domingo, setembro 20, 2009

Escândalos da Democracia: Rede mafiosa na Polícia Judiciária

"Um filme policial à boa maneira da máfia", lia-se na capa do "Comércio do Porto" de 30 de Dezembro de 1986. Nas páginas interiores, o jornal concretizava a história avançada em primeira mão: "Escândalo sem precedentes na história da Polícia Judiciária". O enredo envolveu dinheiro, crime, perseguições, drama e mulheres. Ou, pelo menos uma mulher: a sedutora Maria da Graça, à volta de quem girou um autêntico argumento de telenovela que, 16 anos mais tarde, acabou mesmo por ser escrita pela jornalista Felícia Cabrita e pelo argumentista Francisco Nicholson para a SIC.Para Coutinho Ribeiro, que, com António Soares, assinou o primeiro artigo sobre este caso de corrupção no "Comércio do Porto", tudo começou com uma conversa informal com um advogado. "Um dia depois tínhamos encontrado o garganta funda", conta ao i o ex-jornalista, agora advogado. "Andámos a noite toda à procura dele até o encontrarmos num carro escondido a ver se tínhamos sido seguidos por alguém. Pela madrugada já nos tinha contado tudo."E que "tudo" seria. Não se pode explicar "Sãobentogate", cujo o nome provém da rua da PJ do Porto (Nº 12 da São Bento da Vitória), sem explicar primeiro quem é Maria da Graça. Alta, loira e muito elegante, Maria da Graça fazia vida de seduzir homens ricos e poderosos, gastando-lhes depois o dinheiro até ao último tostão. O estilo de vida desta mulher era tal que heranças de 450 mil contos não duravam muito e as queixas de cheques sem cobertura começaram acumular-se na PJ que, quando tentava prender Maria da Graça, via os seus esforços frustrados com a sua fuga. Foi então que surgiram as primeiras suspeitas dentro da PJ. Um grupo de agentes considerados intocáveis foi destacado para colocar escutas em casa de Maria da Graça. E logo o primeiro telefonema que apanharam foi, justamente, o de um colega a avisar a suspeita de que "as coisas estavam a ficar negras" .A partir daí este esquema insustentável começou a cair como um castelo de cartas e alguns agentes da PJ tornaram-se suspeitos de fugas de informação, encobrimento, suborno e cedência de habitação para acolher foragidos, como Maria da Graça e o seu irmão. Em troca, a "doutora", como era tratada, pagava à PJ pelos avisos e encobrimento. Corrupção Os pagamentos de Maria da Graça a polícias começaram por ser em peças de prata, mas evoluíram para ofertas de peixe e marisco. Mas estas encomendas avultadas de lagostas e lagostins acabaram por se transformar em sete mil contos de dívida com uma vendedora de peixe no mercado do Bolhão, no Porto.Três dias depois da publicação da história pelo "Comércio do Porto", a PJ confirma estarem a ser investigados casos de corrupção na corporação. Dez dias depois são presos dois inspectores e dois subinspectores. Sobra um outro subinspector, Júlio Regadas, que, avisado a tempo, fugiu para Espanha. Depois de rebentar o escândalo, Ribeiro Coutinho sofreu na pele o facto de o jornalismo de investigação quase não existir em Portugal. "Foi uma guerra solitária contra o poder. Recebi ameaças e andei a dormir na rua durante alguns dias com medo da PJ", confessa. Alguns dias depois conseguiu uma entrevista com o agente foragido Júlio Regadas, na Serra do Marão, através do filho deste. "Tive um pouco de medo. Ele tinha com ele uma carta a pedir para me liquidar", lembra.Para terminar uma história já cinematográfica quanto baste, quando Maria da Graça fez 40 anos, Ribeiro Coutinho visitou-a na prisão com um ramo de violetas, as suas flores preferidas. Frente a frente, num momento dramático: o jornalista e uma das pessoas que ajudou a arruinar a sua vida. "Por alguns segundos quebrou o verniz e ficou agressiva, mas depois acalmou-se", conta o ex-jornalista que confessa ter sido um momento emocionante. Maria da Graça disse-lhe na altura com os olhos húmidos: "Eu odiava-o, mas acredite que nunca mais vou esquecer o seu gesto". (pelo jornalista Nuno Aguiar, do Jornal I)

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