quarta-feira, janeiro 12, 2011

Voto eletrónico sai caro e pode ser desnecessário

"Votar com um simples toque no ecrã do computador seria 320% mais caro do que o voto tradicional na urna. O custo por eleitor quadruplicava. A eleição tradicional em dez anos custa, segundo a Deloitte, 82 milhões de euros. O voto eletrónico custaria 346 milhões de euros. O voto eletrónico, que substitui a velha urna por um moderno computador, não verá tão cedo o dia em Portugal. Os estudos estão feitos e pelo menos mais um deverá ainda surgir, mas poucos acreditam que a tradicional “caixinha” venha a ser reformada nos próximos anos. Tudo depende de uma decisão política, mas o seu custo seria de largas dezenas de milhões de euros, segundo disse ao Expresso Jorge Miguéis, diretor da área eleitoral da Direção-Geral da Administração Interna (ex-STAP). Pior, no contexto português seria praticamente inútil.
A primeira experiência piloto foi realizada nas eleições autárquicas de 1997 e os testes repetiram-se nas de 2001, nas europeias de 2004 e nas legislativas de 2005. As auditorias então realizadas apontavam para vantagens mínimas e um investimento absolutamente injustificado. Um estudo da Deloitte, de março de 2007, conclui que o custo de um processo eleitoral com votação eletrónica nas milhares de assembleias de voto existentes em todo o país aumentaria mais de 300% relativamente ao processo tradicional. Em tempos de crise, isto não parece uma decisão acertada. Por outro lado, coloca-se a questão da própria inutilidade da alteração. A grande mais-valia deste processo — a rapidez na obtenção de resultados eleitorais — não se verifica em países com a dimensão de Portugal, onde entre o fecho das urnas e a divulgação dos resultados não distam mais de quatro horas. E mesmo para quem vaticinava uma redução da abstenção com o voto em mobilidade (a possibilidade de o eleitor votar em qualquer assembleia) ficou dececionado com os exemplos verificados em Inglaterra e Suíça. Segundo Jorge Miguéis, a abstenção “não se reduziu em mais de 3%”.
A votação em mobilidade teria, é certo, outras vantagens do ponto de vista do cidadão-eleitor. Para os que residem no território nacional, permitiria a votação em qualquer assembleia independentemente do local de recenseamento e, para os que vivem no estrangeiro, substituiria o voto por correspondência. Todavia, o mais importante — a confiabilidade, fiabilidade e segurança — não estão garantidos. Jorge Miguéis é perentório em relação a esse aspeto, no que é acompanhado pelos relatórios dos observatórios nos diversos países onde se desenvolvem os projetos-piloto. Um relatório elaborado em 2005 pelo Observatório espanhol do Voto Eletrónico é elucidativo: “Detetaram-se níveis intoleráveis de vulnerabilidade (...), não cumpre os requisitos básicos de confidencialidade do voto”. Em suma, dos três objetivos a que se propunha — facilitar a recontagem, dar maiores garantias de fiabilidade e confiabilidade e proporcionar maior segurança, efetivamente, “só cumpre o primeiro”.
OUTROS EXEMPLOS
Espanha
O teste do voto eletrónico realizado em Espanha, em 2005, no referendo sobre o Tratado da Constituição Europeia, ainda que só abrangendo dois milhões de eleitores, é fortemente criticado pelo Observatório do Voto Eletrónico (OVE). O sistema escolhido (Indra) foi um dos três testados em Portugal. O relatório começa por referir as “condições adversas” em que realizou a auditoria, mas não impeditivas de considerar aquela experiência como “um rotundo fracasso”. O OVE refere a ausência de garantias para os votantes, designadamente a “não emissão de acreditação do voto”, a ausência de “procedimentos de anulação, de impugnação, de verificação e de procedimentos” que garantam que “o votante é o único possuidor do seu certificado”.
Estónia
Esta antiga República Soviética, que faz parte da UE, tem talvez o processo mais avançado deste sistema. A votação não presencial permite ao eleitor votar através da Internet. Contudo, apesar de 80% dos eleitores o poderem fazer, em 2005 apenas 0,9% recorreram a essa facilidade. Em 2007, todos poderiam recorrer à Internet, mas apenas 3,4% o fizeram. A votação é feita entre treze a quatro dias antes, para reduzir as possibilidades de compra de votos ou coação dos eleitores. Neste processo são permitidas votações múltiplas, contando apenas a última. A eleição de 2007 foi acompanhada por uma missão da OSCE, cujo relatório apresenta, segundo revela o trabalho publicado no site da UMIC, dez recomendações que espelham dúvidas sobre a fiabilidade, confiabilidade e segurança do voto.
Holanda
A Holanda tem a experiência mais antiga de voto eletrónico. A sua introdução experimental deu-se em 1974, mas a experiência seria interrompida em 2008, regressando-se ao voto em papel. Como se refere no estudo da Deloitte, “surgiram dúvidas quanto à segurança”. O estudo conta que em outubro de 2006, num programa de televisão, um grupo de cidadãos holandeses exemplificou a modificação de uma máquina de voto fabricada pela Nedap (empresa holandesa que fornecia as máquinas à Alemanha). Com a modificação de um componente, em apenas cinco minutos, alteravam ou simulavam os resultados de uma votação. O efeito foi desastroso e desacreditou todo o processo. A Holanda abandonou o sistema e a Alemanha também.
Reino Unido
A votação eletrónica no Reino Unido iniciou-se em 2002, em “experiências-piloto nas eleições locais em Inglaterra e País de Gales”, e prosseguiu em 2003 e 2007. Neste processo, o eleitor votou na mesa onde estava recenseado, recorrendo a computadores de ecrã tátil, no chamado voto presencial sem mobilidade. Foi ainda permitido o voto não presencial, através de SMS, por Internet. Segundo a Deloitte, os custos por votante foram, em 2002, de 150€, quando no sistema tradicional não ultrapassaram 1,5 por eleitor. Já na experiência de 2007, o custo por votante oscilou entre os €150 e os 900€. O relatório da Comissão Eleitoral é claro, considerando a segurança e a transparência “insuficientes” e aconselhando a interrupção.
EUA
As votações eletrónicas em assembleias de voto são uma tradição nos EUA. O primeiro Estado a adotá-las foi o Oklahoma, em 1990. Mas os problemas que se prendem com a confiabilidade do voto, designadamente o sistema de voto em cartões perfurados, têm obrigado a constantes alterações legislativas e até dos mecanismos de controlo. Um dos mais conhecidos processos deu-se em 2000, na Florida, no combate eleitoral entre George W. Bush e Al Gore. O problema de confiabilidade do sistema colocou-se também no voto eletrónico remoto, que, em 2004, obrigou ao cancelamento do projeto que permitia a votação dos militares no estrangeiro pela Internet" (do semanário Expresso com a devida venia)

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