segunda-feira, dezembro 01, 2014

A propósito do (futuro) do "jackpot" parlamentar madeirense




“Não tenho dúvidas, mais pelo montante em causa do que pela lógica política e parlamentar da sua existência, que o apoio financeiro que os partidos regionais auferem por via da sua representação parlamentar, tenderá a diminuir de forma significativa. Preferencialmente seria recomendável que tudo isso fosse pensado para a próxima Legislatura. Manda o bom senso que as alterações fossem concretizadas apenas depois das próximas eleições regionais, dando deste modo tempo aos partidos para refazerem as suas "casas" adaptando-as a uma nova realidade financeira substancialmente limitativa. Recordo, entretanto, que os partidos sem representação parlamentar, na Madeira, ao contrário do que ocorre na Assembleia da República, não têm direito a qualquer apoio financeiro público.
Não tenho dúvidas também que, nesse contexto, as relações entre o parlamento regional e o Tribunal de Contas, vão clarificar-se e melhorar significativamente, ficando até mais facilitadas, terminando deste modo um diferendo que se mantem há alguns anos e que precisa de ser rapidamente superado. Há, em meu entender, uma sobreposição de legislação, que estranhamente não acabou com omissões, situação que inevitavelmente abre caminho a várias interpretações da lei, algumas delas contraditórias. Aliás, têm sido essa a causa desse diferendo institucional que não interessa a ninguém que seja mantido. Esta absurda situação já levou o Tribunal Constitucional, junto do qual funciona a Entidade de Contas dos Partidos, a reconhecer que vai solicitar ao legislador que a responsabilidade pela fiscalização e controlo das contas dos partidos, no caso das verbas com origem em dotações públicas, volte a ser apenas da competência do Tribunal de Contas, devolvendo a esta entidade uma prerrogativa que foi sua. Desconheço qual o desfecho deste ainda ténue “braço-de-ferro” (que na realidade não existe) entre duas entidades judiciais pouco interessadas em serem arrastadas para conflitos institucionais ou mediáticos por culpa das diatribes do legislador, neste caso, dos próprios partidos, a parte interessada nesta matéria em concreto.
As pessoas precisam de perceber que há partidos que em termos financeiros vivem quer da utilização de instalações da Assembleia Legislativa (alguns deles nem sede física possuem...) quer das transferências mensais atribuídas por terem logrado representação parlamentar, pelo que qualquer redução do valor atual do chamado "jackpot" vai ter maior impacto na estrutura física de alguns partidos. Atende-se que sempre que se fala na redução dos deputados ou na alteração da lei eleitoral esta questão financeira é indevida e recorrentemente esquecida pelos apologistas dessas mudanças.
Neste quadro, parece-me óbvio que o PSD regional será o mais penalizado, por dispor de sedes em todas as freguesias, aparentemente sem ter os meios financeiros próprios para fazer face a tais encargos, sendo previsível que seja incontornavelmente obrigado a fechar sedes e a despedir funcionários. No fundo tal como farão os demais partidos, porventura em menor escala. Todos os partidos serão obrigados a adaptar-se a uma nova situação financeira que presentemente é definida em função dos votos obtidos nas regionais e com o número de deputados eleitos.
Coloca-se aqui uma questão sobre a qual tenho refletido sem a preocupação de conclusões plausíveis: as sedes partidárias, ressalvando algum exagero que possam apontar, são ou não instrumentos que ajudam a concretização do contacto dos partidos com os cidadãos, ao qual estão obrigados? Será preferível, por exemplo, que partidos com representação parlamentar diminuta (1 deputado), abdiquem de ter espaços físicos próprios (alguns nem possuem dirigentes regionais eleitos estatutariamente em congresso, não têm militantes, não realizam reuniões de órgãos regionais inexistentes, etc), limitando-se a usufruir das instalações que o parlamento obrigatoriamente propicia aos deputados, transformando-as na prática nas "sede" que não têm exatamente porque não precisam, já que não registam nenhuma atividade política digna desse nome? Salvo se as conferências de imprensa, quando existem, são entendidas como atividade política de contacto com os eleitores…
A polémica com o chamado "jackpot" (que tem mais a ver com o montante, cerca de 5 milhões de euros anuais) surgiu de forma mais intensa, quando a crise e a austeridade atingiram as famílias de forma dramática. Antes disso, reconheço que as pessoas não valorizavam tanto uma matéria que hoje é olhada, indiscutivelmente, de uma forma diferente, em grande medida acelerada pela queda da credibilidade de políticos e partidos, fenómeno associado ao estado do país em termos sociais e financeiros e à austeridade que tem vindo a ser imposta a famílias e empresas. Negar isto é não ser sério na abordagem de um tema que não se compadece com oportunismos. E que reconhecidamente é polémico.
Creio que hoje se discute o valor atribuído aos partidos e não propriamente a lógica desse apoio financeiro do parlamento. Contudo, repito, trata-se de uma matéria que por vezes é abordada, diria mesmo recorrentemente, com muita demagogia e muita leviandade, já que, por exemplo, fazer a apologia da redução abrupta destas verbas ainda por cima defendendo que sejam usadas para pagar a dívida - como ouvi alguém sustentar - é demagógico e absolutamente despropositado. Salvo se a ideia é a de entalar os partidos, colocando em causa a sua existência ou torná-los dependentes – sei que alguns até acham que essa é a via correta… - do capitalismo, de financiamentos obscuros, de trocas de favores, de pressões corporativistas e dos interesses dos capitalistas. Partidos dependentes dessas máfias financeiras é um passo para o enterro da democracia.
É por isso que acho que os militantes do PSD da Madeira, nesta fase em que se encontram, devem exigir a clarificação de propostas e de ideias que sobre este tema têm sido difundidas, de forma a não existirem dúvidas. Tal como devem os militantes exigir a sustentabilidade de certas propostas que mais parecem uma espécie de lotaria para ver quem mais depressa dá cabo dos partidos, a começar pelo próprio PSD regional. Acho que os militantes devem reclamar que lhes digam, sem equívocos, quantas sedes vão encerrar – porque não haverá mais condições para as manter – e quantos funcionários serão despedidos. Desafio qualquer candidato a desmentir o que acabo de afirmar e a negar esta relação, no que ao PSD regional diz respeito, entre a estrutura física hoje existente na Região e os recursos financeiros auferidos por via do parlamento.
Reduzir o montante presentemente atribuído aos partidos, que aceito ser exagerado, constitui apenas uma decisão política. Não há mais nada a acrescentar. Os montantes apurados mensalmente baseiam-se numa fórmula que tanto pode ser alterada nalguns dos seus componentes como pode ser substituída pura e simplesmente por outro modelo. Aliás, uma hipotética redução dos deputados regionais - apesar de uma questão não poder ser associada à outra - implicará a redução imediata das verbas hoje canalizadas para os partidos.
Não tenho dúvida, já o disse, que a gestão desses recursos financeiros passará a obedecer a uma outra lógica, e que essa opção deve ser tomada por forma a vigorar na próxima Legislatura na medida em que todos os partidos com representação parlamentar serão afetados com a redução das verbas, seja ela em que montante for. Sobretudo os partidos mais pequenos, que são os que menos recebem e que não podem ser beneficiados em detrimento dos partidos mais representativos e da lógica da proporcionalidade que é um dos pilares da democracia parlamentar. Nesta discussão não cabe o porreirismo sem rédea nem a caça ao voto inspirada na treta deque vale tudo para vender uma ideia de mudança. As mudanças fazem-se com calma, sem precipitações. Temos como exemplo o impacto que um ajustamento financeiro acelerado teve na sociedade portuguesa e nas pessoas em geral.
Repito, é repugnante esta ideia de que em nome de um porreirismo populista de caça ao voto, se olha para um partido com 3 mil votos da mesma forma que se olha para um partido com 20, 30 ou 50 mil votos. No caso dos partidos de maior dimensão regional, para além do encerramento de sedes, teremos provavelmente despedimento de funcionários contratados e uma mudança radical nas campanhas eleitorais que, à falta de meios financeiros, terá que obedecer a uma outra lógica, na planificação, no conteúdo, na execução, no controlo das despesas, etc. Dificilmente teremos campanhas eleitorais a ultrapassar o período legalmente consagrado na lei eleitoral para a campanha eleitoral propriamente dita.
Sendo, porque sou, uma pessoa que acha que os partidos, com todos os seus defeitos e virtudes, são fundamentais à democracia e ao envolvimento participativo dos cidadãos no quotidiano da sociedade, considerando que deve ser através dos partidos – e nada tenho contra a reclamação da discussão balizada em torno da valorização das candidaturas de cidadãos ou de "independentes" (que na esmagadora maioria dos casos de independentes nada têm), desde que feita com sustentabilidade e não com demagogia e demasiada ingenuidade - acho que é por via das transferências financeiras dos parlamentos que os partidos conseguem existir. Se contarem apenas com as receitas provenientes das quotas dos militantes e outras adicionais, por exemplo resultantes de iniciativas próprias, podem crer que o destino dos partidos dificilmente deixará de ser o de uma lenta agonia rumo à extinção. Enquanto a representação parlamentar for garantida, a existência dos partidos está assegurada. Alguns conseguem efetuar autênticas "travessias no deserto" (veja-se o que se passa com o Bloco na Madeira, depois de ter tido, desde 1976, representação parlamentar, perdeu-a em 2011), mas a exceção não faz a regra.
Ao que consegui apurar o grupo parlamentar do PSD, com 25 deputados, tem 7 funcionários ao seu serviço, seguindo-se CDS com 9 deputados e 6 funcionários, PS com 6 deputados e 6 funcionários, PTP com 3 deputados e 9 funcionários, PCP com 1 deputado e seis funcionários, MPT com 1 deputado e 1 funcionário, PAN com 1 deputado e 3 funcionários e PND com 1 deputado e 1 funcionário. Independentemente do salário pago pela entidade contratante (partidos) - o estatuto dos funcionários contratados varia muito e há total liberdade contratual dos partidos, matéria na qual a Assembleia Regional não se envolve nem tem sequer qualquer poder de decisão - a atividade de assessoria parlamentar está devidamente previsto na legislação em vigor. Nada a dizer. O que as pessoas provavelmente não sabem (nem são obrigadas) é que quando falamos de "jackpot" falamos basicamente de recursos financeiros transferidos mensalmente para os partidos com representação parlamentar - ao contrário do que acontece com a Assembleia da República, os partidos sem representação parlamentar não auferem qualquer tipo de apoio financeiro na RAM – que se dividem em duas componentes diferentes: verbas que resultam da representação parlamentar dos partidos (deputados) para os gabinetes e montantes consignados a encargos de assessoria após deputados que são substancialmente inferiores que os primeiros. Globalmente fala-se de 340 mil euros mensais para os gabinetes e apenas cerca de 38 mil euros para a assessoria. Os partidos gastarão mensalmente entre 70 a 75 mil com contratações porventura acrescidos dos cerca de 37 mil euros para assessorias. O remanescente é usado pelos partidos como entenderem, residindo exatamente aqui o diferendo com o Tribunal de Contas que acha que tem o direito de ser informado pelos partidos, no quadro das suas competências, da utilização dada a esses dinheiros públicos. Uma situação que persiste sem solução, mesmo depois da criação de um organismo - mais um - no quadro do Tribunal Constitucional (a chamada Entidade de Contas dos Partidos) que me parece estar claramente a mais neste contexto.
Muito sinceramente - ressalvando o facto de haver partidos regionais que nem contas apresentam a essa referida ECP - estamos a falar de um diferendo que persistirá apenas por mais algum (pouco) tempo e que tem muito a ver como montante adstrito a esta rubrica parlamentar madeirense. Há partidos que contestam os valores que recebem, alguns propuseram cortes entre os 25 e os 30%, mas não tenho conhecimento de que tenham alguma vez devolvido parte das verbas recebidas. Não sei mesmo - confesso o meu desconhecimento - se técnica e legalmente isso seria possível ou não. Presumo que sim.
Veja-se o que acontece com a Assembleia da República cujo orçamento para 2015 inclui as chamadas "Subvenções aos Grupos Parlamentares", que ascendem a pouco mais de 880 mil euros, acrescidas de mais quase 700 mil euros de "Subvenções para encargos de assessoria aos deputados". Acrescem ainda 200 mil euros para "subvenções para as comunicações". Mas temos ainda 14,5 milhões de euros na rubrica "Subvenções aos Partidos e Forças Políticas representados", 342 mil euros como "Subvenções aos Partidos e Forças Políticas não representadas" a que se junta este ano quase 7,5 milhões de euros como "Subvenção estatal para campanhas eleitorais - forças políticas" que na realidade constitui a verba destinada a financiar as campanhas eleitorais para as legislativas nacionais e para as regionais na Madeira, ambas a ter lugar em 2015.
Não tenho dúvidas que este assunto será uma prioridade - deve ser uma prioridade - no início da Legislatura regional de 2015. Mas acho perigoso, demagógico e absurdo, que a escassos meses do final da Legislatura em curso se pretendam alterar os valores transferidos para os partidos só porque há políticos que acham que, nesta conjuntura de austeridade, esse tema é simpático e pode render votos. O que dá votos é a credibilidade dos políticos, a seriedade das suas propostas, a forma como se comportam nos cargos e exercem funções. Tudo o resto é papel de música. Tenho fundada desconfiança sobre esta fobia, transformada numa lotaria tipo "quem dá mais", de pretenderem a todo o custo descapitalizar os partidos. (LFM/JM)