
Pode-se partir sem viajar, sobrevoando a realidade, sem nada ver, nem perceber. Como se pode viajar sem partir, permanecendo no mesmo lugar, apenas observando, analisando, percorrendo caminhos novos ou repisando velhas vias. Foi o que aconteceu ao viajante desde 4 de Abril de 2003, numa longa caminhada através de 450 mil caracteres, em etapas quinzenais, aqui no Diário Económico. Cumpre-se hoje mais uma etapa, a 100ª. Tratou-se apenas de uma viagem contínua pelo interior do Turismo. Objectivo: revelar novas realidades, apontar caminhos.Um desafio estimulante para o viajante, sobretudo porque confrontado com alterações inesperadas, que obrigaram a correcções de rota e a novas abordagens. Nada que tenha a ver com viagens anteriores. Nestes escassos anos sucederam-se governos, alteraram-se estratégias, criaram-se novas estruturas, anunciaram-se objectivos ambiciosos, mas infelizmente os resultados não são famosos: enquanto o Turismo crescia no Mundo (+140 milhões), na Europa (+50) e em Espanha (+9), em Portugal caiu sucessivamente desde 2002 e só voltou a atingir os números de 2001 (12 milhões) em 2006. Dá para pensar. Infelizmente não são poucos os que acham que o turismo começou no dia em que eles próprios fizeram a “primeira viagem”... Acham que é “fácil”, que é um fenómeno espontâneo, que basta ter uns hotéis, uns golfes e umas ‘low cost’ e os turistas cairão aos milhões...A verdade é que em Portugal vários governos, e mesmo muitos agentes económicos, não perceberam as consequências de alguns acontecimentos e alterações estruturais, que abalaram os alicerces do próprio Turismo. Exemplos não faltam. O 11 de Setembro de 2001, as intervenções militares “aliadas” no Iraque e Afeganistão e aquilo a que o viajante apelidou de “globalização da insegurança”, diariamente presente. O desmoronar do edifício majestático do transporte aéreo, nomeadamente das grandes companhias de “bandeira”. A erupção na Europa das companhias ‘low cost’ que, associadas ao uso crescente da internet, alteraram as formas de movimentação de milhões de turistas e geraram um “novo” turista, o turista ‘on line’: uma revolução das formas de comercialização do Turismo. Consequências? A crise dos grandes operadores europeus, habituados a ser os “donos” dos grandes mercados emissores (R. Unido, Alemanha, França) e a condicionar a oferta hoteleira. Foi o desmoronar de um modelo que parecia eterno.Mas enquanto tudo isto acontecia, e era aqui denunciado pelo viajante, que fizeram em Portugal governos? Pouco ou nada. Não perceberam o que se passou, cometeram erros, atrasaram-se. Limitaram-se a fazer proclamações altissonantes e até irresponsáveis: que o turismo era “prioridade” e “motor da retoma” e que Portugal em poucos anos estaria no ‘top ten’ do turismo mundial (40 milhões de turistas!); inventaram “medidas” (40!); tentaram introduzir uma “taxa de estadia”; desmontaram estruturas e desarticularam a promoção; inventaram um “ministro do turismo” e instalaram um “secretário de estado” no Algarve! Mas importa também dizer que muitos empresários, associações, apesar das alterações que também viveram, não perceberam o que se estava a passar. O viajante recorda apenas que um alto dirigente de uma companhia aérea privada, em 2004, no congresso da Apavt, afirmou que as ‘low cost’ eram... uma moda! A sua companhia já foi vendida. Felizmente um outro empresário, que ainda há um ano afirmava que as ‘low cost’ não tinham interesse para a Madeira, hoje, ainda que com atraso, já diz o contrário!Viajar sem partir. Etapa 100. Porquê recordar, hoje, estas questões? É simples: apesar dos sinais de mudança do actual governo, não só continuam a estar presentes, aos vários níveis, muitas incompreensões sobre as alterações dos últimos anos, como surgem novas ilusões, como por exemplo o carácter milagroso das ‘low cost’, as propostas voluntaristas de “oferta turística” e a irresistível e cíclica tentação de “fugas para a frente” em termos de crescimento. Na verdade continua-se a desconhecer as reais potencialidades do país e as dinâmicas do Turismo. Mas essa é outra viagem.
Fonte: por Vítor Neto, Empresário, presidente do NERA e vice - presidente da AIP, em Diário Económico
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