“Nunca percebi
os que acham que bastou o “Citius” para que a justiça portuguesa se credibilize
aos olhos da opinião pública portuguesa. Bem vistas as coisas, comecemos pelo
princípio: em que é que a justiça portuguesa não está credibilizada aos olhos
das pessoas? Porque demora muito? Porque não faz um esforço para preservar o
segredo de justiça? Porque continua a ter uma enorme (e incompreensível)
dificuldade em se relacionar com a comunicação social, talvez porque nunca se
preocupou em criar estruturas que respondam a essas exigências novas? Porque
possui uma multiplicação de estruturas e de serviços dispersos numa orgânica complexa
que muitas vezes é a causa do seu atrofiamento? Porque os tribunais não decidem
como os cidadãos acham que deviam decidir, como se a justiça tivesse de
funcionar a pedido, qual cardápio destinado a satisfazer todos os caprichos e
opiniões? Porque a justiça decide sem dar explicações plausíveis aos cidadãos
que legitimamente esperam respostas?
Não gosto, por
princípio, de me envolver em discussões em torno da pretensa credibilidade da
justiça ou de qualquer outra atividade profissional, porque tudo isso é muito
relativo. Tal como acho que não somos obrigados a aturar alguns políticos
quando se empenham freneticamente em discutir o estado do jornalismo, na lógica
deles, escondendo que o que os anima numa discussão tendenciosa e manipulada
são interesses partidários e um incontido desejo de controlo da informação. Não
creio que muitas das pessoas que se envolvem no debate público sobre a justiça,
sempre que ela é colocada na agenda mediática, tenham conhecimentos mínimos
para o fazerem.
Está tudo bem
na justiça? Obviamente que não. Mas afinal o que é que está bem neste país?
Pode-se
questionar se a justiça portuguesa é célere, se demora tempo demasiado a
decidir. Qualquer cidadão é livre de pensar o que entender sobre isto. Mas não
podemos ir por esse caminho sem suscitar outros factos, direta ou indiretamente
associados ao tema, alguns dos quais com influência decisiva na definição da
própria velocidade do processo de decisão na justiça. Existem tribunais
devidamente estruturados em termos de orgânica eficaz? Os próprios tribunais
têm uma estrutura interna que garante a desejada eficácia funcional e
organizacional? Haverá demasiada burocracia processual? As entidades ligadas à
investigação, e dependentes do Ministério Público, dispõem de todos os meios
necessários? Existem funcionários judiciais a mais ou a menos? A informatização
da justiça está concluída e é eficaz? Os juízes possuem serviços de apoio adequados
ao exercício da sua atividade, como é o caso de alguns membros do governo que
possuem "exércitos" de assessores, adjuntos, secretárias, etc.
Quando oiço os políticos
queixarem-se da justiça - e particularmente os políticos ligados aos partidos
do chamado arco da governação nunca assumem erros, decisões mal tomadas, ou inadequadas
alterações aos Códigos de processo Civil e Penal, etc, porque se o fizessem
estariam a reconhecer a sua própria culpabilidade pelo estado de coisas que
tanto criticam - apetece-me logo perguntar-lhes quem é que afinal produz toda a
panóplia legislativa que depois é aplicada pelos agentes da justiça? Não serão
os funcionários judiciais, os advogados, os juízes, etc, meros executantes de
decisões políticas e governativas tomadas pelos que são eleitos
democraticamente pelo povo e depois desempenham funções executivas? Como se
constata, para além da hipocrisia subjacente a esta temática, existe um imenso campo
de discussão.
O que se espera
da justiça, da política, do jornalismo, da economia, das finanças, da saúde, da
educação, etc, é que as coisas funcionem, que todos os dias seja feito um
esforço de aperfeiçoamento suscetível de permitir que os que estão diretamente
adstritos a essas diferentes atividades profissionais, se sintam realizados.
Porventura acham que os sucessivos governos têm feito tudo o que devem pela
justiça? Estará a justiça mais próxima (e acessível) dos cidadãos ou, pelo
contrário, foram tomadas decisões levianas nos gabinetes bem compostos do
poder, impondo o encerramento de tribunais, aprovando orgânicas que distanciam
ainda mais a justiça dos cidadãos, agravando as custas para montantes que constituem
um descarado roubo às pessoas que dela precisam ou a ela recorrem, dando razão
aos que acham que há uma justiça para pobres e uma justiça para os ricos? Por
acaso este governo de coligação, agora tão "manso" porque a caça ao
voto o determina, pode chegar a qualquer lado e sustentar que tem a consciência
tranquila relativamente à justiça?
Perseguem-se os
magistrados, tenta-se alterar estatutos profissionais e esmagar outros direitos
adquiridos no quadro de carreiras profissionais negociadas durante anos. Os
funcionários judiciais são cada vez mais vítimas da falta de recursos humanos
adequados, fazendo-os roçar o que alguns já designaram de “escravatura”
laboral. Não foi o próprio Estado a ceder às reivindicações dos magistrados e
dos funcionários no quadro da dignificação da sua carreira? Qual é agora a
moral desse mesmo Estado, por muito que seja e goste de ser ladrão (só sabe
sê-lo), de vir fazer o que tem feito ao longo destes quatro anos, distorcendo
valores e princípios que se julgavam adquiridos, até no quadro do respeito pela
dignidade humana? Justiça é tudo isto. Tal como na Saúde ou na educação.
Num contexto
que todos conhecemos, e que não devemos esquecer nem deixar que nos manipulem
com conversas mansas só porque
estamos a meses das eleições - há uma catástrofe social em Portugal, obviamente
à nossa escala, que levou a que a própria a Comissão Europeia tivesse acusado o
governo de coligação português de não ter sabido lidar com o aumento da pobreza
nem com o desemprego elevado, sobretudo dos jovens, que continuam a ser os
grandes prejudicados por esta política bandalha que a corja agora quer endeusar
- por que razão alguns lavam as mãos de uma responsabilidade que é só deles? A
justiça é lenta e precisa de medidas para a dotar de mais eficácia? E depois,
há que anos ouvimos dizer isso? O que tem feito a classe política de poder ao
longo destes anos? “Sacudir a água do capote” e atirar as culpas para os que se
limitam a dar execução à legislação que os políticos aprovam?
Será este um
debate sério?
Regressando ao
"Citius", tema que suscitei logo no início do primeiro destes dois
textos dedicado à temática da justiça, confesso que tenho dúvidas sobre se
estamos ou não perante um descarado instrumento "legal" de devassa da
vida privada dos cidadãos.
Expliquem-me
por que razão um casal, só porque se divorciou de forma litigiosa e disputa nos
tribunais a guarda dos filhos, tem que partilhar esses problemas da sua vida
privada, e que apenas lhes dizem respeito, com qualquer cidadão que aceda ao
"Citius" unicamente em busca de informação que alimente a intriga e a
maledicência?
Expliquem-me
por que razão uma empresa com dificuldades financeiras, envolvida por isso numa
disputa judicial com a banca ou outros credores, sem que tenha havido qualquer
decisão, tem que partilhar esses problemas e dificuldades internas normais
nestes tempos de crise com qualquer cidadão que acede ao "Citius"
unicamente em busca de informação que alimente a intriga e a maledicência?
Expliquem-me
por que razão um cidadão que recorreu aos tribunais para resolver questões
laborais com a empresa empregadora, tem que partilhar esse problema pessoal, e
que apenas lhe diz respeito, com qualquer pessoa que acede ao
"Citius" unicamente em busca de informação que alimente a intriga e a
maledicência?
Expliquem-me
por que razão um cidadão, seja ele político ou não, só porque está envolvido no
Tribunal numa disputa de natureza financeira com um banco, com reclamação de
créditos vencidos ou outras divergências, tem que ser obrigado a partilhar
esses problemas pessoais, e que apenas lhe dizem respeito e à sua família, com
qualquer cidadão que acede ao "Citius" unicamente em busca de
informação que alimente a intriga e a maledicência?
Não haverá
nestes exemplos que acabei se suscitar uma clara devassa da vida privada que
faz com que muitos dos cidadãos nestas condições sejam julgados na praça
pública, enxovalhados nas redes sociais, alvos de ataques à sua dignidade e
honorabilidade, sem que tenham sido julgados e condenados e sem que o respetivo
Tribunal titular do processo tenha tomado qualquer decisão sobre qualquer das partes
em litígio?
O que é que eu
tenho a ver com os problemas pessoais, tenham eles a natureza que tiverem, do
meu vizinho ou de qualquer amigo ou conhecido? O que é que o meu vizinho ou
qualquer meu amigo ou conhecido têm a ver com os meus problemas pessoais e com
eventuais disputas que possa um dia ter na justiça?
Não entendo,
muito sinceramente não entendo, esta perspetiva de que a justiça é
"transparente" por causa disto. Não entendo esta lógica da bufaria
institucionalizada pela própria justiça e que nada tem a ver com as regras mais
elementares do que considero ser o respeito pelos direitos dos cidadãos ou das
empresas.
Tenho a certeza
que a Justiça com a atual ministra, foi nestes quatro anos uma área sensível
como sempre, mas acrescidamente geradora de conflitos institucionais e
corporativistas. Pareceu-me por vezes existir um desejo político de enxovalhar
publicamente alguns dos protagonistas da justiça, aversão que se sentiu mais
acrescida quando a contestação cresceu, quer na questão do Citius quer aquando
da polémica reforma dos tribunais. O que se passou em Portugal a confusão na
justiça, foi um aumento vergonhoso das custas que apenas afastam as pessoas com
menos rendimentos desse direito constitucional e que dão razão a todos os que
sustentam que há cada vez mais uma justiça pera os pobres e outra para os
ricos. Não por causa da administração da justiça à luz dos factos e dos
Códigos. Mas pela desigualdade imposta por lei relativamente ao direito de
todos poderem aceder à justiça se precisarem dela (LFM/JM)