“No número 56 da Via Ascanio Grandi, em Lecce,
Itália, deveria ter nascido uma típica trattoria italiana. Cerca de 14 anos
depois dos primeiros passos do projecto, ainda não há trattoria. Tudo porque um
problema de canalização na casa de banho daquele que seria um pequeno
restaurante revelou-se mais complexo do que seria esperado. Literalmente
debaixo da sanita escondiam-se séculos de história. Em 2001, Luciano Faggiano
estava determinado em abrir uma trattoria no centro histórico de Lecce, cidade
localizada no salto da bota que desenha geograficamente Itália. Tudo parecia
bem, à excepção de um problema na casa de banho. A sanita devolvia o que devia
desaparecer pela canalização do edifício. Com a ajuda de dois dos seus filhos
decidiu resolver o problema. De um pequeno buraco para aceder à canalização,
Faggiano e os filhos acederam a uma pequena divisão que se escondia debaixo da
casa de banho. Incrédulos com o achado continuaram nos dias seguintes a
investigar e deparam-se com várias outras divisões e corredores de um mundo
cheio de história esquecido durante séculos. O que foi sendo descoberto data de
vários séculos, alguns mesmo anteriores ao nascimento de Jesus, como foi o caso
de um túmulo messápio, com data estimada do século V antes de Cristo. Durante
as escavações foi ainda encontrado um celeiro romano destinado ao armazenamento
de grão, bem como aquilo que terá sido a cave de um convento franciscano onde
eram preparados os corpos dos mortos. O convento terá sido encerrado entre os
séculos XVI e XVII. Foi também descoberto um poço com cerca de dez metros de
profundidade, onde é possível ver água vinda do rio Idume.
As primeiras escavações foram feitas sob total
secretismo mesmo da própria mulher, com a ajuda dos filhos, mesmo do mais novo,
na altura com 12 anos, que amarrado com uma corda à cintura entrava nos espaços
mais apertados para dar indicações ao pai e irmãos sobre o que estava por trás
de mais uma parede ou buraco. O processo de escavação era ilegal e Faggiano
sabia-o mas continuava a escavar e a retirar o entulho nas traseiras do seu
carro às escondidas da mulher e dos vizinhos. Faggiano acabou por ser
denunciado às autoridades por actividades suspeitas. As obras foram
investigadas e canceladas pela polícia, a quem o italiano disse que apenas
estava a investigar de onde vinha o problema na canalização. Após um ano de
medição de forças com as autoridades, Faggiano acabou por ter autorização para
continuar com os trabalhos de reparação dos canos mas sob vigilância. Com o
avançar dos trabalhos começaram a emergir pequenos artefactos, divisões e
corredores, frescos, pinturas medievais. Na última década, a família restaurou
as divisões que foi encontrando sob a supervisão e apoio da Superintendência da
Herança Cultural de Taranto e de uma equipa de arquitectos. Actualmente o
espaço está aberto ao público como Museu Faggiano, onde estão expostos milhares
de artefactos, alguns com mais de 2000 anos. O edifício tem um serviço de
restaurante no primeiro piso destinado aos visitantes do museu, bem como uma
sala de exposições no mesmo andar. Algumas divisões podem ser reservadas para
eventos privados. Portanto, nada de projectos para uma trattoria, apesar de
Luciano Faggiano garantir em declarações ao The New York Times que o projecto
continua em cima da mesa. “Sou muito teimoso”, assegura o italiano, que
sustenta a família com os rendimentos que consegue com o arrendamento de um
apartamento e de outras propriedades. Mais de 10 anos depois da sua descoberta,
Faggiano conseguiu finalmente encontrar o problema na canalização. Um cano estava
partido. Já foi reparado” (fonte: Público)