terça-feira, agosto 04, 2009

Opinião: "Os vampiros da informação"...

"Já me referi, aqui neste jornal, várias vezes, sobre a falta de moral, a ausência de ética e sobre o atropelo com que muitos jornalistas, quase impunemente, regem o seu trabalho, no objectivo único de conseguirem uma reportagem cheia de sensacionalismo. Contudo penso que, sendo cada um como é, com ou sem princípios, com ou sem educação com ou sem ética, a grande culpa provém dos Governos e dos directores desses jornalistas que os deixam criar notícias ou reportagens onde o sangue, o ódio ou o veneno da maledicência impera para conseguirem vender, vender e vender. Infelizmente a culpa não é solteira pois o Estado, permitindo certas e determinadas notícias e reportagens, torna-se cúmplice desses jornais e jornalistas deixando-os, impunemente, poluir a moral e o bom funcionamento da mesma. Não gosto nem nunca gostei de jornais sensacionalistas assim como nunca gostei de jornalistas que são como ratos vivendo no lixo e na sujidade da procura do apanhar o que quer que seja na desgraça para trazerem para a praça pública as notícias que os medíocres tanto apreciam: quanto mais ensanguentada, quanto mais dolorosa, quanto mais maldosa melhor, doendo a quem doer. Fiquei ontem menente quando constatei que um repórter entrevistando aquela menina, com 13 anos de idade, que milagrosamente escapou daquele acidente aéreo onde pereceram 152 pessoas, incluindo a própria mãe, a primeira pergunta que lhe fez foi: - A viagem correu bem? Se analisarmos profundamente aquela pergunta, só poderemos fiar atónitos com ela pois aquele indivíduo entrou num campo tão complicado e íntimo que não se admite que alguém o faça. E se repararmos na resposta da menina a dizer que a mesma tinha corrido bem, logo constatámos do estado em que a mesma se encontrava pois a viagem de certeza absoluta que não lhe correu bem, dado a tragédia que se passou. Com que intuito aquele jornalista a fez? Com que direito? Com que moral um indivíduo daqueles é autorizado a fazer uma pergunta tão estúpida a uma criança que, por não ter um familiar ou um amigo próximo que a protegesse, se sentia ainda, de certeza absoluta, em pânico? Por isso pergunta-se: Com que intuito aquele jornalista a fez? Com que direito? Com que moral? Como puderam os responsáveis daquele hospital parisiense autorizarem que um qualquer repórter, qual vampiro sedento de sangue, abordasse aquela menina e a sujeitasse a uma pergunta tão estúpida e descabida? Como podem os Estados permitirem que este tipo de situações aconteça? Não será um crime contra a moral e estado de espírito de uma criança uma pergunta tão cruel e estúpida? A menina teve um acidente brutal, ficou ferida, esteve perdida no mar durante 13 horas, sem saber nadar agarrada a um objecto que a fazendo flutuar lhe salvou a vida, esteve tanto tempo sozinha e, para além de tudo, ainda perdeu a sua mãe! E apareceu impunemente aquele abutre ao pé dela a fazer-lhe, a quiçá, mais estúpida pergunta do mundo? Penso que para termos uma informação livre e útil temos que, de uma vez por todas, deixarmos de explorar apenas desgraça como se explora, e proclamar também a alegria e a esperança; temos que deixar de autorizar que se levantem suspeitas sujas e se respeite o direito que cada qual tem à sua privacidade e bom-nome; temos que parar de mostrar sangue, explorar infundadamente o sofrimento e disseminar, principalmente no meio das crianças, que ainda há tanta coisa linda neste mundo que vale a pena ver, ouvir e preservar; temos que, de uma vez por todas, deixar as crianças em paz, serem felizes, brincarem como crianças que são e indicar-lhes respeitosamente o futuro como palco onde a curto prazo serão os autores da vida e da funcionalidade deste mundo onde vivemos; temos que informar mas de uma forma isenta e não da forma como se tem feito esquecendo-se insistentemente o lindo a troco daquilo que é feio e faz vender. Aquela entrevista feita àquela menina, quanto a mim, foi algo que a marcará para sempre. Por isso denuncio aqui publicamente, que o que fez foi um crime grave contra o estado psíquico daquela miúda. Ou as crianças já não merecerão dos Estados que o sensacionalismo jornalístico as poupe?"
(por Valdemar Oliveira, Correio dos Açores)

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