segunda-feira, março 16, 2015

Opinião: "JUSTIÇA"



“Nunca percebi os que acham que bastou o “Citius” para que a justiça portuguesa se credibilize aos olhos da opinião pública portuguesa. Bem vistas as coisas, comecemos pelo princípio: em que é que a justiça portuguesa não está credibilizada aos olhos das pessoas? Porque demora muito? Porque não faz um esforço para preservar o segredo de justiça? Porque continua a ter uma enorme (e incompreensível) dificuldade em se relacionar com a comunicação social, talvez porque nunca se preocupou em criar estruturas que respondam a essas exigências novas? Porque possui uma multiplicação de estruturas e de serviços dispersos numa orgânica complexa que muitas vezes é a causa do seu atrofiamento? Porque os tribunais não decidem como os cidadãos acham que deviam decidir, como se a justiça tivesse de funcionar a pedido, qual cardápio destinado a satisfazer todos os caprichos e opiniões? Porque a justiça decide sem dar explicações plausíveis aos cidadãos que legitimamente esperam respostas?
Não gosto, por princípio, de me envolver em discussões em torno da pretensa credibilidade da justiça ou de qualquer outra atividade profissional, porque tudo isso é muito relativo. Tal como acho que não somos obrigados a aturar alguns políticos quando se empenham freneticamente em discutir o estado do jornalismo, na lógica deles, escondendo que o que os anima numa discussão tendenciosa e manipulada são interesses partidários e um incontido desejo de controlo da informação. Não creio que muitas das pessoas que se envolvem no debate público sobre a justiça, sempre que ela é colocada na agenda mediática, tenham conhecimentos mínimos para o fazerem.
Está tudo bem na justiça? Obviamente que não. Mas afinal o que é que está bem neste país?
Pode-se questionar se a justiça portuguesa é célere, se demora tempo demasiado a decidir. Qualquer cidadão é livre de pensar o que entender sobre isto. Mas não podemos ir por esse caminho sem suscitar outros factos, direta ou indiretamente associados ao tema, alguns dos quais com influência decisiva na definição da própria velocidade do processo de decisão na justiça. Existem tribunais devidamente estruturados em termos de orgânica eficaz? Os próprios tribunais têm uma estrutura interna que garante a desejada eficácia funcional e organizacional? Haverá demasiada burocracia processual? As entidades ligadas à investigação, e dependentes do Ministério Público, dispõem de todos os meios necessários? Existem funcionários judiciais a mais ou a menos? A informatização da justiça está concluída e é eficaz? Os juízes possuem serviços de apoio adequados ao exercício da sua atividade, como é o caso de alguns membros do governo que possuem "exércitos" de assessores, adjuntos, secretárias, etc.
Quando oiço os políticos queixarem-se da justiça - e particularmente os políticos ligados aos partidos do chamado arco da governação nunca assumem erros, decisões mal tomadas, ou inadequadas alterações aos Códigos de processo Civil e Penal, etc, porque se o fizessem estariam a reconhecer a sua própria culpabilidade pelo estado de coisas que tanto criticam - apetece-me logo perguntar-lhes quem é que afinal produz toda a panóplia legislativa que depois é aplicada pelos agentes da justiça? Não serão os funcionários judiciais, os advogados, os juízes, etc, meros executantes de decisões políticas e governativas tomadas pelos que são eleitos democraticamente pelo povo e depois desempenham funções executivas? Como se constata, para além da hipocrisia subjacente a esta temática, existe um imenso campo de discussão.
O que se espera da justiça, da política, do jornalismo, da economia, das finanças, da saúde, da educação, etc, é que as coisas funcionem, que todos os dias seja feito um esforço de aperfeiçoamento suscetível de permitir que os que estão diretamente adstritos a essas diferentes atividades profissionais, se sintam realizados. Porventura acham que os sucessivos governos têm feito tudo o que devem pela justiça? Estará a justiça mais próxima (e acessível) dos cidadãos ou, pelo contrário, foram tomadas decisões levianas nos gabinetes bem compostos do poder, impondo o encerramento de tribunais, aprovando orgânicas que distanciam ainda mais a justiça dos cidadãos, agravando as custas para montantes que constituem um descarado roubo às pessoas que dela precisam ou a ela recorrem, dando razão aos que acham que há uma justiça para pobres e uma justiça para os ricos? Por acaso este governo de coligação, agora tão "manso" porque a caça ao voto o determina, pode chegar a qualquer lado e sustentar que tem a consciência tranquila relativamente à justiça?
Perseguem-se os magistrados, tenta-se alterar estatutos profissionais e esmagar outros direitos adquiridos no quadro de carreiras profissionais negociadas durante anos. Os funcionários judiciais são cada vez mais vítimas da falta de recursos humanos adequados, fazendo-os roçar o que alguns já designaram de “escravatura” laboral. Não foi o próprio Estado a ceder às reivindicações dos magistrados e dos funcionários no quadro da dignificação da sua carreira? Qual é agora a moral desse mesmo Estado, por muito que seja e goste de ser ladrão (só sabe sê-lo), de vir fazer o que tem feito ao longo destes quatro anos, distorcendo valores e princípios que se julgavam adquiridos, até no quadro do respeito pela dignidade humana? Justiça é tudo isto. Tal como na Saúde ou na educação.
Num contexto que todos conhecemos, e que não devemos esquecer nem deixar que nos manipulem com conversas mansas só porque estamos a meses das eleições - há uma catástrofe social em Portugal, obviamente à nossa escala, que levou a que a própria a Comissão Europeia tivesse acusado o governo de coligação português de não ter sabido lidar com o aumento da pobreza nem com o desemprego elevado, sobretudo dos jovens, que continuam a ser os grandes prejudicados por esta política bandalha que a corja agora quer endeusar - por que razão alguns lavam as mãos de uma responsabilidade que é só deles? A justiça é lenta e precisa de medidas para a dotar de mais eficácia? E depois, há que anos ouvimos dizer isso? O que tem feito a classe política de poder ao longo destes anos? “Sacudir a água do capote” e atirar as culpas para os que se limitam a dar execução à legislação que os políticos aprovam?
Será este um debate sério?
Regressando ao "Citius", tema que suscitei logo no início do primeiro destes dois textos dedicado à temática da justiça, confesso que tenho dúvidas sobre se estamos ou não perante um descarado instrumento "legal" de devassa da vida privada dos cidadãos.
Expliquem-me por que razão um casal, só porque se divorciou de forma litigiosa e disputa nos tribunais a guarda dos filhos, tem que partilhar esses problemas da sua vida privada, e que apenas lhes dizem respeito, com qualquer cidadão que aceda ao "Citius" unicamente em busca de informação que alimente a intriga e a maledicência?
Expliquem-me por que razão uma empresa com dificuldades financeiras, envolvida por isso numa disputa judicial com a banca ou outros credores, sem que tenha havido qualquer decisão, tem que partilhar esses problemas e dificuldades internas normais nestes tempos de crise com qualquer cidadão que acede ao "Citius" unicamente em busca de informação que alimente a intriga e a maledicência?
Expliquem-me por que razão um cidadão que recorreu aos tribunais para resolver questões laborais com a empresa empregadora, tem que partilhar esse problema pessoal, e que apenas lhe diz respeito, com qualquer pessoa que acede ao "Citius" unicamente em busca de informação que alimente a intriga e a maledicência?
Expliquem-me por que razão um cidadão, seja ele político ou não, só porque está envolvido no Tribunal numa disputa de natureza financeira com um banco, com reclamação de créditos vencidos ou outras divergências, tem que ser obrigado a partilhar esses problemas pessoais, e que apenas lhe dizem respeito e à sua família, com qualquer cidadão que acede ao "Citius" unicamente em busca de informação que alimente a intriga e a maledicência?
Não haverá nestes exemplos que acabei se suscitar uma clara devassa da vida privada que faz com que muitos dos cidadãos nestas condições sejam julgados na praça pública, enxovalhados nas redes sociais, alvos de ataques à sua dignidade e honorabilidade, sem que tenham sido julgados e condenados e sem que o respetivo Tribunal titular do processo tenha tomado qualquer decisão sobre qualquer das partes em litígio?
O que é que eu tenho a ver com os problemas pessoais, tenham eles a natureza que tiverem, do meu vizinho ou de qualquer amigo ou conhecido? O que é que o meu vizinho ou qualquer meu amigo ou conhecido têm a ver com os meus problemas pessoais e com eventuais disputas que possa um dia ter na justiça?
Não entendo, muito sinceramente não entendo, esta perspetiva de que a justiça é "transparente" por causa disto. Não entendo esta lógica da bufaria institucionalizada pela própria justiça e que nada tem a ver com as regras mais elementares do que considero ser o respeito pelos direitos dos cidadãos ou das empresas.
Tenho a certeza que a Justiça com a atual ministra, foi nestes quatro anos uma área sensível como sempre, mas acrescidamente geradora de conflitos institucionais e corporativistas. Pareceu-me por vezes existir um desejo político de enxovalhar publicamente alguns dos protagonistas da justiça, aversão que se sentiu mais acrescida quando a contestação cresceu, quer na questão do Citius quer aquando da polémica reforma dos tribunais. O que se passou em Portugal a confusão na justiça, foi um aumento vergonhoso das custas que apenas afastam as pessoas com menos rendimentos desse direito constitucional e que dão razão a todos os que sustentam que há cada vez mais uma justiça pera os pobres e outra para os ricos. Não por causa da administração da justiça à luz dos factos e dos Códigos. Mas pela desigualdade imposta por lei relativamente ao direito de todos poderem aceder à justiça se precisarem dela (LFM/JM)