"As investigações judiciais nunca provaram nada. A solução encontrada foi dissolver a Junta Autónoma das Estradas e enterrar as suspeitas. "Voltava a fazer tudo na mesma." Disse-o na altura e repete-o agora em conversa com o i. Na semana em que faz 74 anos, Amadeu Garcia dos Santos, general de Abril, chefe do Estado-Maior do Exército entre 1981 e 1983, recorda sem amargura o episódio que o levou a julgamento a ele, o denunciador, e nunca sentou no banco dos réus os outros, os denunciados. À luz dos resultados, a afirmação surpreende. Primeiro porque as denúncias de corrupção caíram "em saco roto", como o próprio admitiu, e segundo porque foi condenado a pagar 135 contos (670 euros) por não ter revelado os nomes dos alegados corruptos, um crime de desobediência qualificada. "Paguei, claro. Havia de fazer o quê?", sublinha.Durante 14 meses, Garcia dos Santos presidiu à Junta Autónoma das Estradas (JAE), entretanto extinta e substituída por três institutos públicos. Chegou em 1997 a convite de João Cravinho - à data ministro do Equipamento -, que o terá nomeado "para arrumar a casa", envolvida em suspeitas de irregularidades desde longa data.Dois anos antes da chegada do general fora ordenada uma auditoria na JAE na sequência de afirmações do presidente da Confederação da Indústria Portuguesa, Pedro Ferraz da Costa. Foram detectadas "actividades privadas geradoras de incompatibilidade legal". Mas - segundo a Procuradoria-Geral da República - em nenhum caso se evidenciaram "situações de corrupção ou de financiamento de partidos", precisamente o que Garcia dos Santos denunciou ao "Expresso" meses depois de ter renunciado à presidência da Junta."O engenheiro Cravinho e eu fizemos o mesmo curso no Instituto Superior Técnico", rememora o general. "Hoje apresenta-se como um paladino contra a corrupção, mas na altura recusou fazer certas coisas." Quais coisas? As respostas do general são crípticas: "Eu sabia de muitos empreiteiros?" Sim, mas quantos? "Vários, alguns?"Garcia dos Santos exigiu a expulsão de "tal e tal e tal", funcionários da JAE. Cravinho aceitou mas acabou por recuar, o que levou o militar a pedir a demissão e a telefonar ao semanário de Pinto Balsemão. Na edição de 3 de Outubro de 1998 afirmou ter "quase a certeza absoluta" de que o governo sabia quais eram "as pessoas corruptas dentro da Junta". As declarações custaram-lhe uma audição no gabinete do procurador-geral da República, Cunha Rodrigues - e uma comissão parlamentar de inquérito. Como carecia de provas, respondeu ao procurador que "não tinha de ser" ele a investigar. Na comissão utilizou uma carta do ex-ministro das Finanças Sousa Franco, na qual este admitia conhecer os implicados nos casos de corrupção. Mas, ao ser ouvido na Assembleia da República, Sousa Franco alegou ter-se "esquecido" dos nomes e evitou ser julgado.Em tribunal, Garcia dos Santos disse estar "orgulhoso" por ter respeitado a "palavra de honra" e não ter denunciado os empreiteiros. Ou talvez estes, precavidos, tenham ameaçado negar tudo e mover-lhe processos-crime. Dez inquéritos foram arquivados e os quatro que não o foram produziram acusações contra 19 arguidos por "burla agravada, peculato" e outros crimes.A sentença divulgada a 2 de Maio de 2001 confirmava a solidão do general, que acusou a comissão de inquérito de imobilismo. Perante a juíza, Fátima Reis, garantiu que bastaria "que tivessem investigado junto dos serviços administrativos dos partidos" para conhecer os corruptos, algo que nunca aconteceu. "Até à data, os resultados foram zero", reconheceu. Hoje, já aposentado, recorda a sentença como "um dos maiores louvores" da sua carreira". (por Enrique Pinto-Coelho, jornalista do Jornal I)domingo, setembro 20, 2009
Escândalos da democracia: O general que acusou os políticos e foi condenado
"As investigações judiciais nunca provaram nada. A solução encontrada foi dissolver a Junta Autónoma das Estradas e enterrar as suspeitas. "Voltava a fazer tudo na mesma." Disse-o na altura e repete-o agora em conversa com o i. Na semana em que faz 74 anos, Amadeu Garcia dos Santos, general de Abril, chefe do Estado-Maior do Exército entre 1981 e 1983, recorda sem amargura o episódio que o levou a julgamento a ele, o denunciador, e nunca sentou no banco dos réus os outros, os denunciados. À luz dos resultados, a afirmação surpreende. Primeiro porque as denúncias de corrupção caíram "em saco roto", como o próprio admitiu, e segundo porque foi condenado a pagar 135 contos (670 euros) por não ter revelado os nomes dos alegados corruptos, um crime de desobediência qualificada. "Paguei, claro. Havia de fazer o quê?", sublinha.Durante 14 meses, Garcia dos Santos presidiu à Junta Autónoma das Estradas (JAE), entretanto extinta e substituída por três institutos públicos. Chegou em 1997 a convite de João Cravinho - à data ministro do Equipamento -, que o terá nomeado "para arrumar a casa", envolvida em suspeitas de irregularidades desde longa data.Dois anos antes da chegada do general fora ordenada uma auditoria na JAE na sequência de afirmações do presidente da Confederação da Indústria Portuguesa, Pedro Ferraz da Costa. Foram detectadas "actividades privadas geradoras de incompatibilidade legal". Mas - segundo a Procuradoria-Geral da República - em nenhum caso se evidenciaram "situações de corrupção ou de financiamento de partidos", precisamente o que Garcia dos Santos denunciou ao "Expresso" meses depois de ter renunciado à presidência da Junta."O engenheiro Cravinho e eu fizemos o mesmo curso no Instituto Superior Técnico", rememora o general. "Hoje apresenta-se como um paladino contra a corrupção, mas na altura recusou fazer certas coisas." Quais coisas? As respostas do general são crípticas: "Eu sabia de muitos empreiteiros?" Sim, mas quantos? "Vários, alguns?"Garcia dos Santos exigiu a expulsão de "tal e tal e tal", funcionários da JAE. Cravinho aceitou mas acabou por recuar, o que levou o militar a pedir a demissão e a telefonar ao semanário de Pinto Balsemão. Na edição de 3 de Outubro de 1998 afirmou ter "quase a certeza absoluta" de que o governo sabia quais eram "as pessoas corruptas dentro da Junta". As declarações custaram-lhe uma audição no gabinete do procurador-geral da República, Cunha Rodrigues - e uma comissão parlamentar de inquérito. Como carecia de provas, respondeu ao procurador que "não tinha de ser" ele a investigar. Na comissão utilizou uma carta do ex-ministro das Finanças Sousa Franco, na qual este admitia conhecer os implicados nos casos de corrupção. Mas, ao ser ouvido na Assembleia da República, Sousa Franco alegou ter-se "esquecido" dos nomes e evitou ser julgado.Em tribunal, Garcia dos Santos disse estar "orgulhoso" por ter respeitado a "palavra de honra" e não ter denunciado os empreiteiros. Ou talvez estes, precavidos, tenham ameaçado negar tudo e mover-lhe processos-crime. Dez inquéritos foram arquivados e os quatro que não o foram produziram acusações contra 19 arguidos por "burla agravada, peculato" e outros crimes.A sentença divulgada a 2 de Maio de 2001 confirmava a solidão do general, que acusou a comissão de inquérito de imobilismo. Perante a juíza, Fátima Reis, garantiu que bastaria "que tivessem investigado junto dos serviços administrativos dos partidos" para conhecer os corruptos, algo que nunca aconteceu. "Até à data, os resultados foram zero", reconheceu. Hoje, já aposentado, recorda a sentença como "um dos maiores louvores" da sua carreira". (por Enrique Pinto-Coelho, jornalista do Jornal I)
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