sábado, junho 05, 2010

Entrevista: "Equilibrar os OE é a última coisa que se deve agora fazer"

"Paul De Grauwe, belga flamengo de 64 anos, é professor de Economia Internacional na Universidade Católica de Lovaina e um dos maiores especialistas da União Económica e Monetária (UEM) europeia. O seu The Economics of Monetary Union, publicado pela Universidade de Oxford, é célebre e obrigatório em qualquer curso de Economia. De Grauwe foi desde o início um grande céptico sobre as probabilidades de sucesso de uma moeda única sem o suporte de uma união política. Os actuais desentendimentos entre os países do euro dão-lhe razão. De Grauwe é professor convidado de várias universidades e conselheiro do FMI, da Reserva Federal Americana, do Banco do Japão, e de Durão Barroso, presidente da Comissão Europeia. A Bélgica apresentou-o, sem sucesso, como candidato a um lugar no conselho executivo do BCE". A jornalista do Publico, Isabel Arriaga e Cunha entrevistou-o neste trabalho que trascrevemos com a devida vénia:
" A crise está a ser passada, como uma batata quente, do sector privado para o sector público no início da crise e, agora, no sentido inverso. Paul De Grauwe diz que a única solução é um
acção conjunta de todos os países da zona euro.
Sempre criticou a forma como a União Económica e Monetária (UEM) europeia foi construída. Temia uma crise como a actual?
- Não previ o detalhe da actual situação, claro, mas sempre pensei que se não fizermos algo para uma maior unificação política estaremos claramente em apuros. As tensões acumular-se-ão e haverá grandes problemas, que poderão ir até à ruptura da UEM.
O que é que significa exactamente uma "união política"?
- Há duas dimensões. Por um lado, pôr em comum uma parte dos instrumentos de política económica, incluindo partes da política orçamental, fiscal e de investimentos. Por outro, coordenar muito mais as políticas orçamentais para evitar as divergências que temos observado nas posições relativas de países como Espanha, Irlanda ou Grécia, face a outros, como a Alemanha, porque são fonte de tensão e dos desequilíbrios que estamos a observar. Estes dois aspectos são os mecanismos preventivos de crises. Mas uma união política também pressupõe a existência de um mecanismo de gestão de crises. A sua ausência tem sido gritante.
O mecanismo de ajuda à Grécia e o fundo de estabilização do euro podem corrigir essa lacuna?
- Depende. Temos o pacto de estabilidade, que é um conjunto de regras para a gestão dos orçamentos nacionais, e que pode ser comparado com um código antifogo para prevenir incêndios. A crença, ou ilusão, dominante era a de que se tivessemos um bom código antifogo, não precisaríamos de bombeiros. Mas não é assim: precisamos de regras, mas também precisamos de bombeiros dispostos a apagar eventuais fogos. Agora, depois de muitas hesitações, lá foram criados os bombeiros - o fundo de 750 mil milhões -, mas os alemães, sobretudo, querem primeiro castigar os culpados e só depois extinguir o fogo. Pode-se imaginar que se chamem os bombeiros, e quando eles chegam lhes dizemos: "Esperem aí, antes de apagarem o fogo temos de castigar os que não cumpriram as regras"?
Mas o mecanismo pode "apagar o fogo"?
- O problema é que nem sequer sabemos se vai funcionar, porque os alemães querem que o Bundestag [Parlamento] decida sobre cada caso. Ou seja, não sabemos se vão mesmo avançar o dinheiro. Os alemães não confiam, querem ter a certeza de que se acontecer alguma coisa os culpados são primeiro castigados. Está tudo ao contrário: numa união é preciso confiança e estar disposto em tempos de crise a fornecer o dinheiro. Claro que precisamos de regras e da verificação do seu cumprimento. Mas o problema é que os alemães não confiam nos gregos, confiam nos bancos alemães que aldrabaram o resto dos alemães mais do que os gregos fizeram, mas aí estão dispostos a aceitar porque são alemães. Em contrapartida, se são os gregos que aldrabam dizem que não dão nem um cêntimo. É nestas condições que eu digo que uma união monetária não pode funcionar.
Como é que interpreta esta posição alemã?
- É uma combinação de muitas coisas, mas uma das mais importantes é a obsessão completamente enraizada na alma alemã a propósito de "dívida pública" que é vista como o diabo. É uma questão muito emocional que desempenhou um papel muito importante em todo este processo.
A actual crise é só uma crise de dívida pública ou é mais do que isso?
- A minha análise é que a origem da crise não tem nada a ver com dívida pública, mas com a acumulação de dívida privada. Com excepção da Grécia, que tem também um problema de dívida pública e má gestão do orçamento. Mas não é o caso em Portugal, Espanha ou Irlanda. O que aconteceu sobretudo em Espanha e na Irlanda, foi uma expansão brutal da dívida privada, com "booms" e bolhas financiados por dívida, que entrou em colapso. A economia caiu, e os governos tiveram de assumir o problema, o que provocou o aumento dos défices orçamentais. Estes dois países respeitavam todos os critérios do PEC, tinham excedentes orçamentais e a dívida caía de forma espectacular em percentagem do PIB. Ou seja, estavam a fazer o que era correcto e o que os alemães queriam que fizessem. E, no entanto, estão em apuros. A análise de que a crise foi provocada por esbanjamento, gastos excessivos e défices elevados não é simplesmente verdadeira.
As curas de austeridade destes países não correm o risco de alimentar uma nova recessão?
- Precisamente. A pressão dos mercados e da Alemanha é muito perversa. Estes países estão sob pressão para reduzir a dívida pública demasiado depressa e o resultado é que transferem, de novo, o problema do sector público para o privado, como se fosse uma batata quente. Ou seja: a explosão da dívida privada foi durante a crise transferida para os governos. Agora, os governos são pressionados pelos mercados a fazer o contrário. Isto é um grande problema que poderá levar a uma recessão em "W" que tornará ainda mais difícil a redução da dívida.
Que alternativa têm estes países, e em particular Portugal?
- Infelizmente, sozinhos não podem fazer grande coisa, porque os outros, a Alemanha, não querem ajudar. Os alemães dizem: "Vocês entraram nesta embrulhada sozinhos, por isso não vos ajudamos." A tragédia é essa mesmo: os países da zona euro não querem trabalhar juntos e reagir firmemente juntos, com programas em que possamos confiar.
Quer dizer que Portugal ou Espanha estão encurralados num colete de forças entre redução do défice e recessão?
- Bom, o que espero agora que aliviará o problema é a queda do euro. Os mercados percebem tão pouco o que está a acontecer que um dos efeitos do que estão a fazer é a queda do euro. É a melhor notícia que temos desde há várias semanas. Rezo todos os dias para que o euro continue a cair.
Por que é que a UEM não permitiu uma maior convergência das economias dos países-membros, como era suposto?
- Isso não aconteceu, de facto, mas há responsabilidades de todos os lados. Por exemplo a Espanha e a Irlanda tiverem um forte boom e os respectivos governos não fizeram o que era preciso para os conter. Toda a gente olhava com admiração para a situação dos dois países. Mas estava tudo errado, claro, porque era um consumo artificial que não podia continuar. Ao mesmo tempo, os alemães fizeram o contrário, acumulando excedentes e financiando este consumo.
O que é que Portugal poderá fazer para recuperar a competitividade perdida desde a criação do euro? Reduzir os salários em 30 por cento, como afirma Paul Krugman?
- Não acho que seja 30 por cento, mas entre 10 e 20 por cento, o que continua a ser muito, claro. Infelizmente, Portugal será forçado a corrigir isto durante muitos anos, não vejo alternativa. A menos que saia da zona euro, mas não tenho a certeza de que o queira fazer.
Aconselharia Portugal a fazê-lo?
- Não, não aconselho, e por isso, infelizmente, só há uma forma de sair daqui, que é a dolorosa. Mas claro que se o euro continuar a descer, poderá aliviar um pouco o problema. Não eliminará a necessidade de correcção, mas atenuará. Não há soluções milagre.
O que é que pensa que os líderes europeus deveriam fazer para sair da crise?
- Certamente não o que estão a fazer agora, que é o que a Alemanha quer, ou seja, equilibrar os orçamentos. É uma ideia parva. O que precisam é de fazer alguma coisa em conjunto para eliminar os desequilíbrios da zona euro, e isso significa que a Alemanha terá de assumir também as suas responsabilidades. A Alemanha poderia fazer hoje alguma coisa para estimular a economia. Porque se Portugal, Espanha, Grécia ou Irlanda têm défices na balança de transacções correntes, isso também acontece porque a Alemanha tem excedentes na sua. E não se pode dizer que o primeiro grupo é mau e o segundo bom, porque não é assim que as coisas funcionam. A responsabilidade é dos dois lados. Houve erros em Portugal, mas também houve erros na Alemanha, com esta forma excessiva de construir excedentes nas exportações à custa dos outros. Agora é preciso fazer o contrário, porque senão entramos numa espiral deflacionista. Se Portugal e os outros reduzirem salários e se a Alemanha continuar a fazer o mesmo, teremos um grande problema. Os alemães têm de assumir a sua parte da responsabilidade, mas não querem".

Sem comentários:

Enviar um comentário