Há uma ofensiva em toda a linha contra a proliferação
dos arrendamentos turísticos — o equivalente ao nosso Alojamento Local — nas
cidades espanholas mais beneficiadas pela presença de visitantes estrangeiros. Barcelona,
uma das urbes onde são mais visíveis os efeitos do turismo massificado,
decretou a extinção de todas as licenças para este tipo de atividade — cerca de
10 mil — até ao final de 2028. Valência proibiu as novas concessões na Cidade
Velha, tal como Santiago de Compostela no núcleo antigo desta cidade histórica.
Palma de Maiorca dispõe há dois anos de uma dura legislação municipal que
proíbe os arrendamentos turísticos na zona central da capital balear. A
consciência de que as diversas administrações regionais se confrontam com um
problema de grande dimensão generalizou-se.
As medidas coercivas para regular este mercado, que cresceu de maneira desorbitada nos últimos anos, proliferam em todo o país, com tanta variedade legislativa quantas as comunidades autónomas e os municípios que existem em Espanha. Para impor uma certa unidade de critérios, o Governo central anunciou agora que modificará a Lei de Propriedade Horizontal que se encontra em vigor de modo a vetar este tipo de apartamentos nas comunidades de vizinhos em todo o território nacional. A ministra da Habitação, Isabel Rodriguez, fez um apelo às comunidades autónomas e aos municípios para que atuem, dando como exemplo a iniciativa das autoridades municipais de Barcelona, lideradas pelo socialista Jaume Collboní. Rodriguez anunciou medidas imediatas para aumentar o controlo e a inspeção.
“O turismo é uma bênção do céu”, escreve no jornal espanhol “El País” Xavier Vidal-Folch, um dos seus comentadores mais destacados, “mas o excesso de apartamentos turísticos converte recantos da cidade em infernos, distorce a paisagem, sufoca pela sua concentração, desafia em concorrência nem sempre leal a indústria hoteleira. E, sobretudo, contribui para a escalada de preços da habitação normal”. As estimativas do Instituto Nacional de Estatística cifram em 351.389 as habitações turísticas existentes em Espanha no final de fevereiro deste ano, mais 9,2% do que na mesma data em 2023, com um total de 1,75 milhões de camas. O total de camas de hotel em todo o país supera ligeiramente os 1,9 milhões.
Do ponto de vista do setor, a temporada turística
surge com as melhores expectativas. Nos primeiros quatro meses deste ano
chegaram ao país mais três milhões de turistas do que em igual período de 2023.
Se no ano passado foram contabilizados 85,3 milhões de visitantes, as projeções
mais conservadoras situam entre 90 e 95 milhões o número de de estrangeiros que
em 2024 escolherão Espanha como destino de férias. Este primeiro semestre
também registou um aumento de 24,2% dos gastos dos turistas, absorvendo o aumento
generalizado de preços, sobretudo em hotéis, bares e restaurantes. O turismo
tem peso de cerca de 13% no Produto Interno Bruto espanhol.
A atividade de cruzeiros contribui de forma
significativa para estes números. Espanha é o segundo maior mercado europeu
neste setor, que em 2023 atraiu aos portos espanhóis 4500 navios de luxo,
transportando 12 milhões de passageiros. Barcelona é especialmente sensível a
este fenómeno, ao ponto de as autoridades terem decidido travar a chegada de
cruzeiros e recusar novas licenças para a construção de terminais específicos
para as grandes companhias internacionais.
O porto de Barcelona é o quarto do mundo que mais
recebe cruzeiros: em 2023 recebeu 803 grandes navios que transportaram mais de
3,5 milhões de passageiros. A passagem destes turistas pelas ruas da cidade é,
para os moradores, um dos aspetos mais lesivos do turismo na vida dos cidadãos,
alimentando a “turismofobia”.
Um dos efeitos benéficos imediatos da limitação dos
arrendamentos turísticos seria a incorporação de mais casas no mercado
Um dos obstáculos para a limitação desta atividade
económica a dimensões consentâneas é a abundância de instalações ilegais e a
dificuldade das autoridades para as detetar. A cidade de Madrid, que no ano
passado recebeu mais de 10 milhões de turistas, é um exemplo disso. De acordo
com a contabilidade municipal, existem na capital 16 mil licenças para
arrendamentos turísticos; para a plataforma de análise Inside Airbnb,
especializada neste mercado, a quantidade real destas habitações dedicadas ao
alojamento circunstancial é de 25.543. Os recursos que o município madrileno
dedica à inspeção e à deteção dos arrendamentos ilegais são considerados
ridículos, na opinião da maioria dos especialistas. Segundo assinala ao
Expresso Rita Maestre, porta-voz do Más Madrid, o grupo de esquerda mais
importante da oposição ao alcaide José Luis Martínez Almeida (Partido Popular,
centro-direita), o turismo de massas provoca “a explosão dos alojamentos
ilegais, o aumento dos preços dos arrendamentos, a degradação dos bairros do
centro e o desaparecimento dos negócios clássicos”.
Maestre propôs a criação imediata de uma taxa de
dormidas de 3,25 euros. As taxas turísticas já estão em vigor em 137 cidades de
20 países europeus, incluindo Lisboa, Roma, Amesterdão, Paris e Berlim.
Um dos efeitos benéficos imediatos da limitação dos
arrendamentos turísticos seria a incorporação no mercado habitacional de uma
grande quantidade de alojamentos tradicionais e uma baixa dos preços. O Banco
de Espanha regista no país um défice de pelo menos 600 mil fogos habitacionais,
que poderia ser compensado com o regresso dos apartamentos turísticos ao parque
residencial. O jornal “El País” escrevia há poucos dias, em editorial, a esse
respeito: “Na capital catalã a emergência habitacional é tal que o mal-estar
com este tipo de apartamentos ameaça derivar para a ‘turismofobia’. Deve ficar
claro que os turistas se devem alojar principalmente em estabelecimentos de
hotelaria. As habitações, por regra, têm de ser espaços em que se viva.”
Responsáveis da área da habitação de Barcelona
assinalam que nos últimos 10 anos os valores das rendas subiram mais de 70% nas
zonas mais centrais da cidade. Fenómenos similares verificam-se noutras zonas,
como as ilhas Baleares. Em Ibiza os trabalhadores da hotelaria que se deslocam
à ilha no verão pagam 800 a 1000 euros para arrendar um apartamento, valores
incompatíveis com o que ganham como camareiros ou empregados de limpeza nos
hotéis. Os empresários estão a ter dificuldade para encontrar trabalhadores,
muitos dos quais acabam em alojamentos precários (como autocaravanas) na
periferia.
O desaparecimento de uma parte deste parque de alojamentos irá, sem dúvida, repercutir-se no preço dos hotéis, como admite um porta-voz da associação patronal HOSBEC (Hoteleiros de Benidorm e Comarca), que agrupa 349 estabelecimentos desta zona levantina e opera mais de 110 mil camas de hotel. Enrique Alcántara, presidente da Apartur, a associação patronal dos apartamentos turísticos, mostra-se pessimista sobre os efeitos negativos do desaparecimento desta atividade em cidades como Barcelona, onde os arrendamentos turísticos, segundo assinala ao Expresso, “representam 40% de todo o alojamento que existe”. “Milhares de lojas, bares, restaurantes e museus terão de encerrar devido ao desaparecimento do turismo familiar, que são os principais clientes deste tipo de alojamentos.” Alcántara vaticina uma dura luta legal dos proprietários destes alojamentos, incluindo os grandes investidores, que reclamarão compensações pelos prejuízos que sofrerem com as medidas de limitação (Expresso, texto do jornalista Ángel Luis de la Calle)
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