sexta-feira, junho 03, 2011

Opinião: o grande ausente da campanha eleitoral

Em vésperas de eleições, resolvi ler alguma coisa que me ajudasse a ficar distante da campanha eleitoral – já não se suporta! – mas que ao mesmo tempo não me desanimasse. A opção acabou pró ser fácil e óbvia: o “memorando de entendimento” assinado com a “troika”! Depressivo. Pura e simplesmente doentio. Não podia, confesso, ter feito melhor escolha. Se por um lado, e à medida que devoramos aquelas páginas, ficamos com a nítida sensação de que alguma coisa não bate certo, particularmente quando ouvimos os políticos falar de facilitismos ou, pior ainda, ignorar o impacto devastador que aquele memorando, a todos os níveis, terá na vida das pessoas, das empresas e das instituições públicas, por outro confrontamo-nos com a dúvida, quase uma certeza, de que a esmagadora maioria dos políticos e dos eleitos nem se dignou, e deveria tê-lo feito, abrir e guardar o documento para leitura futura.
A minha primeira surpresa, por exemplo, centra-se na redução de transferências do Estado para as regiões e municípios, e nas várias alusões a alterações à lei de finanças regionais, das quais resultarão agravamento de impostos.
Numa altura em que Sócrates anda a percorrer o país pateticamente armado em “guardião” do povo e do país – quando na realidade foi o seu coveiro – falando por tudo e por nada nos “portugueses” para a direita, “portugueses” para a esquerda, “portugueses” para baixo e para cima, tentando aproveitar-se da indesmentível ignorância dos cidadãos que desconhecem em absoluto o memorando da “troika” e tudo o que lhes espera, pelo menos até 2014 (porque ninguém sabe o que vai acontecer depois disso), acho interessante recordar algumas das medidas constantes do documento e que certamente ajudarão os eleitores que incompreensivelmente hesitam ou se dizem indecisos (numa altura destas e depois de tudo isto?!) a resolverem o seu problema de consciência de uma vez por todas.
O primeiro aviso está claro como água: "Se os objectivos não forem cumpridos ou for expectável o seu não cumprimento, serão adoptadas medidas adicionais. As autoridades portuguesas comprometem‐se a consultar a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu (BCE) e o Fundo Monetário Internacional (FMI) quanto à adopção de políticas que não sejam consistentes com este Memorando. Prestarão também à Comissão Europeia, ao BCE e ao FMI toda a informação solicitada para a monitorização da implementação do programa e o acompanhamento da situação económica e financeira. Antes dos desembolsos, as autoridades portuguesas deverão apresentar um relatório sobre o cumprimento das condicionalidades”.
E quais são os objectivos do “memorando de entendimento”? Eles estão lá todos: “Reduzir o défice das Administrações Públicas para menos de 10.068 milhões de euros (equivalente a 5,9% do PIB baseado nas projecções actuais) em 2011, para 7.645 milhões de euros (4,5% do PIB) em 2012 e para 5.224 milhões de euros (3,0% do PIB) em 2013, através de medidas estruturais de elevada qualidade e minimizando o impacto da consolidação orçamental nos grupos vulneráveis; trazer o rácio dívida pública/PIB para uma trajectória descendente a partir de 2013; manter a consolidação orçamental a médio prazo até se obter uma posição de equilíbrio orçamental, nomeadamente através da contenção do crescimento da despesa; apoiar a competitividade através de um ajustamento da estrutura de impostos que seja neutral do ponto de vista orçamental”. Por acaso acham os cidadãos, que se consegue isto com uma brincadeira ou com demagogia e mentira, ou mantendo os mesmos incompetentes e bandalhos que estiveram no poder em Lisboa até hoje, ou tolerando que os coveiros do nosso país continuem agarrados ao poder? Porque motivo ninguém ouve Sócrates falar disto nesta campanha eleitoral? Porque motivo esconde ele aos portugueses o que assinou, o que está reservado a este povo em termos de austeridade e porque se chegou a este estado?
E depois o enumerar de medidas concretas, cujo enquadramento e envolvência é esta:
- até final deste ano “o Governo atingirá um défice das Administrações Públicas não superior a 10.068 milhões de euros em 2011” e que se necessário for medidas de austeridade adicionais terão que ser tomadas pelo novo governo sele ele preto, branco, azul às riscas ou roxo;
- em 2012, “o governo atingirá um défice público não superior a 7.645 milhões de euros”, estando previstas, entre outras, diversas medidas a serem implementadas com a Lei do OE para o próximo ano, melhorar o funcionamento da administração central, eliminando duplicações, aumentando a eficiência, reduzindo e extinguindo serviços que não representem uma utilização eficaz de fundos públicos com vista a obter poupanças anuais de, pelo menos, 500 milhões de euros e reduzir custos na área de educação, tendo em vista a poupança de 195 milhões de euros, através da racionalização da rede escolar criando agrupamentos escolares, diminuindo a necessidade de contratação de recursos humanos, centralizando os aprovisionamentos, e reduzindo e racionalizando as transferências para escolas privadas com contratos de associação;
• limitar admissões de pessoal na administração pública para obter decréscimos anuais em 2012‐2014 de 1% por ano na administração central e de 2% nas administrações local e regional;
• controlar os custos no sector da saúde, com base nas medidas detalhadas adiante no ponto sobre “Sistema Nacional de Saúde”, obtendo poupanças de 550 milhões de euros;
• reduzir as pensões acima de 1.500 euros, de acordo com as taxas progressivas aplicadas às remunerações do sector público vigente desde Janeiro, com o objectivo de obter poupanças de, pelo menos, 445 milhões de euros;
• suspender a aplicação das regras de indexação de pensões e congelar as mesmas, excepto para as pensões mais reduzidas, em 2012;
• reformar as prestações de desemprego com base nas medidas sobre “Mercado de trabalho e educação”, obtendo poupanças de 150 milhões de euros a médio prazo;
• Reduzir, em pelo menos 175 milhões de euros, as transferências para as administrações local e regional, no âmbito do contributo deste subsector para a consolidação orçamental;
• reduzir os custos com Serviços e Fundos Autónomos em, pelo menos, 110 milhões de euros;
• reduzir custos no Sector Empresarial do Estado (SEE), com o objectivo de poupar, pelo menos, 515 milhões de euros;
• reduzir, de modo permanente, as despesas de investimento em 500 milhões de euros, estabelecendo projectos prioritários de investimento;
• introdução de uma regra de congelamento em todos os benefícios fiscais, não permitindo a introdução de novos benefícios fiscais ou o alargamento dos existentes, regra esta que se aplicará a todos os tipos de benefícios fiscais, temporários ou permanentes, seja a nível das administrações central, regional ou local;
• redução das deduções fiscais e regimes especiais em sede de IRC, para que se obtenha uma receita de, pelo menos, 150 milhões de euros em 2012, recorrendo a diversas medidas entre as quais a eliminação de todas as taxas reduzidas de IRC, a limitação da dedução de prejuízos fiscais contabilizados em anos anteriores, a redução dos créditos de imposto e revogação de isenções subjectivas e a restrição de benefícios fiscais;
• redução dos benefícios e deduções fiscais em sede de IRS, com vista a obter uma receita de, pelo menos, 150 milhões de euros em 2012 e que incluirá uma alteração à Lei das Finanças Regionais para limitar a redução das taxas em sede de IRS nas regiões autónomas a um máximo de 20% quando comparadas com as taxas aplicáveis no continente;
• englobamento de rendimentos, incluindo prestações sociais para efeitos de tributação em sede de IRS e convergência de deduções em sede de IRS aplicadas a pensões e a rendimentos de trabalho dependente, com o objectivo de obter uma receita de, pelo menos, 150 milhões de euros em 2012.

Já perceberam porque motivo o “memorando de entendimento” assinado com a “troika” é o grande ausente desta campanha eleitoral? Já perceberam que perante estas medidas – e deixei apenas uma ínfima parte delas – os programas partidários e manifestos eleitorais valem zero? (Jornal da Madeira/LFM)

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