"A história é verdadeiramente extraordinária. Em 1994, altura em que a guerra civil continuava a lavrar, o Estado angolano, controlado pelo MPLA, tentou comprar 49% do Banif por o banco, liderado por Horácio Roque (na foto), ser suspeito de financiar a UNITA. Para tal, serviu-se de três supostos testas-de-ferro portugueses e transferiu €104,6 milhões para contas sediadas em paraísos fiscais. As acções foram efectivamente compradas, mas nunca chegaram a representar 49% do capital do banco, porque entretanto foram realizados vários aumentos de capital. Algumas delas foram adquiridas a preços exorbitantes: dois milhões por €15, quando o valor em bolsa mais elevado no ano em causa foi de €7,68. Agora, passados quase dez anos sobre o momento em que as sociedades offshores utilizadas na operação venderam os títulos e foram dissolvidas, o Estado angolano descobre que as acções não estão em seu nome e que o dinheiro que transferiu se esfumou. Como é possível? Como se pode perceber que se invista tanto dinheiro para alcançar um objectivo e que nenhum angolano ligado à operação perceba durante uma década que alguém se locupletou com o dinheiro e que os testas-de-ferro não fizeram o que lhes tinha sido pedido? Mistério... ou cumplicidades na apropriação dos fundos. Agora, Luanda avança com uma denúncia às autoridades judiciais portuguesas e constitui-se assistente no processo, procurando reaver o que diz ser seu. Acusa os três homens de terem enriquecido de modo ilícito e judicialmente reprovável à custa do Estado angolano.
A história faria rir se não desse uma enorme vontade de chorar. Numa altura em que a população angolana passava por terríveis privações devido à guerra civil, o Estado angolano gastou algumas dezenas de milhões de euros para tentar comprar uma forte participação num banco português, que se supunha estar feito com o inimigo. Podia tê-lo feito às claras, mas não: optou por um esquema sub-reptício, talvez não ilegal mas certamente eticamente censurável, contratando cabeças-de-turco para realizarem o trabalho sujo. Fez passar o dinheiro por onde não deixa rasto e onde não se pagam impostos. Nunca houve papéis assinados. Tudo funcionou na base da confiança. Numa frase dura: um esquema mafioso. Esqueceu-se Luanda que o dinheiro cega os homens — sobretudo aqueles que já não são idóneos o suficiente para aceitarem ser testas-de-ferro para operações onde a palavra ‘lisura’ não cabe. Agora que Luanda descobriu que não tem nem dinheiro nem acções vem queixar-se às autoridades portuguesas, pedindo para lhe ser devolvido o que perdeu num negócio privado e muito pouco transparente. Não deixa de ser uma enorme ironia — e certamente uma situação que qualquer pessoa espera que o Estado ou investidores angolanos não voltem a repetir. Nos últimos anos, o caminho parece ser esse. No BPI e na Galp está Isabel dos Santos e sabe-se. No BCP está a Sonangol e sabe-se. Mas, infelizmente, o tique secretista e as operações dissimuladas continuam a existir. Investidores angolanos compraram um semanário em Portugal mas só são conhecidos os advogados que os representam. Os verdadeiros donos não dão a cara. E quando é assim, como no caso do Banif, só se pode pensar que os seus desígnios são obscuros. No final, se não virem a cor do dinheiro, não se queixem. (texto de Nicolau Santos, no "Expresso").
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