sexta-feira, maio 08, 2015

James Curran: “Subsídios públicos podem reduzir a dependência” dos media



"A Internet trouxe novas ferramentas para os media, mas também um problema de negócio, que está a afectar a qualidade da democracia, diz James Curran, professor na Goldsmiths University of London. O académico dá o exemplo da rádio e da televisão para defender que a intervenção estatal traz benefícios quando surge uma nova tecnologia. Numa conversa após uma conferência na Universidade Católica, em Lisboa, Curran afirmou também que o público tem o direito a conhecer conflitos de interesse relacionados com os donos dos media.
·      O jornalismo é uma peça fundamental da democracia que tem a particularidade de precisar de ser um negócio saudável. A crise do negócio está a afectar a qualidade das democracias?
- Sim. No Reino Unido, nos últimos anos, tem havido uma redução de jornalistas empregados, de forma semelhante ao que acontece nos EUA. A consequência disso é que a imprensa está mais dependente das relações públicas e do jornalismo do corta e cola. A Internet devia facilitar o acesso a fontes de informação diversificada, mas, na prática, a pressão para os jornalistas produzirem mais, e com menos pessoas, aumenta a dependência de fontes já conhecidas, de fontes do establishment. A qualidade do jornalismo está a reduzir-se em consequência do desvio da publicidade para sites, o que inclui sites que não são jornalismo.
·      O jornalismo em certos aspectos está melhor. Os jornalistas sabem melhor o que o público quer, têm mais ferramentas, podem comunicar com a audiência de uma forma mais directa do que antes da Internet. Concorda?
- O argumento é que na Internet os jornalistas estão mais cientes daquilo que leitores e espectadores querem. O que não se concretizou foi a esperança de que os “cidadãos jornalistas” iriam conseguir uma horda de leitores. Os maiores sites na Grã Bretanha são todos controlados por instituições de media. E encontramos o mesmo padrão noutros países. Mas isto depende do contexto. Na Coreia do Sul, um site chamado Oh My News, que é uma produção conjunta de amadores e profissionais, construiu uma enorme audiência. A razão foi haver uma revolta cultural contra o conformismo e uma revolta contra um regime totalitário [alguns académicos e críticos do Governo sul-coreano têm argumentado que o país está a funcionar numa lógica totalitarista].
·      Esses sites que surgem fora das instituições jornalísticas não têm normalmente falhas de isenção? Há o caso de Glenn Greenwald, que tem agora um site e que trabalhou com o Guardian no caso de Edward Snowden. Muitos dizem que Greenwald não é um jornalista, por ter uma agenda própria.
- Depende do contexto. Na América, onde há uma tradição muito forte de jornalismo profissional e de objectividade desinteressada, isso é um problema maior do que no Reino Unido, onde a tradição é a de ser partidário.
·      Acha possível que partidos políticos e grandes empresas possam chegar directamente ao público, saltando os jornalistas? Há partidos que já têm sites que, em termos de aspecto, são semelhantes a sites noticiosos.
- Julgo que não. Os dados mostram que as instituições estabelecidas, os jornais e as televisões, dominam o consumo de notícias na Internet. Num estudo que fizemos em dez países, verificámos que as fontes de informação usadas por sites eram muito similares às usadas por jornais e televisões. O Estado era a mais usada. A oposição política também era muito importante. As organizações da sociedade civil eram muito pouco importantes.
Os partidos estão em crise. Por isso, a ideia de que vão chegar a grandes audiências vai contra os factos. As filiações partidárias estão em queda, o número de pessoas a votar também. Tenho dado o exemplo da Primavera Árabe. Há alguma mitologia em torno da Primavera Árabe. A penetração do Facebook, do Twitter, mesmo da Internet, é muito baixa no Egipto. Foi o contexto de uma oposição organizada e uma longa história que inclui sindicatos, a Irmandade Muçulmana, a expansão da educação, insatisfação… O contexto fez a revolução, a Internet facilitou-a. Mas a Internet, sem o contexto, não seria a causa.
·      Por que emergiu essa narrativa de uma revolução do Twitter?
- Foi a vontade de satisfazer o desejo de que a tecnologia consegue resolver tudo. É uma das grandes mitologias modernas, que é parcialmente verdade: a tecnologia leva ao progresso. O que aconteceu é que houve um golpe militar e a América alinhou por razões geopolíticas. O poder da palavra foi menos forte do que o poder das armas e que a lógica da geopolítica.
O seu último livro é sobre isto: a forma como estaremos a sobreestimar o efeito da Internet. O argumento principal é que a Internet faz uma grande diferença apenas em conjunção com um contexto. A Primavera Árabe é uma ilustração disso. Em princípio, as novas tecnologias poderiam produzir um grande renascimento no jornalismo. Mas não está a ser assim.
·      Porque está a dificultar o negócio?
- Exacto.
·      Imagina um cenário-limite, em que os jornais não encontram um modelo de negócio viável? Alguns jornais conseguem hoje ser bem sucedidos, mas já não há, como antes, um modelo que funcione bem para todos.
- Seria um processo de declínio progressivo em que menos jornalistas produziriam pior jornalismo e abarcavam menos dimensões [da sociedade]. Muitos jornais fechariam e haveria uma maior concentração empresarial de jornais. Acho que alguns poderia sobreviver através de financiamento vindo de pessoas ricas.
·      O modelo de filantropia, que existe nos EUA?
- Ou oligarcas russos.
·      O Estado deve intervir?
- Depende do que vier a acontecer. Mas se o Estado não intervier, o financiamento pode acabar por vir de oligarcas ou de grandes empresas, funcionando [os jornais] como um departamento de relações públicas. Pensemos no serviço público de rádio e televisão. Era uma tecnologia nova e o Estado interveio para criar empresas públicas. Na Grã Bretanha, houve uma luta terrível sobre se a BBC deveria poder dar notícias, porque os jornais diziam que era concorrência desleal. E, no início, nos anos 1920, a BBC era a voz do Governo. Gradualmente, foi-se tornando independente. A forma como a intervenção do Estado fomentou um enorme avanço na transmissão televisiva diz-nos que podemos ter uma intervenção equivalente na Internet.  Há uma estranha noção de que uma subsidiação privada permite independência, enquanto uma subsidiação pública não. É simplista. Subsídios públicos podem reduzir a dependência de oligarcas. E, não dispiciendo, o jornalismo na Internet é barato...
·      Não exigiria muito dinheiro dos contribuintes…
- Talvez não deva ser dinheiro dos contribuintes. Talvez deva ser dinheiro de uma taxa sobre o Google.
·      O Google deve pagar por usar os conteúdos dos media?
Sim. E também é possível ter uma taxa sobre os operadores de telecomunicações. Por outras palavras, é possível taxas as partes lucrativas do sector da comunicação, para subsidiar uma imprensa vigorosa.
·      Nos anos recentes, há muitos escândalos, nomeadamente políticos, a serem descobertos por jornalistas. Tem acontecido cá em Portugal, mas também no Reino Unido. Como é que concilia isto com a sua visão de uma imprensa pouco vigorosa?
- É uma questão de contexto. Suspeito que haja um forte debate político a acontecer na sociedade civil em Portugal e isso influencia o jornalismo. A tendência na Grã Bretanha tem sido para dar mais atenção ao jornalismo de celebridades e ao entretenimento.
·      É uma estratégia bem sucedida?
- As pessoas lêem avidamente histórias sobre as vidas de figuras públicas, mas isso não parou a queda livre da circulação. A resposta para a crise económica [dos media] não tem sido mais desse jornalismo independente e de investigação que está a descrever. Tem sido mais fofocas.
·      Acha que as empresas de media têm obrigações especiais de transparência, nomeadamente no que diz respeito à propriedade?
- Claro que a transparência é desejável. O público deve saber se existem conflitos de interesse. Mas a transparência não é suficiente. Deve haver directores de jornais independentes, alguns deles seleccionados pela redacção. É a melhor garantia.
·      Quem é que quer ser dono de um jornal se nem puder escolher o director?
- Ainda há benefícios. Quando se é dono de um jornal, tem-se um cartão de visita para qualquer área da sociedade, tem-se influência que não se teria de outra forma" (entrevista realizada pelo jornalista JOÃO PEDRO PEREIRA, do Público, com a devida vénia)

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