domingo, junho 03, 2012

O estranhíssimo caso do aluno: uma reflexão

Li há dias na imprensa local uma notícia sobre um estranho (porque pouco usual, penso eu) caso envolvendo um automobilista, um grupo de alguns de uma escola do Funchal e a forma como aquele reagiu a uma situação ainda pouco clara, se a um insulto ao referido condutor se perante um insulto à dignidade de um aluno de muletas e fisicamente inferiorizado. Reza a notícia:
"Um aluno com 12 anos de idade foi agredido por um desconhecido que seguiu num automóvel cujas características foram reportadas à PSP. Este estranho caso ocorreu na tarde de terça-feira, pelas 17 horas, no entroncamento entre a rua do Til e a rua 31 de Janeiro e foi presenciado por pelo menos duas testemunhas oculares. Um grupo de alunos com idades entre os 10 e os 12 anos iam a caminho da Escola Básica e Secundária Bartolomeu Perestrelo, num ambiente de brincadeira com alguma algazarra e euforia. Segundo apurámos, um dos miúdos chamou nomes a um colega que caminhava de muletas. O tom de brincadeira não terá sido entendido assim por todos, nomeadamente por um automobilista que por ali passava. Junto aos semáforos, um homem, adulto e já maduro, abandonou a sua viatura, um 'Smart' e recriminou o rapaz alegadamente pelo facto deste ter insultado o colega ou, eventualmente, por achar que as palavras injuriosas se dirigiam a si. Agarrou o aluno pelo pescoço e levantou-o, deixando-o bastante aflito e sem ar durante algum tempo, o suficiente para motivar a intervenção de pessoas que o chamaram à atenção. O homem afastou-se, entrou no carro e foi embora. A situação foi reportada à PSP que ainda tentou localizar a viatura através das características descritas. A mãe do aluno já formalizou queixa-crime na PSP que está a investigar este estranho caso. A criança ficou naturalmente perturbada com aquela experiência traumatizante e está a receber apoio psicológico"
O que me apraz referir, apenas isso, salvaguardando que não conheço os factos, é que não pode haver contemplações nem, dualidades de critérios, nem os jornalistas se podem deixar envolver em enredos ou teias de vergonhosa manipulação que funcionam, em função de conveniências. Sem ar? O jornalista viu isso, confirmou com quem, quem lhe disse? E as fontes no jornalismo?! Ou seja, não sabe quem estava a ser insultado pelo tal grupo da algazarra e da euforia, se a criança de muletas, se o automobilista. Mas conseguiu descobrir que o personagem central da história (já agora se era um grupo porque aquele em concreto e não outro qualquer?!) ficou sem ar durante algum tempo?! Porque das duas uma: ou alguém, insultou alguém, ou então o que se estava a passar entre os miúdos era uma situação de "bullying" puro e duro que não pode ter outra designação conforme a paternidade da criancinha. E o respeito pelos mais vulneráveis? Com que direito a "algazarra e a euforia" implicava o gozar com o mais fraco daquele grupo, a criança de muletas? Fica claro? Não me parece que o jornalismo possa funcionar com base neste argumento e muito menos quando me parece haver aqui determinadas situações, que extravasam o jornalismo, mas que motivaram a notícia. Ou seja, com outros porventura era uma não-notícia.
"Um grupo de alunos com idades entre os 10 e os 12 anos iam a caminho da Escola Básica e Secundária Bartolomeu Perestrelo, num ambiente de brincadeira com alguma algazarra e euforia". Sim? Então passa a ser tudo "algazarra e euforia", mesmo quando andarem à batatada. Batatada? Cá nada, é tudo "algazarra e euforia"... Mesmo se alguém for bater ao hospital com a cara lascada. Claro, é tudo "euforia e algazarra".
"Segundo apurámos, um dos miúdos chamou nomes a um colega que caminhava de muletas. O tom de brincadeira não terá sido entendido assim por todos, nomeadamente por um automobilista que por ali passava". Sim? Mas afinal não era tudo "euforia e algazarra"? Que nomes chamou ao coitado do colega de muletas? Será que estavam só a chamar nomes a um colega inferiorizado, não se sabe se por doença temporária se por doença de nascença? Ou afinal estavam a insultar quem? A primeira omissão da notícia é exactamente essa: tratava-se de uma criança deficiente motora, ou de uma criança, colega dos demais, que temporariamente, foi obrigada a usar muletas devido a qualquer acidente sofrido?
O que diria, por exemplo, o jornalista se o tal colega de muletas fosse seu filho ? E o que dirão todos os pais, cujos seus filhos, os que fisicamente são doentes ou estão inferiorizados, e que por causa disso são alvos da chacota, do gozo, da humilhação e do insulto rafeiro de coitadinhos dos rapazinhos inocentes que em vez de protegerem os seus colegas mais fracos os transformam em alvos da chacotada, mesmo que em "euforia e algazarra"?
Repito, não sei o que se passou, como ninguém sabe o que se passou, a começar pelo jornalista. Não quero fazer juízos de valor a favor de uns contra outros, não conheço protagonistas deste caso nem quero conhecer porque não me interessa para nada. Mas esta teoria de que a chacota e a algazarra servem de justificação para tudo, inclusive na imposição aos professores para que aturem na escola aquilo que os paizinhos em casa não fazem, ou para engolirem as mal criações de "anjinhos" que nem os pais educam ou aturam, começa a ser demais. Respeitem ao menos as pessoas, neste caso os professores que não podem ser os "bombeiros" da permissividade ou da incompetência de pais (?) mal formados.
Diz a notícia que a "mãe do aluno já formalizou queixa-crime na PSP que está a investigar este estranho caso. A criança ficou naturalmente perturbada com aquela experiência traumatizante e está a receber apoio psicológico". Se tiver a razão do seu lado, acho que está no seu direito e deve fazer tudo para que se perceba o que se passou e sejam tomadas as decisões adequada em função dos factos apurados. Até para que sirva de exemplo para situações futuras. E de emenda! Mas se não tiver razão, tenha ao menos vergonha e a humildade de reconhecer o erro e de pedir desculpa, pelo vistos a começar pelo jornal que publicou a notícia. E se alguém convencesse os pais do aluno alvo da chacota dos seus "colegas" (?) a fazer o mesmo? Em defesa da dignidade do seu filho e em nome de uma sociedade que não pode tolerar o chico-espertismo.

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