segunda-feira, maio 02, 2011

Opinião: "O caminho para reduzir o défice tem de passar por aumentos de impostos" (Krugman)

"Só o Orçamento do Povo apresenta uma proposta viável para cumprir o objectivo de cortar défice sem atacar selvaticamente os princípios do Estado social. Quando oiço as actuais discussões sobre o orçamento federal, a mensagem que me chega é sempre: "Estamos em crise! Temos de tomar medidas drásticas imediatamente! E temos de manter os impostos baixos, se não cortá-los ainda mais!" E o que me vem à cabeça é que se as coisas são assim tão graves, não devíamos antes aumentar impostos?A minha descrição do debate orçamental não é de maneira nenhuma exagerada. Consideremos a proposta de orçamento do republicano Paul Ryan, que todas as pessoas sérias nos asseguraram ser corajosa e importante. A proposta começa por avisar que "uma grave crise de dívida é inevitável" a menos que se tomem medidas em relação ao défice. Depois pede não um aumento mas um corte dos impostos, com as taxas correspondentes aos mais ricos a fixar--se no valor mais baixo desde 1931. A única forma proposta por Ryan para reduzir o défice são os cortes selvagens na despesa, essencialmente retirando apoios aos mais pobres e vulneráveis (uma análise realista prevê que essa proposta, na verdade, até aumentaria o défice).A proposta do presidente Barack Obama é bem melhor. Pelo menos prevê o aumento dos impostos para os escalões de rendimento mais elevados para os níveis da era Clinton. No entanto, mantém os restantes benefícios fiscais da era Bush - inicialmente apresentados como uma forma de chegar a um excedente orçamental considerável. Em resultado disso, a proposta ainda se apoia muito no corte da despesa e não chega para efectivamente equilibrar o orçamento.Então porque é que ninguém faz uma proposta que reflicta a realidade de que os cortes fiscais da era Bush foram um erro enorme, sugerindo que um aumento das receitas é fundamental para reduzir o défice? Bem, a verdade é que já houve quem a fizesse - e já lá chego. Mas primeiro vamos falar do estado em que estão os impostos nos EUA.Tendo em conta o tom em que decorre a maior parte das discussões sobre o orçamento, seria fácil pensar que estamos esmagados por taxas sem precedentes. A realidade é que as taxas federais caíram significativamente em todos os níveis de rendimentos nos últimos 30 anos - especialmente nos patamares mais elevados. Em geral, os impostos estão percentualmente muito mais baixos relativamente ao rendimento nacional do que se verifica na maioria dos outros países ricos.Ou seja, não temos impostos altos, quer histórica quer comparativamente com outros países. Assim, se estamos realmente horrorizados com o défice orçamental, porque não propor um aumento de impostos como parte da solução?Mas há mais. O cerne da proposta de Ryan é um plano de privatização e fim do financiamento da Medicare. Porém, isto em nada ajudaria a reduzir o défice nos próximos dez anos, razão pela qual a totalidade dos cortes no défice viriam de reduções brutais nos apoios aos necessitados e cortes não especificados na despesa discricionária. Em contrapartida, os aumentos de impostos podem revelar-se medidas de efeito rápido.É por tudo isto que a única proposta orçamental de relevo apresentada que oferece um caminho plausível para equilibrar o orçamento é a que inclui um aumento significativo da carga fiscal: o "Orçamento do Povo", da autoria do Congressional Progressive Caucus, que - ao contrário do plano Ryan, que é apenas ortodoxia da ala direita com uma dose de pensamento mágico misturada - é genuinamente corajoso porque propõe sacrifícios partilhados.É verdade que aumenta as receitas em parte graças à imposição de impostos substancialmente mais elevados aos mais ricos, uma medida popular em qualquer parte excepto em Washington, D. C. Mas também propõe um aumento nos tectos da Segurança Social, aumentando significativamente as taxas para cerca de 6% dos trabalhadores, e rescinde a maioria dos cortes fiscais da era Bush. Não aumenta apenas os que afectam os mais ricos mas, ponderadamente, também os aplicados às famílias de classe média.Calcula-se que tudo isto combinado com cortes na despesa, em particular no orçamento para a Defesa, seria suficiente para equilibrar o orçamento até 2021. Esta proposta consegue esse feito sem desmantelar a herança do New Deal que nos trouxe os benefícios da Segurança Social, a Medicare e a Medicaid.Se a proposta progressiva tem todas estas vantagens, porque não consegue nem metade da atenção dispensada à muito menos viável proposta de Ryan? É verdade que não há hipótese de se tornar lei nos tempos mais próximos. Mas isso também se aplica à proposta de Ryan.A resposta, lamento dizê-lo, é a falta de sinceridade da maioria dos autoproclamados falcões do défice. A sua preocupação com o défice mede-se pela sua vontade de fazer precisamente aquilo que o Orçamento do Povo evita: rasgar o actual contrato social, recuando 80 anos com a desculpa da necessidade. E nem querem dizer que tal viragem radical à direita não é, de facto, necessária.E não é, como revela a proposta de orçamento progressista. Precisamos de reduzir o défice, apesar de não estarmos ainda perante uma crise iminente. Como enfrentamos a maré de sacrifícios é, no entanto, uma escolha nossa - e ao fazermos do aumento de impostos parte da solução podemos evitar o ataque selvagem aos apoios aos pobres e arrasar a segurança da classe média" (texto de Paul Brugman, economista,Prémio Nobel 2008, publicado no The New York Times e transcrito no Jornal i, com a devida vénia)

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