governo quer
limitar situações de conflito de interesses que possam estar a prejudicar a
actividade do SNS. Entre
as alterações que estão a ser estudadas, disse ao i fonte governamental, está a
proibição de acumulação de funções de médicos que trabalhem em hospitais e
exerçam numa unidade privada na mesma área geográfica, num raio a definir.
Outro cenário passa por definir como incompatibilidade profissional trabalharem
em unidades do SNS que contratem análises clínicas ou exames radiológicos a
empresas de que sejam sócios. O
objectivo do governo é regulamentar estas áreas, dando seguimento ao trabalho
de definição de incompatibilidades instituído pelo último governo socialista e
que impede, por exemplo, directores clínicos de hospitais de exercerem as
mesmas funções em unidades privadas.
TEMA
RECORRENTE
O
tema da exclusividade no sector da saúde é recorrente mas geralmente
restringe-se aos médicos, que desde o governo de Leonor Beleza contestam a
proposta, entendendo que a separação de sectores não se resolve com limitação
profissional mas com uma remuneração adequada e incentivos à produtividade.
Ontem o Sindicatos dos Médicos Independentes não quis comentar o tópico
suscitado por Seguro. Já Maria Merlinde Madureira, vice-presidente da Federação
Nacional dos Médicos, rejeitou a limitação profissional e sublinhou que a separação
de sectores e o fim da actual "promiscuidade" só acontecerá quando o
Estado for transparente na sua relação com a saúde e deixar de pagar a
prestadores privados por alguns doentes, como beneficiários de subsistemas como
a ADSE, ou por consultas e exames a que não dá resposta. O tema da extinção da
ADSE foi introduzido em Janeiro pelo socialista Álvaro Beleza na discussão de
propostas para a reforma do SNS, onde se incluía já a questão da exclusividade
profissional. Na altura, Seguro descartou o fim do subsistema de saúde dos
funcionários públicos. O
Sindicatos dos Enfermeiros Portugueses considerou ontem a proposta positiva,
desde que signifique um aumento da remuneração. Para os médicos ouvidos pelo i,
esse ponto é central no debate e uma das razões por que a exclusividade
obrigatória nunca tenha avançado apesar de mais de 20 anos de discussões. Se os
ganhos em produtividade compensariam ou não o investimento, é trabalho de
análise que está por fazer. No início do ano, quando a questão foi debatida, o director
do Hospital de São João, um defensor da exclusividade, avançou com números
concretos: estabelecer esta regra, no caso dos médicos, seria uma fonte de
poupança. O administrador disse então que poderia prescindir de 20% do pessoal,
cerca de mil profissionais, se pudesse impor a dedicação exclusiva e pagar
incentivos.
MISSÃO
IMPOSSÍVEL
Se
a promiscuidade entre sector privado e público são percepções comuns, com envio
de doentes ou blocos cirúrgicos vazios por falta de médicos no período da
tarde, o único estudo sobre o assunto, uma tese de mestrado do gestor
hospitalar Carlos Gante publicada em 2011, sugeriu faltarem evidências. Sem
dados rigorosos sequer sobre quantos profissionais acumulam funções no privado
e público, há para já limitações concretas ao avançar de uma política de
exclusividade. Por um lado, as unidades de saúde não podem oferecer contratos
com exclusividade aos profissionais desde 2008, quando este regime foi revogado
pelo governo socialista. Em contrapartida, mesmo contratos individuais de
trabalho em que os gestores poderiam considerar essa opção vantajosa estão, com
a chegada da troika, limitados às tabelas da função pública, estando a hipótese
afastada.
Francisco
Ramos, hoje gestor do IPO de Lisboa, era secretário de Estado da Saúde quando
em 2008 o governo socialista propôs aos sindicatos a dedicação exclusiva
obrigatória, tema que viria a cair já com Ana Jorge como ministra, segundo
explicou a médica ao i no ano passado porque isso "implicava uma
remuneração mais adequada e não havia condições de o fazer." Para o
administrador do IPO, é positivo que o tema volte a ser discutido, mas acredita
que hoje as condições financeiras são menos propícias para que o regime avance.
Para o gestor, mais do que uma imposição isolada, seria importante rever o
paradigma de remuneração, não por horas mas por desempenho e produtividade.
Ainda assim, no caso do IPO, admite que a dedicação exclusiva permitiria pôr,
por exemplo, o hospital a funcionar normalmente ao sábado. Já o ex-ministro
Correia da Campos diz não recordar a proposta em concreto, mas já depois de
deixar o governo defendeu uma imposição gradual de exclusividade aos
profissionais de saúde como a que agora admite Seguro, a começar pelos novos.
"Esta é uma medida que durante muitos anos foi obstaculizada pelos médicos
e considerada politicamente difícil", disse ao i. "Penso que hoje o
ambiente político está maduro suficiente para que tenha seguimento. Com tantas
mudanças radicais no país, esta tem um caracter racional e beneficia o sistema.
As pessoas compreendem agora que é preciso haver racionalidade e
qualidade", disse, admitindo que esse não foi o seu caso quando esteve à
frente da Saúde. Correia de Campos admite que a opção exige financiamento, mas
diz que hoje o dinheiro necessário é gasto, mas mal. "Está em horas extras
por vezes pouco produtivas."