terça-feira, junho 05, 2012

Intervenção do Ministro das Finanças na apresentação do Quarto Exame Trimestral do Programa de Ajustamento Económico para Portugal (na íntegra)

"1- Introdução

Concluímos hoje o quarto exame trimestral do Programa de Ajustamento Económico. De acordo com a avaliação das instituições internacionais estamos a cumprir o nosso Programa de ajustamento. A avaliação cobriu os três pilares do Programa:
1) consolidação orçamental;
2) diminuição do endividamento da economia e estabilidade do sistema financeiro;
3) transformação estrutural visando criar condições para a competitividade da
economia e para o crescimento sustentável.
Cumprimos todos os critérios quantitativos e objectivos estruturais do quarto exame. Como consequência, a missão recomendará o desembolso da quinta tranche do financiamento do Programa no montante de 4.1 mil milhões de euros. Após esta tranche teremos recebido cerca de 75% dos recursos financeiros totais previstos no Programa.
Decorreu um ano desde que o Programa foi acordado. Quais os principais resultados deste primeiro ano? A atividade económica contraiu-se menos do que o previsto inicialmente, refletindo o comportamento muito dinâmico das exportações que mais que compensou a fraqueza da procura interna. Desta forma, assistiu-se a um ajustamento muito significativo e superior ao esperado do desequilíbrio externo. Cumprimos os limites para o défice público em 2011 e no primeiro trimestre de 2012. Demos passos importantes e continuaremos a trabalhar no sentido de consolidar a estabilidade financeira e assegurar o financiamento da economia. Continuaremos a pôr em prática uma ambiciosa agenda de transformação estrutural para melhorar o potencial de crescimento, a competitividade e a criação de emprego na economia portuguesa. O progresso na eliminação dos desequilíbrios macroeconómicos e bloqueios estruturais evidencia que o Programa responde às necessidades de ajustamento da economia portuguesa

2 - Desenvolvimentos macroeconómicos

A contração da atividade económica foi inferior ao projetado. Em 2011 o PIB diminuiu 1,6%, o que compara com 2,2% inicialmente previstos no Programa. Também no primeiro trimestre de 2012 a queda na atividade económica foi inferior ao esperado. Este comportamento reflete em larga medida o forte crescimento das exportações que se traduziu num significativo ganho de quotas de mercado. Os dados disponíveis revelam uma elevada diversificação em termos de produtos e destinos, o que evidencia uma elevada capacidade de adaptação das empresas. Tem-se, assim, verificado uma rápida redução do desequilíbrio externo. Esta evolução é assinalável dado que teve lugar num contexto internacional desfavorável. De facto, verificou-se uma intensificação da crise da dívida soberana na área do euro e de diminuição das perspetivas de crescimento na economia global.
As projeções macroeconómicas do quarto exame apontam para a continuação deste processo. Em 2012 prevê-se uma contração do PIB de 3% (3,3% no terceiro exame), seguida de um crescimento de 0,2% em 2013 (0,3% no exame anterior). Estas projeções refletem a atualização da informação mais recente relativamente à atividade económica a nível nacional e internacional. As necessidades de financiamento externo da economia portuguesa deverão continuar a reduzir-se para 2,7% do PIB este ano e para 2,2% em 2013.
É imperativo ponderar numa das preocupações mais salientes, neste momento, em Portugal: o desemprego. Desde 2010 que o aumento de desemprego tem ultrapassado o que seria de esperar, mesmo tendo em conta a quebra substancial na atividade económica. Este fenómeno não é único a Portugal. Está bem documentado para os EUA. Também, na União Europeia, 18 dos 27 Estados-membros registaram significativas revisões em alta da taxa de desemprego para 2012 nas últimas previsões da Comissão.
O desvio entre a variação verificada para o desemprego e a projetada pela relação entre as variações do desemprego e da atividade económica foi particularmente acentuado no quarto trimestre de 2011. Excedeu nesse trimestre em 0,5 pp o limite superior do intervalo de previsão.
Por um lado, este comportamento reflete uma redução mais acentuada do emprego por parte das empresas face à necessidade de reduzir custos, dadas as pressões de tesouraria existentes e a incerteza sobre as perspetivas económicas. Por outro lado, reflete o facto de o processo de ajustamento envolver uma transferência de recursos para sectores produtores de bens transacionáveis, sendo que a dinâmica ainda não é suficiente para absorver o desemprego gerado nos sectores de bens não transacionáveis.
Na passada sexta-feira apresentei aos parceiros sociais as previsões revistas para o desemprego com base num estudo aprofundado que está a ser desenvolvido pelo Ministério da Economia e Emprego, pelo Ministério da Solidariedade e da Segurança Social e pelo Ministério das Finanças em colaboração com o Banco de Portugal.
A deterioração das perspectivas do desemprego exige uma resposta de políticas que visem facilitar a criação de emprego. Desde logo a revisão do Código Laboral e a agenda de transformação estrutural deverão contribuir para a criação de emprego no médio prazo. Estamos a criar as condições para tornar o nosso mercado de trabalho mais flexível com medidas como o banco de horas ou a restrição das extensões de acordos coletivos de trabalho.
No entanto, a evolução recente do desemprego torna premente encontrar soluções que permitam resultados num prazo mais curto. Assim, temos vindo a pôr em prática políticas ativas de emprego com particular enfoque no emprego jovem. Neste contexto, destaco o programa «impulso jovem» que deverá ser aprovado esta semana no Conselho de Ministros. Este programa assenta em três pilares:
i) estágios profissionais;
ii) apoio à contratação, formação profissional e empreendedorismo
iii) apoios ao investimento.
Iremos também avaliar a possibilidade de, no contexto do Orçamento de 2013, efetuar uma redução específica da contribuição para a segurança social paga pelos empregadores como forma de estimular a criação de emprego. Esta medida será dirigida para segmentos específicos da força de trabalho. Naturalmente, a concretização desta iniciativa é condicionada pela existência de espaço orçamental suficiente.

3. Consolidação orçamental

Cumprimos, pela quarta vez consecutiva, os limites quantitativos trimestrais para o défice orçamental e para a dívida pública. Foi também cumprido o critério indicativo de não acumulação de pagamentos em atrasa externos. Contudo, o critério indicativo de não acumulação de atrasos nos pagamentos internos não foi observado. Esta evolução reforça a importância dos esforços que estamos a desenvolver para controlar os compromissos de despesa a todos os níveis da Administração Pública. A execução orçamental mantém-se em linha com os objetivos para 2012. De acordo com as estimativas do Ministério das Finanças, confirmadas neste exame, é viável respeitar o limite de 4,5% do PIB para o défice orçamental em 2012.
A execução orçamental até Abril correu genericamente em linha com as projeções. Do lado da despesa, os níveis atingidos estão dentro do padrão expectável, quando excluída a concentração atípica de fatores temporários. Do lado da receita, a evolução desfavorável da receita de impostos indiretos está a ser em parte compensada por um melhor desempenho na cobrança dos impostos diretos. Devo ainda realçar que, tal como referido pela UTAO, «o saldo global da administração central e segurança social não reflete ainda uma parte significativa das medidas de consolidação orçamental previstas».
No entanto, é importante sinalizar a possibilidade de materialização de riscos para as contas públicas ao longo do ano. Por um lado, o aumento do desemprego continuará a pressionar as contas da segurança social. Por outro, a evolução do produto interno bruto está a revelar uma composição menos favorável à execução fiscal. A contração da procura interna mais pronunciada que o esperado e o forte crescimento das exportações tem como consequência uma menor receita dos impostos indiretos.
Será, portanto, de vital importância garantir uma rigorosa execução orçamental, em particular assegurando o cumprimento dos limites de despesa a todos os níveis das administrações públicas. Ao mesmo tempo, poupanças obtidas na reprogramação estratégica de fundos comunitários e nos pagamentos líquidos de juros, permitirão compensar evoluções menos favoráveis noutras rubricas.
As nossas previsões atuais estão em linha com o objetivo de um défice orçamental de 3% do PIB em 2013. A dívida pública deverá atingir o máximo de 118,6% do PIB em 2013 e reduzir-se continuadamente nos anos seguintes. Esta revisão em alta de 3 p.p. na dívida pública em 2013 face ao 3º exame decorre da revisão do PIB nominal para 2013, da execução do Programa de Apoio à Economia Local, de revisões contabilísticas entretanto efetuadas ao nível de dívida pública no final de 2011 e de alguns outros factores de importância quantitativa menor.
Por fim, gostaria de assinalar que durante o primeiro ano do Programa, o Estado teve capacidade para se financiar no mercado de Bilhetes de Tesouro a prazos cada vez mais longos e com taxas de juro mais baixas que o inicialmente esperado. O IGCP conseguiu emitir Bilhetes do Tesouro a prazos até dezoito meses. O facto de estarmos a emitir para períodos após a data de regresso aos mercados denota uma confiança crescente dos investidores no nosso processo de ajustamento. Iremos prosseguir este processo de reconstrução, passo-a-passo, da curva de rendimentos.
A consolidação orçamental tem sido acompanhada de uma profunda reforma das finanças públicas de forma a garantir que os ganhos do ajustamento são persistentes e duráveis. A aplicação da Lei dos Compromissos continuará a ser executada a todos os níveis da Administração Pública, incluindo entidades regionais e locais, através da melhoria dos respetivos sistemas de controlo. A Inspeção Geral de Finanças irá reforçar a verificação do cumprimento da Lei.
Uma parte significativa dos pagamentos em atraso será reduzida no terceiro trimestre deste ano, de acordo com os critérios definidos na estratégia de pagamentos aprovada em Conselho de Ministros. Ao nível dos municípios, daremos seguimento ao Programa de Apoio à Economia Local e passaremos a publicar mensalmente os seus pagamentos e níveis de dívida. Estes pagamentos permitirão aumentar a liquidez na economia, melhorando as condições financeiras gerais.
Relativamente ao Setor Empresarial do Estado, até final de Julho será apresentada uma estratégia para lidar com o seu passivo financeiro. Ainda este mês enviaremos ao Parlamento a proposta de lei com o novo regime jurídico, reforçando a tutela do Ministério das Finanças nas empresas públicas.
Quanto às Parcerias Público-Privadas, o estudo encomendado a uma auditora independente para avaliação dos contratos em vigor estará concluído até ao final deste mês. Após a sua publicação, estaremos em condições de avançar com o processo de renegociação dos contratos.

4. Estabilidade financeira

Ao longo do último ano foram tomadas várias medidas que contribuem para a estabilidade financeira e para criar um enquadramento mais favorável ao financiamento da economia, designadamente através da melhoria da posição de liquidez e de solvabilidade dos bancos. A posição de liquidez dos bancos melhorou substancialmente na sequência das medidas de política monetária decididas pelo BCE no final de 2011, nomeadamente das operações de refinanciamento a 3 anos e do alargamento do colateral elegível. O sistema financeiro português encontra-se mais capitalizado e menos alavancado do que há um ano atrás. No final de 2011, o rácio Core Tier 1 situou-se em 9,6%, respeitando o limite mínimo de 9% fixado no Programa para 2011. Foram hoje anunciados os programas de aumento de capital da Caixa Geral de Depósitos, do Banco Comercial Português e do Banco BPI. Nos casos do BCP e do BPI, estes fundos são provenientes do mecanismo de apoio à solvabilidade bancária. Esta operação permitirá a estes bancos cumprir as metas de capital estabelecidas pela Autoridade Bancária Europeia, tendo em conta a transferência parcial dos fundos de pensões, os resultados do programa de inspeções especiais e a margem de segurança relacionada com a exposição à dívida soberana.
O Estado irá injetar 1.65 mil milhões de euros na CGD antes de 30 de Junho de 2012. Nos casos do BPI e do BCP, o processo de aumento de capital será feito em duas fases. Numa primeira fase, o Estado subscreverá até ao próximo dia 29 de Junho instrumentos híbridos a emitir por estes dois bancos. Numa segunda fase, será feito um aumento de capital por emissão de ações, que serão oferecidas com direito de preferência aos atuais acionistas, e que decorrerá até 30 de Setembro. O Estado está disponível para assegurar a tomada firme desta emissão.
Uma vez concluídas estas operações de aumento de capital, os bancos em causa serão dos mais capitalizados da Europa e estarão numa posição favorável para conceder crédito aos sectores mais produtivos da economia portuguesa. O mecanismo de apoio à solvabilidade bancária tem recursos que poderão ser utilizados por outras entidades bancárias que respeitem os critérios definidos.
No que diz respeito ao processo de desalavancagem, o Programa inclui um objetivo indicativo para o rácio entre crédito e depósitos de 120% no final de 2014. Este processo deverá ser consistente com a dinâmica de ajustamento dos balanços dos agentes económicos - incluindo as administrações públicas e as empresas públicas – no sentido de uma diminuição gradual dos respetivos níveis de endividamento. No final de 2011, o rácio entre o crédito e os depósitos dos oitos maiores bancos portugueses em base consolidada situava-se em 129%, cerca de 30 pontos percentuais abaixo do máximo, registado em junho de 2010.
Adicionalmente, no âmbito da operação de transferência dos fundos de pensões dos bancos, serão feitos pagamentos de dívida das administrações públicas (designadamente da saúde e da administração local e regional). Estes pagamentos terão um contributo positivo no financiamento de outros sectores.
Em paralelo, o Banco de Portugal tem vindo a tomar iniciativas no sentido de desencorajar a prática de os bancos protegerem empresas insolventes através da renovação sucessiva de crédito. O objectivo é que os bancos deixem de direcionar fundos para projetos e empresas inviáveis e os canalizem para os sectores mais produtivos da economia.

5. Transformação estrutural

A consolidação orçamental e a redução do endividamento são condições necessárias para libertar o potencial de crescimento da nossa economia. Não são, no entanto, condições suficientes para garantir o crescimento económico sustentado e promover a criação de emprego. É por isso que sempre assumimos como pilar central da nossa estratégia a execução de uma ampla agenda de transformação estrutural. Resultados de diversos estudos demonstram que uma reforma abrangente e bem sincronizada permitirá maiores ganhos de crescimento económico. Por este motivo, e tal como afirmado pelo Senhor Primeiro-Ministro na passada 6.ª-feira «não podemos retardar nem abrandar o ritmo das mudanças que estamos a introduzir».
No mercado de produto, continuamos empenhados em reduzir os custos excessivos das indústrias de rede e setores não-transacionáveis. No setor da energia, iremos executar as medidas já anunciadas para reduzir as rendas excessivas dos operadores de mercado. Nas profissões reguladas, e no seguimento de uma consulta pública, daremos seguimento à preparação de um novo quadro institucional que, a acompanhar a transposição das diretivas de serviços e qualificações, estimule a competição do seu mercado.
Simultaneamente, continuaremos a apostar na melhoria das condições de desenvolvimento da atividade empresarial. A nova Lei da Concorrência entrará em vigor no início de Julho. Iremos trabalhar de forma a garantir que os recursos da Autoridade da Concorrência são adequados de forma a dar resposta ao aumento das suas responsabilidades. Continuaremos a reduzir os obstáculos burocráticos enfrentados pelas empresas, tendo sido acordado estender o «licenciamento zero» às empresas industriais até junho de 2013. No sistema judicial, prosseguiremos na reforma do mapa judicial e trabalharemos na redação de um novo Código de Processo Civil. Foi recentemente aprovada a nova Lei do Arrendamento que irá permitir que o mercado de arrendamento urbano volte a funcionar, devolvendo vitalidade aos centros históricos das cidades. A reativação do mercado do arrendamento permitirá também facilitar a mobilidade geográfica das populações.
Continuaremos o ambicioso programa de privatizações, que tem demonstrado o interesse de investidores internacionais na nossa economia. Para além das consequências benéficas para o financiamento da economia e para a redução do endividamento público, as privatizações têm contribuído para a abertura da economia ao exterior permitindo criar um ambiente mais concorrencial com reflexos positivos sobre a competitividade. Após o sucesso das privatizações da REN e da EDP, esperamos concluir a venda da ANA e da TAP ainda este ano. A venda da CP Carga foi adiada para 2013.

6. Conclusão

Há cerca de um ano atrás tínhamos acabado de assinar o Programa de Ajustamento com os nossos parceiros internacionais. Apesar do agravamento das condições externas as metas e limites do Programa foram atingidos. Continuamos a enfrentar riscos e incertezas consideráveis a nível interno e externo.
Todos nós quando enfrentamos situação de risco procuramos segurança e certeza. A única certeza que temos é a do nosso trabalho, esforço, determinação e sacrifício. Temos de nos concentrar no que controlamos: cumprir os objectivos do nosso Programa. Só assim poderemos eliminar os desequilíbrios e bloqueios que permitiram a crise e emergência que vivemos. Só assim poderemos contar com o apoio dos nossos parceiros. Só assim garantiremos as condições de transformação profunda da sociedade e da economia portuguesa que nos colocarão, a prazo, num novo patamar de prosperidade”.

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