Quantos vamos ser? Com que características? Como funcionarão os nossos serviços públicos? Ainda teremos um Serviço Nacional de Saúde? Ou um sistema de pensões? Muitos portugueses far-se-ão estas perguntas, mas as respostas escasseiam. Não podemos adivinhar o futuro mas podemos olhar para a atualidade e tentar prever o que nos vai acontecer. Ou, pelo menos, estimar como vão ser os dias de amanhã. Foi o que o VISÃO fez, ouvindo especialistas portugueses da área da Demografia, da Saúde, do Ensino e da Segurança Social. Aqui fica o quadro possível do que vamos ser amanhã
STRESSE NA EDUCAÇÃO
Para Luísa Castro Loura, 60 anos, responsável pela Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, há dois fatores cruciais para definir o futuro do sistema de ensino: a natalidade e o ritmo das reformas dos professores. "A queda da natalidade foi muito abrupta e daqui a algum tempo os efeitos far-se-ão sentir no ensino", nota a também professora da Faculdade de Ciências de Lisboa. Quanto às aposentações, nota a especialista em Estatística, houve um grande número, nos últimos anos, motivado pelas alterações legislativas que "apressaram" os professores para a PASSAGEM à reforma. "Espero PASSAGENS reduzidas à reforma, até 2020, de 6500 a 7500 por ano. Depois dessa data, devem crescer muito." Outro fator, contudo, pode vir a ter impacto nas escolas (e na contratação de professores): o sucesso escolar. Segundo dados do PISA 2012, um relatório produzido pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico, 34,3% dos alunos portugueses com 15 anos já tinham tido pelo menos um chumbo no seu percurso escolar. Para Portugal cumprir as metas a que se propõe, contudo, tem de diminuir fortemente a repetência, o que baixará o número de alunos (e também as necessidades de professores).
MAIS PENSIONISTAS, A MESMA DESPESA
No âmbito das despesas da Segurança Social surgem itens como o Subsídio de Desemprego ou o Rendimento Social de Inserção, mas a parte de leão é com as pensões, sobretudo as de velhice. Com o inelutável envelhecimento demográfico em Portugal nenhuma projeção conhecida avança outro cenário, o peso das despesas com pensões tenderá a agravar-se. Segundo as projeções do INE, em 2060 haverá mais de 3 milhões de pessoas com idades superiores a 65 anos e, destas, a maior parte terá mais de 80 sobretudo mulheres. Segundo The 2012 Ageing Report, da Comissão Europeia, os pensionistas do sistema público português serão superiores a 3,7 milhões, em 2060, valor superior ao dos idosos. Contudo, as previsões para o peso da despesa em percentagem do PIB não ultrapassam em muito o atual passa de 12,5% para 12,7%, um acréscimo de apenas 0,2%. Para tal contará, claro, o aumento da idade da reforma, que é balizado por uma fórmula que considera a esperança de vida à nascença. O chamado fator de sustentabilidade elevará a idade de aposentação para 67 anos, em 2050, prevê a OCDE. Por outro lado, o mesmo organismo considera que o valor das pensões continuará a baixar. O efeito combinado destes dois fatores explicará a razão pela qual, apesar do forte envelhecimento demográfico, o impacto financeiro é reduzido.
POPULAÇÃO - MENOS E MAIS VELHOS
Até 2060, a população portuguesa perderá quase dois milhões de indivíduos, segundo os dados das projeções do Instituto Nacional de Estatística (INE). Em todas as regiões haverá perda de população, exceto no Algarve. A população idosa superará em muito a jovem e a tradicional pirâmide de idades ficará empolada no topo, nas idades mais avançadas, nas quais o número de mulheres superará em muito o de homens
'O FUTURO CONTINUA DEPOIS DOS 65'
"As grandes linhas do nosso futuro demográfico estão decididas", assegura Maria João Valente Rosa, 53 anos, demógrafa e diretora da Pordata. "Segundo as projeções do Eurostat, em 2040 seremos o País mais envelhecido da União Europeia. Este é um fenómeno que veio para ficar, mesmo que haja uma pequena recuperação do número médio de filhos por mulher", nota. "Contudo, não é uma tragédia. Pelo contrário, é o resultado de conquistas civilizacionais que fizemos. Acaba por ser um teste, por nos pôr à prova", acrescenta a autora de Envelhecimento da Sociedade Portuguesa (Relógio d'Água/FFMS, 2010). Para a investigadora, os idosos do futuro serão diferentes dos atuais. "Mais escolarizados, mais próximos das novas tecnologias, saberão que vão viver mais tempo", explica. Por isso, ressalva, não fará sentido que "deixem de ser interessantes para a sociedade, aos 65 anos: perdemos capital humano, o que causa transtornos económicos e sociais". Consequências desta mudança? "São necessárias soluções diferentes. A organização da nossa vida em três fases, a da formação, a da atividade e a da reforma, tem de ser repensada", nota Maria João Valente Rosa. "As pessoas vão viver mais tempo e têm de se preparar para isso. O que vamos fazer com o nosso bónus de vida? Talvez tenhamos de ter várias carreiras, ao longo da nossa vida, pois o futuro continua depois dos 65 anos."
MAIS LONGEVIDADE NÃO PESA
"A pressão sobre a despesa virá, como tem vindo, da inovação, cada vez mais dirigida à população idosa", prognostica Pedro Pita Barros, 48 anos, professor da Nova School of Business and Economics. "O envelhecimento da população traz desafios sobretudo organizacionais, na relação que as pessoas têm de ter com a sua saúde, com a(s) sua(s) doença(s) e com o sistema de saúde, e dentro deste com o Serviço Nacional de Saúde", nota o economista especialista em Saúde. A opinião do vice-reitor da Universidade Nova de Lisboa é consentânea com os resultados dos vários cenários realizados no âmbito do relatório The 2012 Ageing Report, realizado pela Comissão Europeia. Neste estudo, um dos fatores mais críticos no aumento dos custos com a Saúde é precisamente o que diz respeito à inovação tecnológica, que tem um peso superior ao do intenso envelhecimento da população europeia. Pedro Pita Barros corrobora: "A ideia de que o envelhecimento da população é o principal fator de crescimento da despesa em saúde é errada, também em Portugal." O especialista nota ainda que o grande volume de despesas em saúde na idade adulta é nos dois anos antes da morte. "O envelhecimento apenas transfere esta despesa para um momento mais tardio." Para Pedro Pita Barros, o mito de que o envelhecimento acarreta mais despesas de saúde prende-se ainda com outras duas razões. "Parte da inovação tecnológica, que tem elevados custos, é usada pela população mais idosa os custos daí derivados não resultam da alteração em estruturas demográficas mas sim das novas tecnologias." E, por último, Pedro Pita Barros considera que existe uma contaminação entre a situação da Segurança Social e a da Saúde. "O envelhecimento tem consequências diretas muito mais fortes sobre o sistema de pensões e há uma 'importação', por semelhança, no discurso público." (texto do jornalista da Visão, Paulo Chitas, artigo publicado na VISÃO 1147, de 26 de fevereiro, com a devida vénia)