"A Internet trouxe novas
ferramentas para os media, mas também um problema de negócio, que está a
afectar a qualidade da democracia, diz James Curran, professor na Goldsmiths
University of London. O académico dá o exemplo da rádio e da televisão para
defender que a intervenção estatal traz benefícios quando surge uma nova
tecnologia. Numa conversa após uma conferência na Universidade Católica, em
Lisboa, Curran afirmou também que o público tem o direito a conhecer conflitos
de interesse relacionados com os donos dos media.
· O jornalismo é uma
peça fundamental da democracia que tem a particularidade de precisar de ser um
negócio saudável. A crise do negócio está a afectar a qualidade das
democracias?
- Sim. No Reino Unido, nos
últimos anos, tem havido uma redução de jornalistas empregados, de forma
semelhante ao que acontece nos EUA. A consequência disso é que a imprensa está
mais dependente das relações públicas e do jornalismo do corta e cola. A
Internet devia facilitar o acesso a fontes de informação diversificada, mas, na
prática, a pressão para os jornalistas produzirem mais, e com menos pessoas,
aumenta a dependência de fontes já conhecidas, de fontes do establishment. A
qualidade do jornalismo está a reduzir-se em consequência do desvio da
publicidade para sites, o que inclui sites que não são jornalismo.
· O jornalismo em certos
aspectos está melhor. Os jornalistas sabem melhor o que o público quer, têm
mais ferramentas, podem comunicar com a audiência de uma forma mais directa do
que antes da Internet. Concorda?
- O argumento é que na
Internet os jornalistas estão mais cientes daquilo que leitores e espectadores
querem. O que não se concretizou foi a esperança de que os “cidadãos
jornalistas” iriam conseguir uma horda de leitores. Os maiores sites na Grã
Bretanha são todos controlados por instituições de media. E encontramos o mesmo
padrão noutros países. Mas isto depende do contexto. Na Coreia do Sul, um site
chamado Oh My News, que é uma produção conjunta de amadores e profissionais,
construiu uma enorme audiência. A razão foi haver uma revolta cultural contra o
conformismo e uma revolta contra um regime totalitário [alguns académicos e
críticos do Governo sul-coreano têm argumentado que o país está a funcionar
numa lógica totalitarista].
· Esses sites que surgem
fora das instituições jornalísticas não têm normalmente falhas de isenção? Há o
caso de Glenn Greenwald, que tem agora um site e que trabalhou com o Guardian
no caso de Edward Snowden. Muitos dizem que Greenwald não é um jornalista, por
ter uma agenda própria.
- Depende do contexto. Na
América, onde há uma tradição muito forte de jornalismo profissional e de
objectividade desinteressada, isso é um problema maior do que no Reino Unido,
onde a tradição é a de ser partidário.
· Acha possível que
partidos políticos e grandes empresas possam chegar directamente ao público,
saltando os jornalistas? Há partidos que já têm sites que, em termos de
aspecto, são semelhantes a sites noticiosos.
- Julgo que não. Os dados
mostram que as instituições estabelecidas, os jornais e as televisões, dominam
o consumo de notícias na Internet. Num estudo que fizemos em dez países,
verificámos que as fontes de informação usadas por sites eram muito similares
às usadas por jornais e televisões. O Estado era a mais usada. A oposição política
também era muito importante. As organizações da sociedade civil eram muito
pouco importantes.
Os partidos estão em crise.
Por isso, a ideia de que vão chegar a grandes audiências vai contra os factos.
As filiações partidárias estão em queda, o número de pessoas a votar também.
Tenho dado o exemplo da Primavera Árabe. Há alguma mitologia em torno da
Primavera Árabe. A penetração do Facebook, do Twitter, mesmo da Internet, é
muito baixa no Egipto. Foi o contexto de uma oposição organizada e uma longa história
que inclui sindicatos, a Irmandade Muçulmana, a expansão da educação,
insatisfação… O contexto fez a revolução, a Internet facilitou-a. Mas a
Internet, sem o contexto, não seria a causa.
· Por que emergiu essa
narrativa de uma revolução do Twitter?
- Foi a vontade de satisfazer
o desejo de que a tecnologia consegue resolver tudo. É uma das grandes
mitologias modernas, que é parcialmente verdade: a tecnologia leva ao
progresso. O que aconteceu é que houve um golpe militar e a América alinhou por
razões geopolíticas. O poder da palavra foi menos forte do que o poder das
armas e que a lógica da geopolítica.
O seu último livro é sobre
isto: a forma como estaremos a sobreestimar o efeito da Internet. O argumento
principal é que a Internet faz uma grande diferença apenas em conjunção com um
contexto. A Primavera Árabe é uma ilustração disso. Em princípio, as novas
tecnologias poderiam produzir um grande renascimento no jornalismo. Mas não
está a ser assim.
· Porque está a
dificultar o negócio?
- Exacto.
· Imagina um cenário-limite,
em que os jornais não encontram um modelo de negócio viável? Alguns jornais
conseguem hoje ser bem sucedidos, mas já não há, como antes, um modelo que
funcione bem para todos.
- Seria um processo de
declínio progressivo em que menos jornalistas produziriam pior jornalismo e
abarcavam menos dimensões [da sociedade]. Muitos jornais fechariam e haveria
uma maior concentração empresarial de jornais. Acho que alguns poderia
sobreviver através de financiamento vindo de pessoas ricas.
· O modelo de filantropia,
que existe nos EUA?
- Ou oligarcas russos.
· O Estado deve
intervir?
- Depende do que vier a
acontecer. Mas se o Estado não intervier, o financiamento pode acabar por vir
de oligarcas ou de grandes empresas, funcionando [os jornais] como um
departamento de relações públicas. Pensemos no serviço público de rádio e
televisão. Era uma tecnologia nova e o Estado interveio para criar empresas
públicas. Na Grã Bretanha, houve uma luta terrível sobre se a BBC deveria poder
dar notícias, porque os jornais diziam que era concorrência desleal. E, no
início, nos anos 1920, a BBC era a voz do Governo. Gradualmente, foi-se
tornando independente. A forma como a intervenção do Estado fomentou um enorme
avanço na transmissão televisiva diz-nos que podemos ter uma intervenção
equivalente na Internet. Há uma estranha
noção de que uma subsidiação privada permite independência, enquanto uma
subsidiação pública não. É simplista. Subsídios públicos podem reduzir a
dependência de oligarcas. E, não dispiciendo, o jornalismo na Internet é
barato...
· Não exigiria muito
dinheiro dos contribuintes…
- Talvez não deva ser dinheiro
dos contribuintes. Talvez deva ser dinheiro de uma taxa sobre o Google.
· O Google deve pagar
por usar os conteúdos dos media?
Sim. E também é possível ter
uma taxa sobre os operadores de telecomunicações. Por outras palavras, é
possível taxas as partes lucrativas do sector da comunicação, para subsidiar
uma imprensa vigorosa.
· Nos anos recentes, há
muitos escândalos, nomeadamente políticos, a serem descobertos por jornalistas.
Tem acontecido cá em Portugal, mas também no Reino Unido. Como é que concilia
isto com a sua visão de uma imprensa pouco vigorosa?
- É uma questão de contexto.
Suspeito que haja um forte debate político a acontecer na sociedade civil em
Portugal e isso influencia o jornalismo. A tendência na Grã Bretanha tem sido
para dar mais atenção ao jornalismo de celebridades e ao entretenimento.
· É uma estratégia bem
sucedida?
- As pessoas lêem avidamente
histórias sobre as vidas de figuras públicas, mas isso não parou a queda livre
da circulação. A resposta para a crise económica [dos media] não tem sido mais
desse jornalismo independente e de investigação que está a descrever. Tem sido
mais fofocas.
· Acha que as empresas
de media têm obrigações especiais de transparência, nomeadamente no que diz
respeito à propriedade?
- Claro que a transparência é
desejável. O público deve saber se existem conflitos de interesse. Mas a
transparência não é suficiente. Deve haver directores de jornais independentes,
alguns deles seleccionados pela redacção. É a melhor garantia.
· Quem é que quer ser
dono de um jornal se nem puder escolher o director?
-
Ainda há benefícios. Quando se é dono de um jornal, tem-se um cartão de visita
para qualquer área da sociedade, tem-se influência que não se teria de outra
forma" (entrevista realizada pelo jornalista JOÃO PEDRO PEREIRA, do
Público, com a devida vénia)
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