"O problema – continuando a abordar este tema - é muito claro: as pessoas não se podem adormecer sob a pretensa proteção da teoria do "serviço público de rádio e televisão" porque estamos perante um governo de coligação em Lisboa, caracterizado por uma visão ultra neoliberal, absolutamente radical, e que se não hesita em alterar o chamado "estado social", cortando mais de 5 mil milhões de encargos em áreas sensíveis como a segurança social, a saúde e a educação, muito menos terá contemplações no domínio da questão da comunicação social, recusando a óptica de uma obrigação do estado em tempo de “vacas magras”.
Estamos a falar, sem especulação, sem manipulação e sem qualquer dramatização dos factos, de uma luta pela sobrevivência. Enquanto os trabalhadores, jornalistas e não jornalistas, das empresas públicas em questão não perceberem que estão sob esta permanente ameaça, quando não interiorizarem que os postos de trabalho deixaram de estar seguros e podem ser opostos em causa por um poder bandalho para o qual não existem direitos adquiridos (e que facilitou os despedimentos tornando-os até mais baratos…) enquanto não se mentalizarem que hoje se discute a continuidade das empresas, o que se recomenda, na abordagem deste complexo assunto, é que exista muito pragmatismo num processo de decisão que terá que ser rápido - ao que me consta é essa a imposição de Lisboa – que acebe com agonias permanentes mas que não pode gerar meras situações transitórias “ad aeternum”.
Tenho muitas dúvidas que a televisão regional sobreviva fora de um projeto empresarial mais amplo. Aliás o que se passa em Espanha, apesar dos erros e das megalomanias que por lá andam, deve constituir um exemplo e um aviso para os riscos de soluções mais ousadas, aventureiristas e isoladas. O passivo das chamadas televisões autonómicas (regionais) ultrapassa os 5 mil milhões de euros (há quem fale em mais...) e a legislação foi apressadamente alterada para permitir a privatização de várias estações regionais. A verdade é que a crise em Espanha impediu até este momento qualquer operação com sucesso neste domínio, pelo que tem sido o estado central e os governos das comunidades a garantir a sustentabilidade (e sobrevivência) dessas televisões regionais claramente deficitárias. Até que apareçam compradores…
Apesar de algumas hesitações e de muitas meias-palavras, não creio que o fim da RTP da Madeira e dos Açores seja uma inevitabilidade, apesar de ter sido isso que foi sinalizado em Agosto de 2011, quando o ministro Relvas foi à Assembleia da República queixar-se dos custos globais da RTP, principalmente dos dois centros insulares. Dizendo – recordo - que "não é possível manter a RTP Madeira e a RTP Açores a funcionar custando 24,7 milhões de euros por ano - 11,7 milhões de euros gastos por ano na RTP Madeira e 13 milhões de euros na televisão açoriana, valor que não se justifica até porque os habitantes locais têm acesso às outras antenas da RTP como os portugueses do continente". Quem depois destas declarações - e caso se mantenha, como parece ser o caso, o propósito de libertar o Estado de responsabilidades financeiras tão pesadas – acreditou que a televisão nas duas regiões autónomas não estava ameaçada, não percebe patavina do assunto e vive numa ficção perigosa.
Embora nenhuma decisão tenha sido tomada, julgo que se não for encontrada uma solução, a RTP na Madeira e nos Açores começará a ter os dias contados. E é isso que me parece importante impedir, apesar de reconhecer que os Governos Regionais não têm recursos financeiros para assumir essa responsabilidade – o que implica a necessidade de um acordo com Lisboa – a que se junta a grave crise económica, financeira e social que vivemos, que desaconselha qualquer investimento privado nesta área. Sei que neste momento, em termos nacionais bem como nas duas regiões autónomas, os trabalhadores da RTP que funcionavam a recibo verde já foram notificados da não renovação dos seus contratos a partir de Janeiro de 2013.
Não acredito que a manter-se o atual modelo de funcionamento da televisão pública a uma escala regional, que ela tenha possibilidades de sobrevivência, o que não quer dizer que apostas empresariais arrojadas não possam surgir (veja-se o que o Canal Porto está a fazer em termos de aposta num setor em crise, a que se junta um novo canal televisivo, do Correio da Manhã, por enquanto apenas para emissões por cabo, mas que já contratou alguns dos profissionais mais conhecidos dos canais tradicionais). Isto leva-nos a uma questão fulcral nesta discussão: de que nos serve uma televisão regional que financeiramente viva em permanente instabilidade, por não ser capaz de gerar no mercado as receitas necessárias ao seu funcionamento?
Ora o que está em causa, na minha ótica pessoal, e que não vincula ninguém, é que face à atitude que sobre esta matéria o governo de coligação em Lisboa tem vindo a manter, estamos cada vez mais confrontados com o desafio de sobrevivência dos canais regionais da RTP nos Açores e na Madeira. Como? Confesso que não sei como é que essa sobrevivência será viabilizável. Porventura temos todos ideias sobre este assunto, podemos até discutir cenários mais ou menos paradisíacos para nos iludirmos ou antecipar sucessos. Mas a dependência do mercado e das vicissitudes de uma crise cujo impacto real ninguém consegue vislumbrar com segurança, impede-me de me aventurar por previsões mais otimistas. O que acho inconcebível é que uma região autónoma, seja ela a Madeira ou os Açores, depois de quase 40 anos de caminhada autonomista, fique privada de uma televisão própria, mesmo que funcionando em horário reduzido.
Alguma coisa terá que ser feita rapidamente, não só porque a pressão do limite temporal neste processo de decisão aproxima-se, mas porque há muito que percebermos todos que tanto o governo de coligação como a própria RTP, terão decidido baixar os braços quanto à continuidade dos centros emissores regionais da Madeira e dos Açores, caso a alternativa seja a manutenção do atual modelo de funcionamento e de custeamento.
A derrocada completa do modelo de televisão autónoma em Espanha, a braços com crises financeiras que nalguns casos são gravíssimas, a que se juntou escandalosas situações de excesso de pessoal – já houve milhares de despedimentos e persiste a ameaça de encerramento de inúmeras empresas - e uma perda de qualidade das emissões, facilitada por legislação à medida que flexibilizou a obrigatoriedade de produção própria à escala regional, tem que servir de referência neste debate.
Não podemos defender para Portugal, por exemplo, soluções que falharam noutros países, como é o caso da Espanha, ou que estão em vias de falhar noutros países, caso da Itália, devido a erros de gestão, a uma falha total de todos os estudos de mercado realizados, a decisões absolutamente patéticas das empresas em matéria de programação, à instabilidade financeira crescente e à crise do mercado publicitário" (in JM)