Li no site da
RTP que passados que são 74 anos sobre os factos, o banco central britânico
veio a público reconhecer o seu envolvimento nas operações que conduziram à
apropriação das reservas de ouro do seu homólogo checo por parte do banco
central da Alemanha nazi, o Reichsbank. O Governo apaziguador de Neville
Chamberlain tinha sido o inspirador dessa boa vontade dos banqueiros centrais,
mas isso não o impediu de ser posto de lado nas decisões relativas ao dossier
do ouro checo. Um documento
recentemente colocado na net pelo arquivo do Banco de Inglaterra vem
acrescentar novos detalhes ao que era já conhecido sobre o chamado caso do ouro
checo. A disponibilização do documento inscreve-se num projecto mais amplo de
digitalização dos arquivos do Banco de Inglaterra. O que era conhecidoOs
investigadores dedicados à história económica da Segunda Guerra Mundial sabiam
que fizera escândalo na opinião pública britânica o facto de esse ouro, entregue
à guarda do Banco de Inglaterra, ter sido posto à disposição do Reichsbank,
mediante uma ordem dos banqueiros centrais checos, de autenticidade duvidosa.
No melhor dos casos, a ordem seria autência, mas obtida sob coacção pelos
invasores nazis. Como a invasão consentida pelo Governo de Neville Chamberlain
era a dos Sudetas, consumada após o Acordo de Munique, de Setembro de 1938, e
como a invasão seguinte, da "Checoslováquia restante", em Março de
1939, já constituía um aberto desafio ao inquilino do nº 10 de Downing
Street, a política de apaziguamento falira e a entrega do ouro checo ao
inimigo devia ser considerada um acto de traição num país, como o Reino Unido,
assumidamente à beira da guerra. O escândalo que a notícia causou na opinião
pública ecoou em tumultuosos debates na Câmara dos Comuns, bem descritos no
livro de Gian Trepp Bankgeschäfte mit dem Feind, de 1992.
O
que a nova documentação revela O documento agora divulgado é uma apreciação
interna do Banco de Inglaterra, datada de 1950. Dela se pode concluir que a
responsabilização política de Chamberlain nos debates parlamentares era justa
apenas no sentido mais geral de ser ele o principal inspirador da estratégia de
apaziguar o nazismo com sucessivas concessões. Mas, no caso específico do ouro
checo, a responsabilidade das decisões fatídicas, de entrega desse ouro, cabia
sobretudo ao governador do Banco, Montagu Norman. Este era, sem dúvida,
tributário também da mesma política apaziguadora, mas pelos vistos tratou de
mantê-la ainda para além do seu prazo de validade e ainda para além dessa
invasão da "Checoslováquia restante" que tornou inevitável a
constatação do seu fracasso por parte de Chamberlain. Assim, Norman não pediu
autorização nem forneceu informações ao Governo para colocar o ouro checo à
disposição do Reichsbank. Fê-lo utilizando como placa giratória o famoso
Banco de Pagamentos Internacionais (BIS), sedeado em Basileia. Quando,
posteriormente, o Governo britânico lhe pediu esclarecimentos, Norman deu-lhe
uma resposta evasiva, alegando desconhecer se o ouro transferido para as mãos
do Reichsbank pertencia ao BIS ou aos seus clientes checos.
Responsabilizações
no pós-guerra
Norman
era amigo pessoal e compadre do governador do Reichsbank, Hjalmar Schacht, um
dos vinte criminosos de guerra principais julgados em Nuremberga a partir de
1946. O papel de Norman na transferência do ouro checo para as mãos dos nazis
não chegou, depois da guerra, a ser sujeito a um escrutínio tão minucioso como
aquele que o Banco de França desempenhou na entrega do ouro belga, também
depositado à sua guarda quando a Alemanha invadiu a Bélgica e a França. Com
efeito, o Banco de França teve depois de indemnizar integralmente o seu
homólogo belga pela entrega ao Reichsbank daquelas reservas, que aliás
já na fase final da guerra reiteradamente prometera ao Banco Nacional Belga.
Mas, entre a Bélgica e a Checoslováquia havia, no pós-guerra, o abismo de a
primeira ser um dos pilares da Europa ocidental e a segunda ser, a partir do
"golpe de Praga", um dos países fundamentais do bloco de Leste.
O
destino do ouro belga
A
França derrotada fez embarcar para a cidade colonial de Dakar as reservas
belgas. Mas os alemães foram buscá-las e repatriaram-nas - de piroga, de
camelo, de avião. Acabaram por usá-las em pagamentos internacionais - sobretudo
à Suíça e a Portugal.