Opinião: "Análise dos indicadores económicos nos Açores:para férias, e em crise?"
“Não se compreende que as responsabilidades na política económica regional estejam ainda desprovidas de informação relevante em tempo oportuno. Os sinais da conjuntura interna devem colocar os açorianos atentos, mesmo que em período de férias. O ambiente adocicado dos efeitos das aplicações de volumosos fundos públicos, parte deles improdutivos, não deve criar a ilusão perniciosa que não existem desafios árduos para o próximo futuro”. Com a entrada agora no período de férias mais intenso do ano, importa traçar alguns aspectos da situação actual da economia açoriana, não com intuito de sugerir alguma perturbação nos merecidos momentos de descanso após um ano de trabalho, mas, tão só, tentar enquadrar este período com algumas questões importantes na vida das pessoas, servindo de alerta para eventuais ilusões. O ano passado, por esta altura, o mundo assistia a um conjunto de acontecimentos altamente graves com efeitos imediatos na vida das pessoas das diferentes regiões: alta dos preços do petróleo e das matérias-primas, as elevadas taxas de juro nos mercados financeiros. Estávamos na véspera dos conhecidos escândalos financeiros internacionais, de uma crise que fez desmoronar os pressupostos actuais do desenvolvimento e crescimento económico da Humanidade. Nos Açores, e em vésperas de eleições regionais, as autoridades governamentais desde logo proclamaram que estávamos preparados para rechaçar todos os males do mundo. Mas a realidade foi muito diferente, como aconselharia na altura uma análise sensata. Vejamos alguns indicadores da conjuntura actual dos Açores. Lavoura: “Sérios problemas” No sector primário, nos últimos doze meses, a produção de leite para as fábricas e para o consumo, e o abate de carne, tiveram um crescimento de 2,9%, 4,4% e 7,3%, respectivamente. Todavia, o tempo presente não oferece um quadro nada animador para o futuro deste sector. As quotas de produção no quadro da UE e a evolução deprimente dos preços constituem sérios problemas para a lavoura regional. Nas pescas, as capturas decresceram 22,1%, mas com registo de melhoria nos últimos três meses, 29,1%. Aqui, a evolução dos preços reais do pescado em lota tem sido muito favorável nos últimos anos. Ou seja, apesar dos preços médios terem crescido a níveis superiores à inflação, como se comprova pelas estatísticas oficiais, existe muita intranquilidade e incerteza no sector. Construção: “Queda nítida” A queda na construção civil tem sido muito nítida. A venda de cimento decresceu acentuadamente, 16% nos últimos doze meses. Por seu lado, as construções licenciadas tiveram uma quebra vigorosa de 39,2%, sem sinais de recuperação. Como consequências inevitáveis, os níveis de desemprego são crescentes, e o sector Imobiliário ressente-se no seu todo. Nem mesmo a enorme descida nas taxas euribor, consegue inverter o rumo dos acontecimentos, porque no mercado não existe confiança. Em Julho do ano passado, a taxa média mensal da euribor (a 6 meses), situava-se nos 5,148%, para em Junho passado se situar nos 1.436%, menos 3,712%. Electricidade: “Fraco crescimento” O fraco crescimento de 1,8% na produção de electricidade consubstancia o abrandamento das necessidades de consumo, sinalizando assim o arrefecimento económico global. No campo da energia, no ano transacto, e por esta altura, vivia-se o drama do desmesurado aumento do preço do petróleo nos mercados internacionais. Em Julho de 2008, o preço médio do barril do petróleo situou-se nos 130,727 dólares americanos, para em Abril passado atingir o valor médio de 49.448 dólares, segundo os cálculos da OCDE/AIE. Mas, se as taxas de juro e o preço do petróleo influenciam sempre a evolução dos preços, todavia, as quedas verificadas nos últimos doze meses não foram geradoras de diminuição significativa da inflação (Gráfico IV). Em Junho de 2008, a inflação anual nos Açores situava-se nos 3%, e 2,5% no mês transacto. Em Portugal, no seu todo, e nos mesmos momentos, a inflação foi de 2,7% e 0,8%, respectivamente. Claro que as diferenças prendem-se com as especificidades da economia açoriana, e também com a falta de concorrência e transparência em momentos de crise. A título de exemplo, a diferença na inflação nos produtos alimentares, incluindo bebidas não alcoólicas, acentuou-se nos Açores quando comparado com Portugal, no seu todo. Em Junho de 2008 essa diferença era de 2,4%, passando para 3,7% em Junho passado, (Gráfico V). Ou seja, em época de crise, os açorianos viram o custo da alimentação agravar-se comparativamente à média do custo em Portugal. Turismo cai e desemprego sobe As quedas no turismo, 4,6%, no desembarque de passageiros, 2,9% e na venda de automóveis, 12,9%, são outros sinais inequívocos do abrandamento da economia açoriana. E já no ano transacto o turismo estava em queda, como sabemos. Quanto ao desemprego na Região, no 3º trimestre do ano transacto, a crise interna (ainda sem ligação às consequências da crise internacional) já tinha colocado a taxa de desemprego nos 5,2%, superior às verificadas nos anos transactos. No 1º trimestre do corrente ano passou para 6,7%, valor mais próximo do elevado nível de desemprego de Portugal, 8,9% no seu todo. Chegados aqui com estes indicadores de conjuntura, seria relevante sabermos quais os desempenhos de outras grandezas, insubstituíveis para se quantificar e qualificar a economia dos Açores nos últimos 12 meses. Mas elas não existem, porque não são construídas e publicadas em tempo. Aparecem anos depois, apenas servindo para uma abordagem histórica, sem já poder conferir poder de informação operacional para as autoridades públicas e privadas. Grandezas como a produção de riqueza, os consumos e os investimentos, público e privados, as importações e exportações, a arrecadação de receitas fiscais, etc., são totalmente desconhecidas, dificultando a tomada de decisões na economia. De facto, a estatística ainda não chegou à autonomia regional, na sua plenitude operacional. Há trinta anos que existe esta amargura, e nada ainda se alterou, apesar de existirem muito melhores condições instrumentais para a sua elaboração. Bastaria apenas que a Região estabelecesse um acordo com o INE, transpondo para o processo da elaboração estatística o poder da autonomia política e administrativa da Região dos Açores. Não se compreende que as responsabilidades na política económica regional estejam ainda desprovidas de informação relevante em tempo oportuno. Porque a informação é poder, como é útil lembrar. São todos estes sinais da conjuntura interna que devem colocar os açorianos atentos, mesmo que em período de férias. O ambiente adocicado dos efeitos das aplicações de volumosos fundos públicos, parte deles improdutivos, não deve criar a ilusão perniciosa que não existe desafios árduos para o próximo futuro"
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