
O vizinho Sócrates
No café, a chegada de Sócrates já não provoca sensação como aconteceu nos primeiros tempos. quando era tema de cochichos e de boa parte elas conversas. É um habitué, como tantos outros clientes. "Então? Vivem ao lado de José Sócrates!", disséramos à chegada, ao acaso, a um casal de emigrantes portugueses. A mulher curvara-se então ligeiramente e, espreitando pela parede envidraçada para um dos andares do edifício tipicamente parisiense avisara: “Já está levantado, tem as cortinas abertas!" "Vive com o filho, que é estudante do liceu e tem uma empregada que é minha amiga", acrescentara. Alguns dos fregueses especulam e dizem disparates. "Ele é professor na Universidade da Sorbonne", garante um deles. Ao ouvir-nos explicar que Sócrates é estudante no Instituto de Estudos Políticos de Paris (IEP, vulgo Sciences-Po), não acredita. Um amigo exclama: "Pois, também ouvi dizer isso, mas custa a acreditar que ele ande a estudar com a sua idade e depois ele ter sido primeiro-ministro!" Facto é que Sócrates já faz parte da paisagem do quarteirão e os vizinhos contam pormenorizadamente tudo o que sabem. Muito do que dizem é confirmado pela maioria: os seus passeios de bicicleta ou a pé com o filho e o seu gosto pelo jogging nos jardins do sereno bairro, um dos mais seguros e vigiados da capital francesa. "Ele vai correr ao fim de semana para o Bosque de Bolonha, que é aqui perto", conta uma mulher As mulheres acham-no "bonito homem" e gostam de o ver e ouvir dizer todas as manhãs bonjour com um sorriso aberto. "É um lindo homem, elegante, muito simpático e simples", sublinha uma delas. Mas o ex-primeiro-ministro português tem outros conhecidos e pessoas bem mais suas amigas no 16 Bairro, onde vivem grandes homens de negócios, herdeiros de inacreditáveis fortunas, políticos do topo, embaixadores, príncipes e princesas de países árabes, estudantes filhos de obscuros presidentes africanos, bem como opulentos milionários e reformados por vezes bem carrancudos. Por exemplo. Nicolas Sarkozy, que Sócrates trata por tu, passa a maior parte das suas noites não muito longe do seu prédio. O Presidente francês tem desleixado os seus apartamentos privados no Eliseu e prefere dormir na casa da sua mulher, Carla Bruni, que e riquíssima de nascimento. Carla vive desde há diversos anos numa vivenda localizada perto da Villa Montmorency, um dos espaços urbanos mais caros e mais seletos do mundo. Curiosamente, Sócrates parece ter mais afinidades pessoais e, até políticas, com Sarkozv do que com os seus camaradas socialistas franceses. Conhece mal, por exemplo, François Hollande, o principal rival do chefe elo Estado francês nas eleições presidenciais da próxima primavera. "José Sócrates é meu amigo e desde que cheguei à presidência francesa não me lembro ele um ponto de divergência entre nós", disse em público e na sua presença, em Paris, em 2010, Nicolas Sarkozv. Fontes seguras garantem ao Expresso que os dois já se encontraram na capital francesa desde que o português aí reside. Os nossos informadores só não sabem onde ambos jantaram, mas, se foi em casa de Carla, Sócrates não teve problemas para arranjar ajuda para se exprimir com o seu francês de qualidade medíocre. As duas empregadas domésticas da primeira-dama francesa são emigrantes portuguesas, bilingues. A sua dama de companhia também. Ainda no mesmo bairro, o socialista português tem outro amigo, seu conhecido de longa data - o embaixador de Portugal, Francisco Seixas da Costa, que naturalmente o ajudou quando ele decidiu instalar-se e estudar em Paris. O diplomata confirma ter-lhe fornecido, no verão do ano passado, o contacto ele dois professores universitários. Estes aconselharam-no, ajudaram-no a escolher o curso e a organizar o dossier de candidatura ao IEP. Sócrates encontra-se com o embaixador, com alguma regularidade, em Paris. o que é natural. Seria anormal é que Seixas da Costa não almoçasse ou jantasse de vez em quando com um ex-PM que ainda apara mais é seu amigo e, como ele, socialista (…)
Do que disse Sócrates no jantar pouco transpirou oficialmente e Roger Carvalho informa que a Confraria evoluiu, desde junho de 2011, para um think tank (grupo de reflexão, estudos e propostas). Sobre o que se discutiu com Sócrates, Roger resume-o deste modo: "Foram debatidos diversos temas, como os da diplomacia económica, da competitividade e fatores de diferenciação de Portugal, do ensino da língua portuguesa e das culturas lusófonas como bases da expansão económica, entre outros”. Da direção da Confraria faz parte também, como vice-presidente, Ana de Morais, que é diretora de gestão de clientes da Europa do Sul no banco francês Société Générale
Dias felizes no Quarier Latin
Em Paris, José Sócrates segue avida política portuguesa e também a francesa com grande atenção, designadamente a pré-campanha para as presidenciais franceses de abril/maio deste ano. Continua com o bicho da política e estuda no IEP, onde a atualidade é acompanhada de perto e que se vangloria de formar grande parte dos dirigentes da França e de outros países - o que é verdade. Frequenta também Saint-Germain-des-Prés, as suas livrarias, cafés e restaurantes, a zona da cidade preferida dos artistas, escritores, políticos e diplomatas. Alguns dos locais por onde passa são famosos e distintos, como a livraria La Hune, o restaurante Brasserie Lipp, os cafés Flore e Deux Magots, que têm ambientes, clientelas chiques e preços bem diferentes dos do café PMU onde toma a primeira bica da manhã. Nos cafés, restaurantes e cervejarias de Saint-Germain-des-Près, no Quartier Latin, a dois passos da Universidade da Sorbonne e do IEP, respiram-se ainda eflúvios da revolta de maio de 1968, das suas musas e dos grandes debates intelectuais do passado, protagonizados designadamente pelo casal de filósofos Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir. A Brasserie Lipp era um dos restaurantes preferidos do falecido ex-presidente francês François Mitterrand e, hoje, continua a ser frequentada pelo que os franceses chamam "a esquerda caviar". O Café de Flore, que também é restaurante e tem uma sala mais reservada no primeiro andar, é idêntico. Sócrates frequenta também as livrarias do Quartier Latin. À Livraria Portuguesa (do editor Michel Chandeigne), na rua Tournefort, perto do Panteão, apenas foi uma vez, nas primeiras semanas depois de se ter instalado em Paris, para comprar livros. O ex-PM português aproveita também a estada na capital francesa para conviver de perto com o filho mais velho. Este é igualmente estudante em Paris, onde frequenta o BAC, o último ano do ensino secundário. "Ele está a gostar imenso de viver e passar tempo com o filho, de o conhecer melhor, porque a sua vida, até há pouco tempo, não lhe permitia estar suficientemente com ele", explica ao Expresso um amigo com quem regularmente se encontra na capital francesa e que falou sob anonimato. "Anonimato" parece ser a palavra-chave dos amigos de Sócrates que falaram ao Expresso. Durante esta reportagem foi difícil encontrar interlocutores que aceitassem dar a cara. Sócrates é assunto delicado para diplomatas, professores e amigos que falaram sempre com algum incómodo ao nosso jornal e pesando bem as palavras. A sua inscrição em Ciência Política foi confirmada pela primeira vez publicamente no dia 27 de setembro de 20I1 pelo ex-presidente brasileiro, Lula da Silva, quando este discursava na cerimónia oficial do seu doutoramento honoris musa, em Sciences-Po. Sócrates, que assistia ao doutoramento do amigo e que jantara com ele e outros políticos e diplomatas do Brasil e de Portugal. Na véspera, na residência do embaixador do Brasil na capital francesa, tinha-lhe mostrado o cartão de estudante. Nessa altura, apresentava o cartão - essencial para por exemplo ter acesso à biblioteca do IEP - a todos os amigos. Exibiu-o igualmente como um troféu perante os estudantes do polo ibero-latino-americano de Poitiers durante a sua palestra no controverso colóquio, na qual disse que "as dívidas dos Estados são eternas e têm é de ser geridas". Mas, como não o parecem afligir as situações confusas que originam especulações estonteantes, mantém a regra de não comentar as informações por vezes insidiosas que circulam sobre ele. É por isso alvo, também em Paris, dos mais variados rumores. Durante receções e outras ocorrências portuguesas em França, as pessoas falam sobre ele e interrogam-se. A pergunta mais frequente é esta: quem paga as suas despesas na excessivamente cara cidade de Paris?”.
Sem comentários:
Enviar um comentário