Garante o Sol que a “redução acumulada nas pensões
pode chegar a 25% desde o início do programa da troika. Finanças alegam que
medidas «não vão além do admissível num Estado de direito». Sindicatos preparam
luta. Antes da troika, Armando Alcaria reformou-se com quase quatro décadas a
trabalhar como quadro médio e superior do Estado. O recibo de vencimento que
recebia mensalmente da Caixa Geral de Aposentações (CGA) tinha como valor
líquido 1.872 euros. Depois vieram os cortes: menos deduções no IRS para
pensionistas, aumento dos descontos, mais contribuições para a ADSE, sobretaxa
sobre o subsídio de Natal, suspensão dos subsídios e Contribuição Extraordinária
de Solidariedade. Hoje, o montante líquido da pensão é de 1.641 euros, mesmo
com a devolução em duodécimos de um dos subsídios. E, se o corte proposto esta
semana aos sindicatos pelo Governo for concretizado, este reformado arrisca uma
redução acumulada de cerca de 25% na pensão, desde o início do programa de
assistência. «Tenho feito um esforço para não fazer muitas contas. Evito
chatear-me», desabafa ao SOL o pensionista de 65 anos. Armando faz parte do
grupo de mais de 300 mil pensionistas da CGA com uma reforma superior a 600
euros, que enfrenta a possibilidade de um corte até 10% na pensão a partir de
Janeiro de 2014.
Como funcionam os cortes
A proposta foi apresentada pelo secretário de Estado
da Administração Pública, Hélder Rosalino, e consiste na convergência entre o
regime da CGA e as regras que já estão em vigor no sector privado. Mas tem
efeitos retroactivos e isenções apenas para quem ganhe menos de 600 euros ou
tenha mais de 75 anos. As fórmulas dos cortes foram conhecidas esta semana.
Para quem recebe uma pensão de reforma atribuída até final de 2005 e tiver
entrado na CGA até 1993, haverá um corte de 10% no valor total da pensão bruta.
Para quem foi para a reforma depois daquela data, o cálculo é um pouco mais
complexo. Apenas uma parcela da reforma, correspondente aos anos de trabalho
até final de 2005, será recalculada. Em vez de ser tido em conta cerca de 90%
do salário, como estabelecido no momento da atribuição da pensão, será tido em conta
apenas 80%. Quem se reformou perto de 2006 será quem mais vai sentir esta
mudança de cálculo, porque tem mais anos recalculados. O secretário de Estado
Hélder Rosalino assegurou que o corte nunca ultrapassará os 10%. «Em muitos
casos será inferior, porque há cláusulas de salvaguarda de rendimento», referiu
o governante, em declarações aos jornalistas. Contudo, os sindicatos da função
pública alegam que a legislação não pormenoriza qualquer cláusula de
salvaguarda, com limite de 10% nos cortes de quem se reformou depois de 2005.
«É uma das questões a abordar nas negociações. Essa cláusula terá de estar no
papel», diz ao SOL José Abraão, dirigente da Federação Sindical da Administração
Pública (FESAP). Hélder Rosalino e os sindicatos têm uma ronda negocial no
final do mês, mas um entendimento será difícil. Quase 90% dos pensionistas da
CGA tem uma pensão bruta até 2.500 euros, pelo que os cortes anunciados esta
semana deverão implicar uma redução até 250 euros no rendimento mensal da
maioria dos pensionistas. A dimensão do corte não é o único ponto de
preocupação da FESAP. Para esta estrutura sindical, cortes retroactivos nas
pensões são «inaceitáveis», pelo que a FESAP «não descarta qualquer forma de
protesto» para contestar a medida. Como se antecipa que os partidos políticos
ou o Presidente da República enviem a proposta para fiscalização do Tribunal
Constitucional, os sindicatos estão esperançados num chumbo dos juízes.
Medo do Constitucional
No anteprojecto enviado esta semana aos sindicatos, é
visível o receio que o Governo tem do Tribunal Constitucional. O preâmbulo da
proposta é uma longa exposição dos argumentos para levar os cortes em diante,
com múltiplas passagens com referências à Constituição. O Governo sustenta que
a convergência entre a CGA e as regras do sector privado preconizadas no
diploma «não põe em causa os direitos e interesses constitucionalmente
protegidos dos beneficiários para além do que é admissível no quadro de um
Estado de direito». O Executivo frisa que a Constituição «não impõe ou sequer
sugere qualquer separação entre o regime de protecção social aplicável aos
trabalhadores que exerçam funções públicas e o regime aplicável ao universo dos
restantes trabalhadores», e que foram definidas várias soluções de salvaguarda,
que asseguram o «indispensável para garantir condições mínimas de
subsistência». De facto, a proposta do Governo contém isenções e limitações aos
cortes, em função das remunerações dos pensionistas, da sua idade e do
desempenho da economia e das contas públicas. O Executivo entende assim que o
«núcleo essencial da existência mínima inerente ao respeito pela dignidade da
pessoa humana» está assegurado, tal como a «proibição de retrocesso social». E
«valores constitucionais tendencialmente conflituantes não encontram obstáculos
sob o ponto de vista da sua conformidade constitucional»