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de julho de 2007, Lisboa. António Costa confirma todas as expectativas e vence
as eleições autárquicas em Lisboa com 29,54% dos votos. Carmona Rodrigues, que
caíra depois de Luís Marques Mendes, então líder do PSD, lhe ter retirado a
confiança e se candidatara como independente, conseguiu o segundo lugar, mesmo
com o escândalo Bragaparques bem vivo. O terceiro lugar do candidato
social-democrata Fernando Negrão à câmara da capital deixava assim Marques
Mendes sem opção: a derrota em Lisboa, aliada à crescente contestação interna,
obrigava-o apresentar a demissão e a convocar eleições antecipadas para a
liderança do partido.
Estava
aberta aquela que viria a ser uma guerra quase fratricida e uma das batalhas
mais sangrentas da história do partido da São Caetano à Lapa: Marques Mendes,
rodeado das principais figuras do PSD, ia defrontar Luís Filipe Menezes, dono e
senhor do aparelho local. “Resumindo, quem tivesse sucesso a fazer as maiores
vigarices no aparelho ou manipulado os dados na secretaria” arriscava-se a
vencer as eleições. Bem-vindo ao mundo de “Os Predadores“, livro assinado por
Vítor Matos, onde o jornalista se propõe a pôr a nu “tudo o que os políticos
fazem para conquistar o poder”.
No
capítulo “Menezes vs Mendes: cacicagem científica contra golpes de secretaria”,
Vítor Matos conta como, “contra todas as apostas”, o ex-presidente da Câmara de
Vila Nova de Gaia conseguiu chegar à liderança do partido. Algumas pistas:
“Investiu na digitalização de um ficheiro com mais de 100 mil militantes” e
“houve suspeitas de espionagem e de subornos a funcionários do partido”. Ainda
assim, “se não fosse um ato de pirataria informática, a vitória teria sido
impossível: um hacker foi pago para descodificar o algoritmo que gerava os
códigos do multibanco para pagar as quotas a milhares de militantes“.
“Os
barões e notáveis, os grandes nomes do partido e os líderes de opinião, apareciam
ao lado de Marques Mendes, assustados com a vaga possibilidade de Menezes
ganhar. A candidatura sediada em Gaia reforçava o discurso basista de que o
poder é do povo e que o povo laranja é que decide o futuro e não meia dúzia de
baronetes da elite lisboeta ou portuense. Só que o povo militante vota
consoante outros baronetes, os locais”. Era nestas bases que mendistas e
menezistas partiam para o duelo pela liderança do PSD.
Menezes
já tinha sido derrotado por Marques Mendes em 2005, mas, desta vez, não estava
disposto a perder. O agora comentador “estava desgastado, poucos no partido se
entusiasmavam com ele, entrara no estado em que ficam todos os líderes da
oposição quando têm pela frente um Governo que não está prestes a cair”. A
somar a isso, Mendes tinha comprado “guerras terríveis como aparelho” depois de
ter afastado várias candidaturas de “autarcas envolvidos em escândalos” que
depois se viraram contra o partido – Valentim Loureiro e Isaltino Morais, à
cabeça. Iam-se as “estruturais locais”, ficavam os dedos. E os dedos ainda
controlavam a estrutura máxima do partido. O caminho de Menezes não ia ser
fácil e teria vários obstáculos.
A
luta pelos cadernos do partido e a campanha mais científica de sempre
O
primeiro: “Era preciso ter acesso aos cadernos do partido, de forma a
identificar os militantes e pagar-lhes as quotas”. “Houve pelo menos uma
toupeira na sede nacional a passar alguns dados à campanha de Luís Filipe
Menezes”, que terá recebido “uma atenção” para ajudar, revela um dirigente do partido
– “eufemismo” para suborno, leia-se. Mas não chegava.
Miguel
Macedo, então secretário-geral do partido, “não estava disposto a facilitar a
vida aos adversários”. Acedeu, como tinha de o fazer, e entregou os dados. Mas
fê-lo da pior maneira possível: “No tempo da informática e na era do Excel”, os
nomes, números de militante, números de telefone, género e idade, de cerca de
120 mil militantes chegaram à lista concorrente em… papel“. Eram “milhares de
páginas” com informação que tinha de ser digitalizada urgentemente. Seguiu-se
“um trabalho insano de inserção de dados”, que envolveu centenas de pessoas e
contou com ajuda dos jotas. Próximo passo: criar uma base dados moderna e
eficaz.
A
contratação de uma empresa informática do Porto para desenvolver a base de
dados foi determinante para Luís Filipe Menezes. Quem pagou e com que dinheiro
permanece um mistério. Uma vez digitalizada, a base de dados permitiu criar o
Sistema de Gestão de Militantes (SGM). ‘Foi a campanha mais científica que já
se fez em Portugal’, diz um dos responsáveis pela execução do plano”.
“O
SGM distinguia três tipos de militantes: os verdes [adquiridos], os vermelhos
[afetos a Marques Mendes] e os amarelos [os indecisos]”. A chave para a
vitória, claro, estava nos amarelos. “Com base na informação enviada para o
Porto em tempo real por cada cacique, era possível perceber quem estava com
quem e fazer, a partir daí, uma gestão inteligente dos recurso”. No Porto, a
máquina de Menezes controlava todas as ações: Marco António Costa, diretor de
campanha, “estava em todas”; Nuno Delerue era o “terrorista” de serviço; Luís
Cirilo “mantinha a rede de caciques organizada e fidelizada”; Helena Lopes da
Costa “comandava as tropas de Lisboa”; António Cunha Vaz “tinha a comunicação a
cargo e injetava informação e contra informação nos jornais; e Ribau Esteves
“era o porta-voz da campanha”, incendiário q.b.. Estava em marcha a corrida
para a liderança do partido, mas era preciso resolver o problema das quotas por
pagar – sem isso, de nada resultava mobilizar militantes.
O
pagamento das quotas acabou por se tornar no tema central da campanha (…). Era
o jogo do gato e do rato. (…) Só havia três formas de realizar os pagamentos:
por vale postal, o que não era muito prático e mostrava as cartas ao adversário;
por cheque individual, que o era ainda menos; e através do multibanco, a forma
mais fácil de furar o esquema e de ultrapassar as limitações impostas”.
Capturar
“Os
Predadores”, de Vítor Matos. Editora Clube do Autor
Pirataria
informática foi a chave que abriu o cofre
Mas
havia um problema: “Na secretaria-geral do PSD, os códigos para o pagamento por
multibanco eram gerados informaticamente através de um algoritmo. Como acontece
com as contas do telemóvel ou da eletricidade, os códigos de pagamento eram gerados
no momento em que eram impressos em talões, que seriam imediato enviados por
carta aos militantes”, conta Vítor Matos. Ou seja, “sem acesso à chave do
cofre, mas já com a base de dados digitalizada, faltava aos ‘menezistas’ dar um
passo: desbloquear o algoritmo“. É aqui que entra a tal empresa sediada em
Madrid.
No
livro, o jornalista cita, pelo menos, “cinco fontes próximas de Menezes”,
identificadas e não identificadas, que confirmam a manobra de pirataria
informática. Firmino Pereira, então vereador em Gaia e “homem-forte do aparelho
na concelhia”, confirma: “Foi uma empresa de Madrid que conseguiu desencriptar
os códigos para o multibanco”. Outras fontes falam em “verbas entre os 20 mil e
os 30 mil euros” usadas para “pagar o serviço” e desbloquear “uma cifra de
caracacá“.
Carlos
Reis, na altura, presidente da concelhia da Amadora, também o faz. “Menezes
tinha uma equipa de informáticos que conseguiram quebrar o algoritmo quando já
tínhamos a listagem toda dos militantes, e assim passámos a ter os códigos”. É
também ele que conta como foi a primeira noite depois de estarem na posse dessa
informação:
Foi
uma noite épica. Eu e umas seis pessoas chegámos ao Restelo entre a meia-noite
e a uma da manhã para pagar as quotas em vários multibancos. Quando lá
chegámos, estava tudo ocupado por um grupo de outra concelhia a pagar.
Andávamos em Lisboa à procura de multibancos livres. Estava tudo ao mesmo“,
revela Carlos Reis.
Em
declarações ao autor, Luís Filipe Menezes garantiu não saber nada sobre esse,
alegado, esquema. “Isso para mim é novidade. Não tenho ideia. Tem de ser falso.
Pessoalmente não conheço nada disso“.
Hoje,
mais de sete anos depois, Carlos Reis reconhece que tudo aquilo foi exagerado.
“A certa altura não havia racionalidade. Era uma guerra civil e hoje penso como
pude estar num filme destes que acabou tão mal”. Mas o lado de Marques Mendes
também não se estaria a portar muito bem. Pelo menos, era nisso que acreditavam
os menezistas. As mesmas estratégias eram, alegadamente, usadas pelos partidários
de Mendes, “através de vales postais em concelhias como Ansião, Lamego ou
Espinho“, enviados às centenas. Ao mesmo tempo, denuncia Carlos Reis, “havia
uma caça ao menezista” para retirar votos ao gaiense. “Carlos Reis tinha pago a
quota do pai e da mãe com o seu próprio multibanco: o pai foi impedido de
votar, mas não a mãe. ‘É que a minha mãe
não tem o nome Reis’, alega. Casos semelhantes repetiram-se pelo país”.
Vivia-se um clima de “guerra tribal”.
Quando
se entra numa guerra tribal, já não é uma questão de poder. Eu não podia perder
aquela eleição’, recorda Carlos Reis. ‘Era uma questão que já envolvia
amizades. Aqueles atos, como o de banir o meu pai e outras pessoas de votar,
fez emergir o que de pior há na militância partidária e nas relações humanas”.
Mas
Luís Marques Mendes não se ia deixar ultrapassar assim tão facilmente. O
secretário-geral do partido, Miguel Macedo, “pediu à SIBS, a empresa que gere a
rede dos multibancos, para lhe fornecer dado que permitissem à secretaria-geral
do partido detetar que pagamentos estavam a ser feitos pelos apoiantes do
rival”. Na posse dessa informação, os sinais eram claros: “Dezenas de pagamento
de quotas feitos com o mesmo número de cartão, separados por poucos segundos”
em “caixas ATM específicas”. “Era a prova de que a havia batota”. Assim, foram
“varridos dos cadernos eleitorais centenas ou milhares de militantes verdes do
‘menezismo’“. Era um duro golpe para o adversário.
No
entanto, a máquina de Luís Filipe Menezes não desistiu. “Para fugir de novo ao gato,
os ‘menezistas’ mandaram fazer mais cartões multibanco e foram criadas contas
específicas, em nome de dirigentes de concelhias, só dedicadas ao pagamento de
quotas. Mais uma vez: de onde veio dinheiro não se sabe“.
Quando
Menezes esteve a horas de desisitir
Os
dados estavam lançados e, de escândalo em escândalo, chegava o dia das
eleições. Mas não sem antes Luís Filipe Menezes, “com a sua instabilidade
emocional a cair para um dos picos negativos que por vezes o atacavam“, ter
estado perto da desistência. Não fosse Nuno Delerue ter dado um “pontapé à
bruta numa mesa de vidro” e “três berros” e tudo poderia ter sido diferente.
A
dois dias das eleições, Menezes marcou uma conferência de imprensa para o Hotel
Altis no Parque das Nações. Levava no bolso o discurso de desistência. Mas Nuno
Delerue “encheu-lhe a cabeça” durante a viagem entre Vila Nova de Gaia e
Lisboa. Então, o “discurso de desistência acabou por ser o discurso de
resistência”.
“Foi
então que chamou ‘pequeno tirano‘ a Mendes, acusando-o de ter uma estratégia
eleitoral digna da ‘censura do Estado Novo’ (já o tinha comparado a Salazar) e
de ‘não ter estatura política e principalmente ética‘ para continuar a liderar
o PSD”. Não é preciso elaborar muito para perceber a que se referia Menezes quando
falou em “estatura política”. Era o Grito do Ipiranga do gaiense.
Acelerando
o filme, “no dia das eleições diretas, Marques Mendes vai votar a Fafe e
regressou a Lisboa convencido de que ia ganhar. Luís Filipe Menezes e o seu
núcleo duro já tinham a certeza da vitória” por altura do jantar. A máquina era
de tal forma oleada que, nesse dia “tinha delegados formais e informais a
enviar dados por telefone e SMS, hora a hora, sobre a afluência às urnas. Eram
os modernos galopins, armados com telemóveis que a candidatura distribui por
todo o país, de forma a telefonarem para os militantes que ainda não tinham ido
votar e comunicarem os dados à central ‘menezista'”. Não foi preciso muito, a
vitória já não escapava a Menezes.
O
resultado pôs de costas voltadas figuras que, hoje, estão do mesmo lado da
barricada. Nessa noite, se Marco António Costa festejava com provocações ao
adversário, Paula Teixeira da Cruz dizia: “Foram derrotados valores. Foram
derrotados princípios“. O resto da história é conhecido: Menezes não duraria
muito na liderança do partido e, sete meses depois de chegar à principal
cadeira do São Caetano à Lapa, deixava a presidência do PSD, “sem proveito nem
glória“ (Observador)
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