Diz a jornalista do Jornal I, Marta Reis que um "estudo inédito
estima que violência financeira é tão frequente como a psicológica depois dos
60. Filhos e netos são os principais agressores. Roubos e utilização de
objectos contra a vontade do próprio. Assinatura forçada de documentos ou
concessão de direitos legais. Apropriação da casa e ausência de contributo nas
despesas domésticas, obrigando os mais velhos a suportar com os rendimentos todas
as despesas do agregado. O primeira estimativa da incidência nacional da
violência em relações de confiança contra pessoas com mais de 60 anos revela
que as agressões do foro financeiro são tão frequentes como as psicológicas e
acontecem mais vezes do que os maus-tratos físicos, que geralmente tem maior
visibilidade. O primeiro estudo sobre a prevalência da violência contra idosos
na população portuguesa, apresentado ontem pelo Instituto Nacional de Saúde Dr.
Ricardo Jorge (INSA), permite estimar que no período de um ano entre Outubro de
2011 e o mesmo mês do ano seguinte houve 160 mil idosos coagidos
financeiramente por pessoas que conheciam. Na maioria das vezes, os agressores
são os descendentes, filhos e netos. Em quase três e em cada dez casos será
assim, seguindo-se as situações que envolvem outros familiares (25,9%),
amigos/vizinhos (11,6%) e profissionais conhecidos (10,8%). Ana Paula Gil,
coordenadora do projecto Envelhecimento e Violência do INSA - que além de
prevalências populacionais com base em inquéritos telefónicos a nível nacional
traçou um retrato das vítimas com base em inquéritos em instituições - rejeita
uma relação da prevalência da violência financeira com a crise, uma vez que não
há dados de outros anos. Mas admite ter sido surpreendente perceber a
incidência deste tipo de agressões nesta faixa etária, cerca de 6,3%, tão
grande como a violência psicológica que inclui actos como ignorar, gritar,
ofender, humilhar ou ameaçar. Comparando com estudos internacionais que
seguiram uma metodologia parecida com a que foi aplicada pelo INSA, apenas
Israel apresenta uma prevalência da mesma ordem para a violência financeira.
Nos EUA, país apontado pelos investigadores como aquele com que Portugal
compara mais em matéria de violência contra idosos do que com a Europa,
estima-se que 5,2% dos idosos estejam sujeitos a este tipo de coacção. No Reino
Unido ou Espanha são 1%. O estudo populacional estimou uma uma prevalência para
os vários tipos de agressões de 12,3% ao longo de um ano (314 mil casos).
Segundo a coordenadora, está traçado um retrato "preocupante" e que
cuja mitigação deve ser prioridade nacional. "Acho que se tem feito
pouco", admitiu Ana Paula Gil, reconhecendo que mais do que um aumento da
violência, o envelhecimento do país fará com que seja cada vez mais visível. Se
os autores não falaram da crise, um dos oradores referiu o contexto
desfavorável, numa realidade já de si especial em que as fronteiras da
violência se diluem num contexto onde afectos e culpa perpetuam as agressões. "Num
clima social voltado para a estigmatização e com os mais velhos assumindo
muitas vezes o lugar de maus da fita, perde-se a vergonha de ser abusado e de
abusar", disse António Leuschner, psiquiatra e professor no Instituto de
Ciências Biomédicas Abel Salazar da Universidade do Porto. Situações em que os
idosos aceitam ser fiadores dos filhos e acabam por ter os bens penhorados em
final de vida foi uma das realidades apontadas.
SÓ 30% DENUNCIA
Tanto no estudo de prevalência como no inquérito a vítimas, trabalhos
que Ana Paula Gil considerou complementares, uma das conclusões que segundo a
especialista deve merecer mais acção é a baixa taxa de denúncias. O estudo
populacional estimou que entre as vítimas, 64,9% não fala sobre a situação nem
apresenta queixa. Já entre as cerca de 500 pessoas inquiridas em instituições,
só 28% admitiu ter comunicado a situação a outra instituição que não aquela
onde está a ser acompanhado. Apesar de tudo, é nos casos de violência
financeira que mais vezes se avançam com queixas, surgindo no extremo oposto a
violência física, que segundo o mesmo estudo anónimo pode ter afectado 57 760
idosos no mesmo período (2,3%). Considerar a situação irrelevante, querer
proteger o agressor e a família e medo foram as razões mais apontadas para não
denunciar no estudo populacional. No inquérito às vítimas com apoio, o
"medo de represálias" foi o motivo mais frequente, seguindo-se a
protecção do agressor e da família, irrelevância e falta de informação. Mas dez
pessoas responderam medo de ficar só e 15 o receio de ninguém acreditar. Na
hora de procurar ajuda, a maioria opta pela polícia, seguindo-se redes
informais e só no fim profissionais de saúde.
O PESO DA POBREZA
Tentar perceber quais são os idosos vulneráveis e o contexto dos abusos
é um dos objectivos do projecto financiado em 163 mil pela Fundação para a
Ciência e Tecnologia e que até ao final de Abril irá entrevistar vítimas para
aprofundar os perfis e avaliar os danos causados pelas diferentes agressões.
Para já, o risco associado à pobreza e baixa escolarização é das constatações
mais robustas. A vulnerabilidade das mulheres também mereceu alertas. Segundo
um dos estudos, têm um risco 1,5 vezes maior de serem vítimas".