“No discurso onde
ontem Passos Coelho anunciou ao país a “saída limpa” do Programa do
Assistência, as palavras que mais sobressaem, confiando nas tais “nuvens” que
um algoritmo permite fabricar, são “foi” (repetida 15 vezes), “portugueses”
(14) e “mais” (13). A primeira surge sobretudo pela explicação do passado, a
segunda pela escolha do interlocutor privilegiado (não o país, não a Europa,
mas os portugueses no seu todo) e a terceira pelas promessas do que aí, confia
ele, virá: “mais e melhores empregos”, “mais oportunidades”, “mais sólidas e
sustentáveis”, etc. E isto com uma voz “mais credível e respeitada” na Europa e
no mundo. Foi um cenário de alívio, que Passos não teve pejo em comparar à
libertação de há 40 anos, afirmando “que o 17 de Maio de 2014 ficará na nossa
história como um dia de homenagem a todos os Portugueses [assim mesmo, com
maiúscula] porque sem o esforço de todos não teria sido possível chegar até
aqui.” E foi o público agradecimento pela austeridade carregada nos últimos
três anos e que trouxe, como a oposição teimou em recordar, desemprego,
emigração, fome e desesperança.
Só que o
primeiro-ministro acentuou a palavra “foi” para lembrar aos “portugueses” a
palavra “mais”. E para que, na contemplação desse “mais” lhe dêem o benefício
da dúvida depois de “vencida” a dívida, passe o trocadilho. Até porque a dívida
continua por pagar, sob o olhar da Europa. Os que agora irão a votos são os
mesmos que continuarão a pagá-la, da forma que o Governo entender “mais amiga”
(palavras de Passos) do desenvolvimento económico. O presente, como se vê,
sorri ao Governo. Há 10 mil milhões nos cofres (darão para um ano, em termos de
tesouraria), juros baixos e alguma acalmia na crise do euro. Mas como o futuro
é feito de imponderáveis, nada garante que tudo isto se mantenha. Passos
acredita que sim. Por isso dirige-se a quem paga, pedindo nas entrelinhas o seu
voto (Editorial do Público, com a devida vénia)