quarta-feira, agosto 04, 2010

Reportagem: "O jornalista que descobriu o outro lado do paraíso sueco"

"Suécia, 1991. David Gebremariam, um imigrante da Eritreia, é alvejado. Foi a primeira de 11 vítimas, uma das quais mortal, de um atirador que, durante meses, lançou o pânico na habitualmente pacata Suécia. Em Junho de 1992, a polícia capturou John Ausonius, ex-taxista e também ele filho de imigrantes, e que viria a ser condenado a prisão perpétua por estes crimes. Gellert Tamas seguiu o caso. Na altura era um jornalista em início de carreira que acompanhava os movimentos de extrema-direita na Suécia. Oito anos depois, e na sequência da confissão de Ausonius, Tamas teve oportunidade de o entrevistar. A conversa esteve na origem do livro "O Assassino do Laser", uma história real sobre um homem desequilibrado e sobre um país que, afinal, não é perfeito.
Nazis
Tal como a maior parte dos seus compatriotas, Gellert Tamas também acreditava que o atirador, por escolher como alvos apenas imigrantes, estivesse ligado à extrema-direita. "Foi um período muito especial na Suécia, com o aparecimento de um partido de extrema-direita, o Nova Democracia. Havia manifestações de grupos extremistas que desfilavam com suásticas. O impulso foi o de atribuir a autoria dos atentados a esses grupos. E eu também pensei o mesmo." Esqueçam o paraíso da segurança social com banda sonora dos ABBA. Durante a Guerra Fria, a Suécia tinha estado confortavelmente sentada entre as duas superpotências. No início dos anos 90 as coisas mudaram. O país teve de se adaptar aos novos tempos e "para o bem e para o mal, ficou mais igual às outras sociedades". As primeiras reacções aos discursos xenófobos e aos crimes de Ausonius foram tipicamente suecas. A crença num modelo social quase perfeito não lhes permitia ver a realidade tal como era, "a ideia de se viver no melhor dos mundos foi uma das razões por trás da força dos movimentos de extrema-direita". Cegueira voluntária? "Quase. O pensamento era que numa sociedade perfeita não temos manifestações de nazis e se temos é porque não são nazis a sérios, são miúdos." Isto num país ainda traumatizado pelo assassínio do primeiro-ministro Olof Palme, em 1986. O mártir da social-democracia não era uma figura consensual. Havia quem o odiasse. Por esse motivo, e também porque nunca se chegou a descobrir o assassino, a morte de Palme é uma ferida por cicatrizar: "Abalou os alicerces da sociedade sueca, mas a grande mudança dá-se no início dos anos 90."
Dr. Jekyll ou Mr. Hyde
Curiosamente, Ausonius também foi um dos principais suspeitos do assassínio de Palme. Gellert Tamas fala de curiosidades, mas que podem ter leituras mais profundas: "É curioso que Ausonius tenha crescido nos mesmos su-búrbios em que Palme cresceu. Há várias ligações e é interessante verificar que uma sociedade que, em muitos casos, é quase perfeita tenha criado alguém como Ausonius." Por momentos pensamos que Tamas vai começar com a velha história do psicopata enquanto vítima da sociedade: "Era uma pessoa desequilibrada, mas a verdade é que o sistema não o conseguiu ajudar. Sentiu-se sempre como um marginal. Os pais eram imigrantes, ele tinha cabelos escuros, o que era raro naquela época. Na escola, chamavam--lhe preto. Havia nele um grande desejo de se integrar, de fazer parte do 'nós' em vez de estar no lado do 'eles'." O próprio Gellert Tamas, filho de húngaros que foram para a Suécia na década de 1950, confessa que também sentiu discriminação: "É um problema que existe até hoje. Alguém que se chame Muham-mad continua a ter mais dificuldades em arranjar emprego ou casa do que alguém que se chame Sven." Regressamos a Ausonius. Quem é que Tamas encontrou quando o entrevistou, Dr. Jekyll ou Mr. Hyde? "Ambos, o que era um pouco assustador." Inteligente, poliglota e completamente incapaz de se relacionar com os outros. "Ele falou dos crimes como uma pessoa fala das compras que fez no supermercado." E nós a pensar que os suecos eram todos réplicas magrinhas de Mats Magnusson. Neste livro, Tamas é bastante crítico em relação ao sistema sueco, mas diz que a intenção não é destruir a imagem de perfeição associada ao país: "Não pinto um quadro completamente negro, mas interessa-me falar sobre as imperfeições. Não acredito em utopias. Todas as utopias acabaram em sistemas desagradáveis. Uma boa sociedade não é algo que se alcance e que nos leve a dizer 'OK, já conseguimos', é algo que exige um esforço constante. É por isso que nos meus livros aponto as imperfeições, as falhas”. (trabalho de Bruno Vieira Amaral, jornalista do Jornal I, com a devida vénia)

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