
Partidos a mais
A proliferação de partidos num país de apenas 170 mil habitantes tem sido muito prejudicial. A nação está dividida, e não é por linhas ideológicas. Partiu-se em ódios pessoais. Deixou de haver solidariedade comunal. Não gosto de palavras como "odiar", "desprezar", "vingar". O meu jornal defende a mudança, mas não um partido. Se as nossas notícias transmitem a ideia de que apoiamos a ADI, é porque Patrice Trovoada representa uma alternância de poder - e isso é bom. Mas já o avisei: "Se o senhor continuar o caminho que tem sido seguido, rapidamente o criticaremos". Não tenho medo de ninguém, embora a minha família e os meus amigos tenham medo por mim. A minha penosa carreira começou em 1982, como estagiário no jornal Revolução, o primeiro criado após a independência em 1975. Fiz um curso no Centro de Formação de Jornalistas do Porto (1984-85). Aprendi a teoria com os professores Pinto Garcia, Salvato Trigo e Costa Carvalho. Aprendi a prática nas redacções do Comércio do Porto, Jornal de Notícias, RDP2 e RTP2. Quando voltei a São Tomé, tinha adquirido tantos conhecimentos que não podia aceitar que censurassem os meus textos. Que me emendassem os erros ortográficos ou fizessem cumprir as regras jornalísticas, eu achava bem, mas não tolerava que apagassem as minhas verdades.
Com o advento da democracia, o Revolução passou a designar-se, em 1989, Notícias de São Tomé e Príncipe. Foi só uma mudança de nome, pois tudo ficou igual. Eu estava sempre em conflito com o director. Ele queria agradar ao poder; eu queria contar aos leitores os males do poder. Deixavam-me fazer apenas as coisas menores, como conferências de imprensa e inaugurações. Fui suspenso uma primeira vez durante oito meses - fiquei em casa a receber o salário, porque eles sabiam que era uma situação ilegal. Voltei a ficar suspenso outros nove meses, na mesma condição. Numa mudança de governo, readmitiram-me, mas na rádio. Quando as notícias desagradavam ao governo, só passavam uma vez. Não eram repetidas. Mas eu ficava contente por terem passado pelo menos uma vez. Nunca cedi. Nasci em liberdade e exigi trabalhar em liberdade. Em 1998, apesar das perseguições, ainda me espantei ao constatar que o meu nome fazia parte de uma lista de funcionários públicos a despedir. Conseguiram concretizar esse plano em 2001, depois de um acordo entre o Governo e o Sindicato dos Trabalhadores do Estado. Que paradoxo! Argumentaram com um excesso de mão-de-obra. No meu caso invocaram a minha idade e experiência laboral. Pagaram-me na altura uma indemnização de 29 milhões de dobras - uma quantia que, na época, era irrisória [actualmente, 1 euro corresponde a uma taxa de câmbio invariável de 24.500 dobras].
Por esta altura, eu já dirigia o quinzenário O Parvo. Aliás, em 1990, ajudei a fundar o primeiro jornal privado são-tomense, O Labor. Desentendimentos com o meu sócio Manuel Barreto ditaram o fim do projecto. Em 1991, ainda fundei A Crónica. Consistia em dez páginas de papel A4, frente e verso, que eu imprimia numa impressora do Ministério do Trabalho oferecida pela cooperação portuguesa. As pessoas adoraram. As pessoas respeitam os jornalistas que são perseguidos. Cheguei a vender 600-700 exemplares d" A Crónica. Era eu quem batia os textos na máquina de escrever, alinhava as colunas, fazia maquetes... Era tudo tão rudimentar. O jornal era vendido nas barbearias Rita e João Pedro Dias, mas também por um ardina na rua. Custava 1000 dobras, menos de 5 cêntimos. Quando a cooperação francesa ofereceu papel e equipamento, incluindo máquinas fotográficas, ousei imprimir nas Artes Gráficas em formato tablóide. O dinheiro acabou, infelizmente, e tive de suspender o jornal, em 1993. No ano seguinte, depois de uma crise com o Presidente Miguel Trovoada, que dissolveu o Parlamento, o Governo do PCD caiu. Eu, que estava sem fazer nada, pensei em fazer outro jornal. O meu amigo Adelino Lucas encorajou-me. À cabeça vieram-me dois nomes sugestivos, dado que os políticos não pareciam gente: Agora e O Parvo. Adelino escolheu O Parvo, mas eu estava hesitante. Pedi conselho a outro amigo, Armindo Cardoso, que sugeriu O Palhaço. Venceu O Parvo. Começámos com 12 páginas e, na primeira, sempre uma caricatura para troçar da situação política. De uma tiragem inicial de 300 exemplares chegámos aos 800. Não sei quem são os nossos leitores-tipo. Nunca fiz um estudo. Sei apenas que quem nos compra e lê procura a verdade. E o poder tem medo da verdade.O artigo que mais problemas me causou foi aquele em que exigi a Fradique de Menezes, quando se candidatou a Presidente da República, que esclarecesse os rumores que circulavam desde os tempos do partido único de que ele vendera barcos de café quando era negociador das exportações do país em Londres. Eu não o acusei, apenas exigi um esclarecimento, mas ele processou-me por difamação e injúria. Exigiu uma indemnização de 350 milhões de dólares. O meu advogado denunciou irregularidades e aconselhou-me a não comparecer a uma audiência com o juiz. Emitiram um mandado de captura contra mim e eu não podia ficar fechado em casa nestas condições. Fui ao tribunal. Deram-me ordem de prisão. Entrei num sábado e saí na segunda-feira seguinte. Foram tantos os protestos que o juiz, no dia do julgamento, considerou-se inapto para me julgar e arquivou o processo. Depois disso, eu exigi ser julgado para limpar o meu nome - mas nunca consegui. Se eu tivesse sido julgado, tenho a certeza, Fradique de Menezes não teria sido reeleito Presidente, em 2006 [assumiu pela primeira vez a presidência em 2001]. As explicações que ele deu ao país foram vagas. Todos sabem que ele é o maior comerciante de cacau de São Tomé. Compra tudo e exporta tudo.
Com o advento da democracia, o Revolução passou a designar-se, em 1989, Notícias de São Tomé e Príncipe. Foi só uma mudança de nome, pois tudo ficou igual. Eu estava sempre em conflito com o director. Ele queria agradar ao poder; eu queria contar aos leitores os males do poder. Deixavam-me fazer apenas as coisas menores, como conferências de imprensa e inaugurações. Fui suspenso uma primeira vez durante oito meses - fiquei em casa a receber o salário, porque eles sabiam que era uma situação ilegal. Voltei a ficar suspenso outros nove meses, na mesma condição. Numa mudança de governo, readmitiram-me, mas na rádio. Quando as notícias desagradavam ao governo, só passavam uma vez. Não eram repetidas. Mas eu ficava contente por terem passado pelo menos uma vez. Nunca cedi. Nasci em liberdade e exigi trabalhar em liberdade. Em 1998, apesar das perseguições, ainda me espantei ao constatar que o meu nome fazia parte de uma lista de funcionários públicos a despedir. Conseguiram concretizar esse plano em 2001, depois de um acordo entre o Governo e o Sindicato dos Trabalhadores do Estado. Que paradoxo! Argumentaram com um excesso de mão-de-obra. No meu caso invocaram a minha idade e experiência laboral. Pagaram-me na altura uma indemnização de 29 milhões de dobras - uma quantia que, na época, era irrisória [actualmente, 1 euro corresponde a uma taxa de câmbio invariável de 24.500 dobras].
Por esta altura, eu já dirigia o quinzenário O Parvo. Aliás, em 1990, ajudei a fundar o primeiro jornal privado são-tomense, O Labor. Desentendimentos com o meu sócio Manuel Barreto ditaram o fim do projecto. Em 1991, ainda fundei A Crónica. Consistia em dez páginas de papel A4, frente e verso, que eu imprimia numa impressora do Ministério do Trabalho oferecida pela cooperação portuguesa. As pessoas adoraram. As pessoas respeitam os jornalistas que são perseguidos. Cheguei a vender 600-700 exemplares d" A Crónica. Era eu quem batia os textos na máquina de escrever, alinhava as colunas, fazia maquetes... Era tudo tão rudimentar. O jornal era vendido nas barbearias Rita e João Pedro Dias, mas também por um ardina na rua. Custava 1000 dobras, menos de 5 cêntimos. Quando a cooperação francesa ofereceu papel e equipamento, incluindo máquinas fotográficas, ousei imprimir nas Artes Gráficas em formato tablóide. O dinheiro acabou, infelizmente, e tive de suspender o jornal, em 1993. No ano seguinte, depois de uma crise com o Presidente Miguel Trovoada, que dissolveu o Parlamento, o Governo do PCD caiu. Eu, que estava sem fazer nada, pensei em fazer outro jornal. O meu amigo Adelino Lucas encorajou-me. À cabeça vieram-me dois nomes sugestivos, dado que os políticos não pareciam gente: Agora e O Parvo. Adelino escolheu O Parvo, mas eu estava hesitante. Pedi conselho a outro amigo, Armindo Cardoso, que sugeriu O Palhaço. Venceu O Parvo. Começámos com 12 páginas e, na primeira, sempre uma caricatura para troçar da situação política. De uma tiragem inicial de 300 exemplares chegámos aos 800. Não sei quem são os nossos leitores-tipo. Nunca fiz um estudo. Sei apenas que quem nos compra e lê procura a verdade. E o poder tem medo da verdade.O artigo que mais problemas me causou foi aquele em que exigi a Fradique de Menezes, quando se candidatou a Presidente da República, que esclarecesse os rumores que circulavam desde os tempos do partido único de que ele vendera barcos de café quando era negociador das exportações do país em Londres. Eu não o acusei, apenas exigi um esclarecimento, mas ele processou-me por difamação e injúria. Exigiu uma indemnização de 350 milhões de dólares. O meu advogado denunciou irregularidades e aconselhou-me a não comparecer a uma audiência com o juiz. Emitiram um mandado de captura contra mim e eu não podia ficar fechado em casa nestas condições. Fui ao tribunal. Deram-me ordem de prisão. Entrei num sábado e saí na segunda-feira seguinte. Foram tantos os protestos que o juiz, no dia do julgamento, considerou-se inapto para me julgar e arquivou o processo. Depois disso, eu exigi ser julgado para limpar o meu nome - mas nunca consegui. Se eu tivesse sido julgado, tenho a certeza, Fradique de Menezes não teria sido reeleito Presidente, em 2006 [assumiu pela primeira vez a presidência em 2001]. As explicações que ele deu ao país foram vagas. Todos sabem que ele é o maior comerciante de cacau de São Tomé. Compra tudo e exporta tudo.
A morte do ardina
Em 16 anos de existência, O Parvo nunca foi suspenso, porque eu não cedo. Não, não é um sinal de democracia que eu possa publicar artigos críticos do regime e que empresas do Estado publiquem anúncios no meu jornal. É um sinal da minha coragem! Porque eu padeço e muito. Até os meus colaboradores têm medo. As pessoas admiram-me, porque eu sou um indivíduo sem apoios, um excluído do poder - não da sociedade, que me quer bem, como homem de valor. Sou jornalista independente que dá voz ao povo. O poder receia tanto O Parvo que, depois de o meu melhor ardina ter morrido com um ataque de epilepsia, outros começaram a ser amedrontados com a ameaça de que também eles morreriam, se vendessem o meu jornal. Que disparate! As pessoas continuam a querer saber as verdades. Ainda recentemente esgotámos uma edição em poucas horas quando publicámos, em manchete, uma declaração do Presidente Fradique - que outros meios de comunicação ignoraram - em que ele acusava o primeiro-ministro, Rafael Branco, de ter feito parte de uma conspiração para o afastar do poder, num golpe dos Búfalos, unidade da Frente Democrática Cristã.Repito: eu não tenho medo. Só uma bala me pode parar. E sim, o meu lema é o que as mães ensinam aos filhos em São Tomé e Príncipe: "Leve, leve." Não no sentido de andar devagar, sem pressa. Mas no sentido de ter cuidado, porque este caminho que trilhamos é perigoso” (reportagem da jornalista Margarida Santos Lopes do Publico, com a devida vénia)
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