quinta-feira, julho 05, 2012

Opinião: "As perigosas relações entre políticos e jornalistas franceses"

"Há muito que a França se habituou às relações afectuosas entre a classe política e os jornalistas que a escrutinam. Mas as regras do jogo mudaram e quem dorme com políticos tem visto a sua carreira sofrer com a ascensão dos companheiros, começando pela própria primeira-dama, Valérie Trierweiler. Audrey Pulvar refere-se aos tempos em que o marido era apenas uma das figuras da oposição como o período em que «ainda tinha um cérebro». O que se passou na sua vida pessoal desde que, em Novembro de 2010, Arnaud Montebourg se candidatou às primárias socialistas não é razão para menos: a então cara bonita do jornalismo televisivo francês é agora apenas a companheira do ministro da Competitividade e prepara-se para ficar no desemprego em Setembro. Em França as elites continuam a não ver a sua vida privada devassada à moda britânica mas também já não se vive nos tempos em que o Presidente era entrevistado na televisão pelas mulheres de dois dos seus ministros – aconteceu em Abril de 1992, quando François Mitterrand foi questionado por Anne Sinclair, casada com o então ministro da Indústria Dominique Strauss-Kahn, e Christine Ockrent, par de Bernard Kouchner, futuro ministro dos Negócios Estrangeiros de Nicolas Sarkozy que na época detinha a pasta da Saúde. Em 1992 estava Audrey Pulvar a meio da sua licenciatura na Escola Superior de Jornalismo de Paris. E se o modelo de carreira foi inspirado em Sinclair e Ockrent tudo correu na perfeição até se perceber que o país já não é o que era. A própria Anne Sinclair deu o exemplo já em 1997 ao deixar o 7/7, então principal programa político da TF1, quando Strauss-Kahn foi nomeado ministro das Finanças. E quando Montebourg, então adjunto do líder do partido de François Mitterand, anunciou a intenção de enfrentar Sarkozy nas últimas presidenciais, a iTV – televisão onde Pulvar apresentava um noticiário das 19h às 20h depois de passagens pela TV das Antilhas, France 3 e Canal Parlamento – decidiu suspendê-la. Uma decisão polémica que 15 dias mais tarde seria alterada, com o regresso de Pulvar à antena para uma entrevista não política de dez minutos, transmitida às 19h40. O formato não resulta e é alterado várias vezes até que, em Julho de 2011, a jornalista anuncia a sua saída da estação.
Maridos a subir, mulheres a descer
Indignada, manteve-se na rádio France Inter, com um programa de actualidade internacional das 6h às 7h, e reapareceu nos ecrãs em Setembro de 2011 no programa de debate político On n’est pas couché na France 2. Até que Montebourg é nomeado ministro do Executivo socialista e tanto a France Inter como a France 2 anunciam não contar mais com a companheira do governante – na TV tem a despedida agendada para o fim do Verão. De súbito a carreira de Pulvar perde semelhanças com as de Sinclair e Ockrent e aproxima-se da de Béatrice Schonberg, que caiu em desgraça depois de se casar com Jean-Louis Borloo em 2005, quando este exercia as funções de ministro do Emprego. Então afastada do noticiário das 20h da France 2, Schonberg só agora regressou, com o mesmo horário mas apenas aos fins-de-semana. Os tempos mudaram. Mitterrand – que contou com a cumplicidade da imprensa para esconder uma filha ilegítima durante décadas – não colheu grandes frutos de uma entrevista que acabou por ser muito criticada pela falta de dureza das perguntas e uns meses depois liderava os socialistas no seu pior resultado eleitoral da V República – nas legislativas de 1993, o PS ficou-se pelos 53 deputados eleitos. A relação próxima entre jornalistas e políticos continua a dar frutos – as relações do Presidente François Hollande e de três dos seus ministros com jornalistas assim o demonstra – mas o multiplicar de veículos de informação e comentário, em especial as redes sociais, levam quer os protagonistas quer os seus patrões a encararem o assunto com prudência. E nem as primeiras-damas escapam: Valérie Trierweiler, a mais recente inquilina do Eliseu, trocou a política pela cultura da Paris Match mal Hollande se tornou candidato presidencial. «Deixei o jornalismo político, o que já é alguma coisa, mas pretendo continuar mesmo com toda a resistência que vou enfrentar», afirmou uma primeira-dama que recentemente mostrou não se inibir na escrita ao declarar no Twitter o apoio ao candidato rival da ex-mulher de Hollande, Ségolène Royal. Já Valérie de Senneville, jornalista da área da Justiça no jornal Les Echos e mulher do ministro do Trabalho Michel Sapin, questiona se é razão para «desistir durante a noite do que se leva dez ou 20 anos a construir». E fê-lo em carta aberta ao conselho editorial do seu jornal, pedindo para que seja este a «definir uma linha clara de responsabilidade». Valérie diz que «ama» o seu trabalho e defende que a «melhor maneira» de o fazer é sendo «transparente como sempre», incluindo dizer «com quem» vive
" (texto do jonalista Nuno Escobar de Lima publicado no Sol, com a devida vénia)

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