sábado, fevereiro 04, 2012

A nova vida de Sócrates em Paris

Segundo o jornalista do Expresso Daniel Ribeiro, José Sócartes “vive com discrição na capital francesa, levando a sério o voto de ficar em silêncio durante três anos, como foi aconselhado. Do curso onde entrou com "estatuto especial". ao soberbo quarteirão onde mora e os sítios que frequenta, como são os dias do ex-primeiro-ministro em Paris. Participa em reuniões preparadas no maior segredo, almoça e janta discretamente com amigos em restaurantes inacessíveis ao comum dos mortais, entra na Universidade o mais animadamente possível, foge dos jornalistas como o diabo da cruz, mas no chiquíssimo quarteirão de Paris onde mora, anda à vontade e sem grandes preocupações. Todas as manhãs. José Sócrates abre a pesada porta de ferro e vidro do belo prédio em pedra de talha onde reside com um dos dois filhos. Atravessa uma rua estreita e um minuto depois, entra num dos raríssimos cafés baratos e populares que existem no seu bairro, o número 16, que é o mais caro mas fidalgo e mais conservador de Paris. O ex-primeiro-ministro português toma o primeiro café da manhã mesmo ao lado de casa, e é servido por um empregado português. "E muito simpático, chega sempre com um sorriso e vem aqui todos os dias", explica o emigrante. O café, pequeno e pouco confortável, é sobretudo um local PMU (Apostas Mútuas Urbanas), sigla que significa que aí se pode apostar em direto, em corridas de cavalos. É um estabelecimento rigorosamente igual a centenas ele outros bares PMU que existem sobretudo nas zonas mais desfavorecidas de Paris. Sócrates bebe a bica ao balcão, ao lacto dos residentes e trabalhadores mais pobres do soberbo quarteirão onde apenas os ricos podem comprar ou alugar casa - a renda mensal de um 4/5 assoalhadas custa nesta área, no mínimo 4000 euros Os clientes são empregados dos comércios das redondezas, emigrantes, porteiros, reformados, desempregados e jovens estudantes. A essa hora. ainda não começou a febre das apostas nas corridas de cavalos. Alguns desafortunados reformados e desempregados leem jornais especializados nas contendas dos hipódromos, muito compenetrados no estudo dos prognósticos para as variadas corridas do dia. Tomam notas, persuadidos que vão acertar no alinhamento final do quinté (registar, na ordem, os cinco primeiros cavalos que atravessarão a meta, o que pode significar a fortuna). Dentro ele pouco tempo chegará a empregada do PMU, o café enche e tudo entra em transe. Os franceses e os emigrantes radicados há vários anos em França são loucos pelo quinté e quando se aproxima a hora da principal corrida do dia, depois das 13h, apinham-se junto ao pequeno guiché de vidro, em frente ao balcão para apostarem o pouco dinheiro que têm no sonho de serem ricos. O ex-chefe do Governo português não é jogador e nunca ousou arriscar um euro num cavalo.

O vizinho Sócrates

No café, a chegada de Sócrates já não provoca sensação como aconteceu nos primeiros tempos. quando era tema de cochichos e de boa parte elas conversas. É um habitué, como tantos outros clientes. "Então? Vivem ao lado de José Sócrates!", disséramos à chegada, ao acaso, a um casal de emigrantes portugueses. A mulher curvara-se então ligeiramente e, espreitando pela parede envidraçada para um dos andares do edifício tipicamente parisiense avisara: “Já está levantado, tem as cortinas abertas!" "Vive com o filho, que é estudante do liceu e tem uma empregada que é minha amiga", acrescentara. Alguns dos fregueses especulam e dizem disparates. "Ele é professor na Universidade da Sorbonne", garante um deles. Ao ouvir-nos explicar que Sócrates é estudante no Instituto de Estudos Políticos de Paris (IEP, vulgo Sciences-Po), não acredita. Um amigo exclama: "Pois, também ouvi dizer isso, mas custa a acreditar que ele ande a estudar com a sua idade e depois ele ter sido primeiro-ministro!" Facto é que Sócrates já faz parte da paisagem do quarteirão e os vizinhos contam pormenorizadamente tudo o que sabem. Muito do que dizem é confirmado pela maioria: os seus passeios de bicicleta ou a pé com o filho e o seu gosto pelo jogging nos jardins do sereno bairro, um dos mais seguros e vigiados da capi­tal francesa. "Ele vai correr ao fim de semana para o Bosque de Bolonha, que é aqui perto", conta uma mulher As mulheres acham-no "bonito homem" e gostam de o ver e ouvir dizer todas as manhãs bonjour com um sorriso aberto. "É um lindo homem, elegante, muito simpático e simples", sublinha uma delas. Mas o ex-primeiro-ministro português tem outros conhecidos e pessoas bem mais suas amigas no 16 Bairro, onde vivem grandes homens de negócios, herdeiros de inacreditáveis fortunas, políticos do topo, embaixadores, príncipes e princesas de países árabes, estudantes filhos de obscuros presidentes africanos, bem como opulentos milionários e refor­mados por vezes bem carrancudos. Por exemplo. Nicolas Sarkozy, que Sócrates trata por tu, passa a maior parte das suas noites não muito longe do seu prédio. O Presidente francês tem desleixado os seus apartamentos privados no Eliseu e prefere dormir na casa da sua mulher, Carla Bruni, que e riquíssima de nascimento. Carla vive desde há diversos anos numa vivenda localizada perto da Villa Montmorency, um dos espaços urbanos mais caros e mais seletos do mundo. Curiosamente, Sócrates parece ter mais afinidades pessoais e, até políticas, com Sarkozv do que com os seus camaradas socialistas franceses. Conhece mal, por exemplo, François Hollande, o principal rival do chefe elo Estado francês nas eleições presidenciais da próxima primavera. "José Sócrates é meu amigo e desde que cheguei à presidência francesa não me lembro ele um ponto de divergência entre nós", disse em público e na sua presença, em Paris, em 2010, Nicolas Sarkozv. Fontes seguras garantem ao Expresso que os dois já se encontraram na capital francesa desde que o português aí reside. Os nos­sos informadores só não sabem onde ambos jantaram, mas, se foi em casa de Carla, Sócrates não teve problemas para arranjar ajuda para se exprimir com o seu francês de qualidade medíocre. As duas empregadas domésticas da primeira-dama francesa são emigrantes portuguesas, bilingues. A sua dama de companhia também. Ainda no mesmo bairro, o socialista por­tuguês tem outro amigo, seu conhecido de longa data - o embaixador de Portugal, Francisco Seixas da Costa, que naturalmente o ajudou quando ele decidiu instalar-se e estudar em Paris. O diplomata confirma ter-lhe fornecido, no verão do ano passado, o contacto ele dois professores universitários. Estes aconselharam-no, ajudaram-no a escolher o curso e a organizar o dossier de candidatura ao IEP. Sócrates encontra-se com o embaixador, com alguma regularidade, em Paris. o que é natural. Seria anormal é que Seixas da Costa não almoçasse ou jantasse de vez em quando com um ex-PM que ainda apara mais é seu amigo e, como ele, socialista (…)

Do que disse Sócrates no jantar pouco transpirou oficialmente e Roger Carvalho informa que a Confraria evoluiu, desde junho de 2011, para um think tank (grupo de reflexão, estudos e propostas). Sobre o que se discutiu com Sócrates, Roger resume-o deste modo: "Foram debatidos diver­sos temas, como os da diplomacia económica, da competitividade e fatores de diferenciação de Portugal, do ensino da língua portuguesa e das culturas lusófonas como bases da expansão económica, entre outros”. Da direção da Confraria faz parte também, como vice-presidente, Ana de Morais, que é diretora de gestão de clientes da Europa do Sul no banco francês Société Générale

Dias felizes no Quarier Latin

Em Paris, José Sócrates segue avida política portuguesa e também a francesa com grande atenção, designadamente a pré-campanha para as presidenciais franceses de abril/maio deste ano. Continua com o bicho da política e estuda no IEP, onde a atualidade é acompa­nhada de perto e que se vangloria de formar grande parte dos dirigentes da França e de outros países - o que é verdade. Frequenta também Saint-Germain-des-Prés, as suas livrarias, cafés e restaurantes, a zona da cidade preferida dos artistas, escritores, políticos e diplomatas. Alguns dos locais por onde passa são famosos e distintos, como a livraria La Hune, o restaurante Brasserie Lipp, os cafés Flore e Deux Magots, que têm ambientes, clientelas chiques e preços bem diferentes dos do café PMU onde toma a primeira bica da manhã. Nos cafés, restaurantes e cervejarias de Saint-Germain-des-Près, no Quartier Latin, a dois passos da Universidade da Sorbonne e do IEP, respiram-se ainda eflúvios da revolta de maio de 1968, das suas musas e dos grandes debates intelectuais do passado, protagonizados designadamente pelo casal de filósofos Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir. A Brasserie Lipp era um dos restaurantes preferidos do falecido ex-presidente francês François Mitterrand e, hoje, continua a ser frequentada pelo que os franceses chamam "a esquerda caviar". O Café de Flore, que também é restaurante e tem uma sala mais reservada no primeiro andar, é idêntico. Sócrates frequenta também as livrarias do Quartier Latin. À Livraria Portuguesa (do editor Michel Chandeigne), na rua Tournefort, perto do Panteão, apenas foi uma vez, nas primeiras semanas depois de se ter instalado em Paris, para comprar livros. O ex-PM português aproveita também a estada na capital francesa para conviver de perto com o filho mais velho. Este é igualmente estudante em Paris, onde frequenta o BAC, o último ano do ensino secundário. "Ele está a gostar imenso de viver e passar tempo com o filho, de o conhecer melhor, porque a sua vida, até há pouco tempo, não lhe permitia estar suficientemente com ele", explica ao Expresso um amigo com quem regularmente se encontra na capital francesa e que falou sob anonimato. "Anonimato" parece ser a palavra-chave dos amigos de Sócrates que falaram ao Expresso. Durante esta reportagem foi difícil encontrar interlocutores que aceitassem dar a cara. Sócrates é assunto delicado para diplomatas, professores e amigos que falaram sempre com algum incómodo ao nosso jornal e pesando bem as palavras. A sua inscrição em Ciência Política foi confirmada pela primeira vez publicamente no dia 27 de setembro de 20I1 pelo ex-presidente brasileiro, Lula da Silva, quando este discursava na cerimónia oficial do seu doutoramento honoris musa, em Sciences-Po. Sócrates, que assistia ao doutoramento do amigo e que jantara com ele e outros políticos e diplomatas do Brasil e de Portugal. Na véspera, na residência do embaixador do Brasil na capital francesa, ti­nha-lhe mostrado o cartão de estudante. Nessa altura, apresentava o cartão - essencial para por exemplo ter acesso à biblioteca do IEP - a todos os amigos. Exibiu-o igualmente como um troféu perante os estudantes do polo ibero-latino-americano de Poitiers durante a sua palestra no controverso colóquio, na qual disse que "as dívidas dos Estados são eternas e têm é de ser geridas". Mas, como não o parecem afligir as situações confusas que originam especulações estonteantes, mantém a regra de não comentar as informações por vezes insidiosas que circulam sobre ele. É por isso alvo, também em Paris, dos mais variados rumores. Durante receções e outras ocorrências portuguesas em França, as pessoas falam sobre ele e interro­gam-se. A pergunta mais frequente é esta: quem paga as suas despesas na excessivamente cara cidade de Paris?”.

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